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O homem que salvou o mundo

Acham que a [wiki title=”Crise dos mísseis de Cuba”]Crise dos Mísseis de Cuba[/wiki], em 1962, foi o maior perigos evento que poderia ter eclodido numa guerra nuclear? Errado. E isso é preocupante numa altura em que o clima da Guerra Fria parece estar de volta.

O nome de Stanislav Evgrafovich Petrov é quase totalmente desconhecido. No entanto, deveria ser bem impresso na mente de cada pessoa. Este cidadão russo não é nem cientista nem estudioso, não é um Prémio Nobel da Paz ou um santo cristão: ele é simplesmente o salvador da humanidade. Petrov, comunista até a medula, é o salvador da raça humana como a conhecemos hoje: em 1983 evitou um massacre nuclear.

Enquanto tenente-coronel do Exército Vermelho, estava encarregado de monitorizar a partir do bunker de Serpuchov 15 (em russo Серпухов-15: complexo militar perto de Kurilovo, na província de Kaluga) o sistema de mísseis dos Estados Unidos. Em 26 de Setembro de 1983, Petrov observa os ecrãs e vê que um míssil atómico partiu duma base do Montana, nos EUA. Direcção: Moscovo. O que todos temiam estava a tornar-se realidade: a guerra nuclear. Como soldado da União Soviética, Petrov é obrigado a informar imediatamente os seus superiores e as consequências são conhecidas: responder ao ataque com o lançamento de mísseis nucleares contra os EUA, seguindo a lei não escrita da mútua destruição.

Esta visão estratégica, típica da Guerra Fria, é simples: tu lanças um míssil contra mim, eu lanço cem mísseis contra ti. Resultado? Tu e eu ficamos destruídos. Foi esta a estratégia dos dois grandes blocos durante os anos da Guerra Fria; não acaso, esta visão é conhecida em inglês como [wiki title=”Destruição mútua assegurada” base=”PT”]MAD[/wiki] (Mutual Assured Destruction,” Destruição Mútua Garantida”), acrónimo que no idioma de Shakespeare forma também a palavra mad, “louco”. O resultado é que nenhum dos dois adversários, arriscando desaparecer dos mapas, ousa atacar o outro com bombas atómicas. Para se ter uma ideia da loucura daqueles anos, há uma famosa troca entre [wiki title=”John F. Kennedy”]Kennedy[/wiki] e [wiki title=”Nikita Khrushchov”]Chruščёv[/wiki]:

Kennedy: “Nós temos mísseis nucleares que podem destruir-vos 30 vezes.”

Chruščёv: “Temos mísseis nucleares que podem destruir-vos apenas uma vez, e é disso que precisamos”.

Vamos voltar para o bunker com o nosso Petrov. Com muito sangue frio, o tenente do Exército Vermelho compreende que ´pode haver algo errado: possível que os americanos lancem um único míssil para destruir Moscovo? Petrov decide não informar os seus superiores e estudar o assunto. Mas a situação piora rapidamente: nos minutos seguintes, o sistema de satélites soviético [wiki title=”Oko (satélite)”]OKO[/wiki] sinaliza outros 4 lançamentos: nesta altura pode haver 5 ogivas nucleares a caminho da URSS. É preciso muito, mas mesmo muito sangue frio para analisar os dados enquanto os bips dos ecrãs pulsam cada vez mais: Petrov não tem outras fontes de informação para poder avaliar a situação: o radar terrestre da União Soviética não tem capacidade para detectar mísseis além do horizonte. Mas Petrov tem uma certeza: o lançamento dos mísseis é um mau funcionamento do sistema de detecção, não há nenhum ataque.

O que Petrov não sabe é que há em curso uma rara conjunção astronómica entre a Terra, o Sol e a órbita do sistema de satélites OKO: isso deu origem a reflexos solares em nuvens de alta altitude, erroneamente identificados como lançamentos de mísseis. O coronel não sabe da conjunção mas está certo e após alguns minutos, os ecrãs recuperam a calma: não há mísseis no horizonte, não há nenhum ataque. Petrov tinha razão e salvou o mundo.E pensar que naquela noite nem estava agendado que estivesse de guarda.

Mais tarde, o coronel foi repreendido, oficialmente por outras razões, e a sua carreira militar terminou com a aposentadoria antecipada. Como conta a omnisciente Wikipedia:

Apesar de ter prevenido um potencial desastre nuclear, Petrov desobedecera ordens e desafiara o protocolo militar. Mais tarde, ele sofreu intenso questionamento pelos seus superiores sobre a sua atitude durante a prova de fogo, o resultado disso foi que ele não mais foi considerado um oficial militar confiável.

O exército Soviético não puniu Petrov pelas suas ações, mas não reconheceu ou honrou-o também. Suas ações haviam revelado imperfeições no sistema militar soviético, o que deixou seus superiores em maus lençóis. Foi-lhe feita uma reprimenda, oficialmente pelo arquivamento improprio de papelada de trabalho, e sua, uma vez promissora, carreira chegou ao fim. Ele foi recolocado para um posto menos sensível e por fim retirado do serviço militar

O episódio que o viu protagonista foi mantido em segredo por um muito tempo, alcançando o público quase dez anos depois. Na altura, Petrov já tinha-se retirado para Frjazino, uma pequena localidade perto de Moscovo, onde viveu em precárias condições económicas até a morte, no dia 19 de Maio de 2017.

Poucos anos antes, em 21 de Maio de 2004, uma associação californiana, a Association of World Citizens, tinha entregue ao Coronel Petrov o prémio World Citizen Award, junto com um troféu e 1.000 Dólares em reconhecimento do papel exercido ao evitar a catástrofe.

Assim, salvar o mundo significa acabar a carreira e receber 1.000 Dólares. Façam bem as vossas contas.

 

Ipse dixit.

Fontes: Wikipedia (versão portuguesa), Difesa Online, Italiani.net