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Come, come que faz-te bem!

Photo by Edward Guk on Unsplash

O Leitor tem um carro movido a gasolina? Experimente o mesmo modelo com diferentes tipos de alimentação. Com o gás GPL terá uma poupança em termos económicos e perderá algo em termos de prestações. Mesmo carro mas alimentação a metano? Maior poupança, prestações sensivelmente inferiores. Algo mais radical? Então não instale nada e experimente atesta-lo com gasóleo: o carro pára, com o motor estragado. E foi-se também o conversor catalítico. Parabéns, mas que ideia genial que teve…

Foi uma ideia estúpida, não foi? Pois foi. No entanto o Leitor aprendeu algo: o desempenho duma máquina está ligado ao tipo de alimentação utilizado. Ao mudar a alimentação, mudam-se as prestações.

O automóvel é uma máquina. O homem é uma máquina também: extremamente mais refinada, é uma máquina biológica e muito prática. Por exemplo, não precisamos de carregar depósitos de gás para caminhar. E mais, podemos utilizar vários tipos de combustível sem precisar duma afinação: líquidos, sólidos, alcoólicos, não-alcoólicos, gordurosos, magros… é o nosso corpo que automaticamente afina-se. Cómodo, não é?

É biológica, sofisticada e prática… no entanto sempre máquina é. Será que ao mudar a qualidade da alimentação mudamos também o nosso desempenho, tal como acontece com um automóvel? A resposta é “sim”. Exemplo extremo: um alcoólico acaba por estragar irremediavelmente o “motor” que irá parar muito mais cedo. Mas sem entrar no campo do radical, é claro que diferentes tipos de alimentação implicam diferentes níveis de desempenho: é o que bem sabem os atletas que utilizam dietas específicas para optimizar as suas prestações.

E não é uma escolha

Também o desempenho do cérebro está ligado à qualidade da alimentação. E o cérebro é um órgão importante que cada um de nós utiliza. Mais ou menos. Há excepções.

A tendência de crescimento nas estatísticas de criminalidade e violência assemelha-se a uma epidemia, cujos sintomas incluem confusão mental associada a uma completa falta de controle emocional ou comportamental. Os governos e os media culpam vários factores sócio-políticos, como televisão, filmes, pobreza, falta de orientação dos pais, abuso infantil, frustração, falta de motivação, falta de instituições adequadas, etc.

Tem sido atribuída a praticamente tudo, excepto a uma nutrição errada. Mas uma nutrição inadequada pode alterar o funcionamento do cérebro até levar a uma séria disfunção mental que inclui comportamentos violentos e criminosos. Quando confrontados com um indivíduo de comportamento violento, é necessário investigar se a dieta é deficiente em frutas e vegetais frescos, se há intolerâncias ou alergias a algum alimento consumido regularmente e se há intoxicação por metais pesados ​​(chumbo, cádmio, alumínio, etc …) através de análise mineral de cabelo.

Quem escreve assim não é um fanático vegetariano ou o dono duma loja “verde” mas uma cientista, Tuula E. Tuormaa, que já em 1994, na sua pesquisa The Adverse Effects of Food Additives on Health: A Review of the Literature with Special Emphasis on Childhood Hyperactivity alertava para algo do qual pouco se fala. O que é esquisito, pois os efeitos potencialmente negativos duma má alimentação são conhecidos há muito: segundo alguns históricos, uma das causas do fim do Império Romano poderia ter sido o chumbo, assumido em doses elevadas através da água potável consumida à mesa (teoria idiota, diga-se de passagem…).

Cada vez mais pessoas hoje aceitam a existência de uma relação entre a nutrição e o aparecimento de muitas doenças, mas poucas consideram realista que isso possa influenciar o comportamento humano. Por outro lado, numerosos estudos mostram que o início de comportamentos antissociais, violentos ou até criminosos estão relacionados à falta de micronutrientes, à presença de alergias ou intolerâncias a certos alimentos, a uma dieta excessivamente rica em açúcares refinados ou metais.

Uma dieta baseada em alimentos com açúcares e farinhas refinadas, bem como baixa em ácidos gordos essenciais, não só não fornece micronutrientes suficientes, mas as calorias “vazias” desses alimentos removem as outras do corpo, aquelas empenhadas nos processos de produção de energia, gerando um estado de deficiência crónica que altera o bom funcionamento do cérebro.

Pensamos nisso: todos temos que comer. E não é uma escolha, é uma necessidade. Agora, mentalmente, um salto até o supermercado: visualizem os estantes, a quantidade de comida refinada, elaborada, adicionada, até geneticamente modificada. Aquele é o nosso “carburante”, é isso que determina as nossas “prestações”. E se isso modificasse também o nosso comportamento? E se alguém decidisse determinar qual a direcção desta modificação?

Neurotransmissores

Já em 1992, o Professor David Benton afirmava que em alguns indivíduos uma deficiência não grave de determinados micronutrientes era condição suficiente para provocar o aparecimento de distúrbios psicológicos. No final dos anos ’90 e início de 2000, o grupo de pesquisa do Professor Stephen J. Schoenthaler começou alguns testes entre alunos com problemas comportamentais numa escola da Arizona (EUA) e jovens infractores detidos numa prisão em Oklahoma. Estes estudos mostraram que a introdução de suplementos vitamínicos e minerais durante vários meses pode reduzir significativamente o comportamento anti-social.

