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Propaganda: Integrity Initiative

Photo by Sheldon Nunes on Unsplash

Ontem o bom Max conduzia na autoestrada: os campos cultivados são uma vista relaxante, desde que o cheiro do estrume não entre pela janela, porque aí perde-se todo o encanto. Ligar a rádio e ouvir o noticiário é o passo seguinte para quebrar definitivamente qualquer tentativa relaxadora: alguns navios russos tinham atacado umas embarcações ucranianas.

Ahi, seus bandidos! Agora os pobres ucranianos nem podem navegar descansados nas plácidas e ricas águas do Mar de Azov? Onde fica a Justiça? Isso porque nunca a longo da notícia foi explicado por qual razão os russos tinham atacado: portanto, a ideia com a qual fiquei é que estes ex-soviéticos são uns congénitos malandros, movidos por pura malvadez. Por isso a simpática Nikki Haley dizia que os russos deveriam ter vergonha: são maus e ponto final