Em 2002, Bernard Gesch e colegas relataram evidências semelhantes num estudo entre jovens infractores mantidos numa prisão em Aylesbury, Inglaterra. Em adição às vitaminas e aos minerais, foi adicionado um suplemento diário de 4 cápsulas de ácidos gordos essenciais (ácido linoleico, ácido gama-linolénico, ácido eicosapentaenóico e docosahexaenóico: não sei ao certo que são mas têm nomes bem giros!). Não foi possível definir se a melhoria foi gerada especificamente pelas vitaminas, os minerais ou os ácidos gordos, mas sempre melhoria foi: tendo como base os anteriores estudos de Schoenthaler, é provável que todos esses micronutrientes estejam envolvidos de uma forma sinérgica.

O cérebro é o órgão mais complexo e metabolicamente ativo do corpo: o comportamento humano é o resultado da somatória de inúmeros processos metabólicos. Pequenas ineficiências nesses processos podem criar um efeito negativo significativo. Uma redução na disponibilidade de micronutrientes é responsável por ligeiras diferenças na actividade de uma enzima, mas se estas diferenças forem multiplicadas por milhões de enzimas, o resultado será um efeito cumulativo importante. O impacto de uma falta não grave na saúde ocorre de forma lenta e gradual, mas o cérebro é afectado quase de imediato (por via do seu metabolismo acelerado).

Uma deficiência de micronutrientes, de facto, influencia a síntese dos neurotransmissores, moléculas envolvidas numa cadeia de processos que regulam o sistema nervoso. A correcta actividade dum neurotransmissor precisa de vitaminas e minerais: uma deficiência na síntese dos neurotransmissores, como a serotonina e a dopamina, tem mostrado um impacto significativo no desenvolvimento do comportamento impulsivo e violento.

Um exemplo: para o funcionamento do neurotransmissor serotonina são necessários  magnésio, vitamina B6, ferro, cálcio e ácido fólico; isso permite criar o 5-hidroxitriptofano que, por sua vez, precisa de magnésio, vitamina B6, zinco e vitamina C para originar a serotonina. Como explica Wikipedia:

A serotonina também se encontra em vários cogumelos e plantas, incluindo frutas e vegetais. Acredita-se que a serotonina representa um papel importante no sistema nervoso central como neurotransmissor na inibição da ira, agressão, temperatura corporal, humor, sono, vômito e apetite.

Pelo que a serotonina é importante, tal como todos os neurotransmissores e os “alimentos” deles. Num estudo de 1997, uma deficiência de zinco e um excesso de cobre foram encontrados em 135 homens: todos tinham-se tornado protagonistas de comportamentos agressivos e antissociais. Mesmo uma deficiência de ácidos gordos essenciais (ômega-3 e ômega-6) pode ser a causa do comportamento antissocial. As crianças hiperactivas e agressivas, com problemas de aprendizagem e comportamentais, apresentam deficiências significativas de ácidos ômega-3.

Alergias e intolerâncias

Além das deficiências de micronutrientes na alimentação, há também várias substâncias presentes na comida que podem dar origem a reacções imunológicas (de tipo alérgico) ou reacções não imunológicas (alérgico-parecidas), que também podem afectar os estados emocionais e mentais de uma pessoa, alterando o seu comportamento.

Na década de 1970, o pediatra americano Benjamin Feingold desenvolveu a teoria de que os aromas e as cores artificiais, bem como os salicilatos presentes naturalmente em alguns alimentos (ervas, especiarias, produtos com levedura e muitos alimentos processados ​​em nível industrial) alteram o comportamento de algumas crianças, favorecendo o surgimento da hiperactividade (a TDAH). Dois estudos consecutivos demonstraram que até alimentos pobres em salicilados são capazes de gerar reacções adversas em algumas crianças, com alteração comportamental. Demonstrou-se que o corante amarelo de tartrazina (E102) e o conservante de benzoato de sódio (E211) causam reações adversas em 79% das crianças que participaram nestes ensaios.

No livro Not All In The Mind, de 1976, o médico Richard Mackarness relata o caso duma mãe autolesionista com um histórico de incidentes violentos em relação aos seus filhos. Usando um sistema de teste duplo-cego, vários alimentos foram subministrados para produzir reacções adversas nesta paciente, incluindo bacon, ovos, vitela, café e chocolate. Mackarness concluiu então que o comportamento violento da sua paciente “não estava todo na mente dela”, mas era influenciado pelo que comia.

Até a década de 1920, a ideia de que existissem alergias ou intolerâncias alimentares era algo não apenas denegrido pela ciência oficial mas também contestado. Foi o gastroenterologista W.D. Alvarez, da Mayo Clinic, que descreveu pela primeira vez num artigo científico a correlação entre alergias alimentares e transtornos mentais. O artigo despertou tamanha hostilidade que Alvarez arriscou ser despedido, mas com o tempo a teoria vingou.

De acordo com o Dr. H.M. Davison, não apenas qualquer alimento é potencialmente capaz de produzir uma reação adversa no nível do cérebro, mas muitas vezes diferentes alimentos estão envolvidos. Davidson afirma que uma reação adversa aos alimentos é capaz de alterar a personalidade, transformando a pessoa numa espécie de “Mr. Hyde”. Quando os alimentos envolvidos são eliminados da dieta, a pessoa volta a ser “Dr. Jekyll”.

Além disso, a presença generalizada em alimentos industriais de aditivos como glutamato e aspartame, neurotoxinas capazes de destruir os neurónios do sistema nervoso central, não deve ser subestimada. Uma simples sopa pronta e embalada pode conter até 1.300 mg de glutamato numa dose de 170 gramas. Se esse prato for ingerido por uma criança de 9 kg, esta terá 130 mg. de glutamato por peso corporal. A dose tóxica definida nos testes realizados com cobaias fica entre 250 e 500 mg por kg. de peso corporal. No entanto, os humanos são 5 vezes mais sensíveis que os ratitos aos efeitos tóxicos do glutamato.

Metais

O aparecimento de problemas anti-sociais e violentos é ainda agravado pela interacção entre a deficiência de micronutrientes e as toxinas ambientais, em particular por um excesso de metais pesados. Níveis elevados de chumbo nos ossos foram observados em crianças agressivas ou adolescentes delinquentes. O chumbo é um metal pesado, tóxico, conhecido por ser capaz de substituir-se ao cálcio e provavelmente também ao zinco no nosso metabolismo. Em estudos com animais, uma dieta rica em cálcio reduziu a toxicidade do chumbo, uma demonstração interessante de como este metal é capaz de substituir o cálcio apenas se este for deficiente.

A exposição pré-natal a um excesso de chumbo e de cobre também altera o desenvolvimento e a função do hipocampo, uma parte essencial do cérebro nos processos de aprendizagem. Alterações na função do hipocampo foram observadas em pessoas que cometeram assassinatos.

Uma intoxicação de metais pesados ​​também é capaz de alterar o equilíbrio hormonal. Baixos níveis de dopamina e serotonina foram encontrados num estudo de animais intoxicados com manganês. O manganês é um elemento fundamental para o correcto funcionamento do organismo humano, mas somente se estiver presente em quantidades extremamente reduzidas. Altos níveis de manganês, além de serem tóxicos, podem ser uma importante causa de comportamento violento.

A Violence Research Foundation em Tustin, Califórnia, analisou os níveis de minerais nos cabelos de 200 prisioneiros violentos, comparando-os com um grupo de controle. 60% dos presos tinham altos níveis de manganês, em comparação com 11% no grupo controle. Também foi definida uma correlação entre o comportamento criminoso e os níveis de manganês no ambiente: em 200 municípios nos Estados Unidos, sem um excesso de manganês no ar, a taxa de crime foi de 200 criminosos por 100.000 pessoas, enquanto nos 13 municípios com elevados níveis de manganês no ambiente as taxas eram seis vezes mais elevadas. Uma boa fonte de manganês? O leite de soja.

Não só OGM

Então, toda culpa da alimentação? A sociedade é agressiva porque comemos mal? Tomara fosse apenas este o problema: poderia ser resolvido rapidamente.

Todavia as evidências aqui apresentadas demonstram uma alimentação correcta e equilibrada poderia ajudar na contenção do fenómeno. O que não acontece: a incidência dos aspectos sócio-políticos continua a ser considerada como o factor com o maior impacto sobre o comportamento humano. Pode ser. Aliás, é extremamente provável que assim seja. Mas nas últimas décadas a indústria alimentar tem investido muitos dos seus esforços para melhorar as características tecnológicas dos seus produtos, tornando-os consistentes, atraentes e baratos de produzir: a mesma atenção não foi dada às características nutricionais dos produtos comercializados. Pelo contrário, a procura do preço melhor empurra as empresas a baixar o nível qualitativo e os clientes a adquirir sem prestar demasiada atenção aos ingredientes.

Então voltemos a quanto dito antes: todos temos que comer, não é uma escolha, é uma necessidade. E se alguém decidisse determinar quais modificações devem ser implementadas na sociedade através de algo que não é uma opção mas uma questão de sobrevivência? Porque comer é uma questão de sobrevivência.

Fala-se muito dos OGM, os Organismos Geneticamente Modificados, e dos efeitos destes no médio e longo prazo. É correcto enfrentar este problema porque existe. Mas não está a escapar-nos algo? Algo que actua de forma quase imediata e em larga escala? Algo que afinal não podemos nem escolher ou controlar? Algo do qual quase ninguém fala? Porque o desempenho duma máquina está ligado ao tipo de alimentação utilizado. Ao mudar a alimentação, mudam-se as prestações. E nós somos máquinas.

 

Ipse dixit.

Fontes: o artigo original (bem mais comprido!) apareceu em Maio de 2018 e é de autoria do Dr. Mauro Pallotti. A bibliografia é bastante ampla mas vou reporta-la porque bom ponto de partida caso o Leitor deseje aprofundar o assunto.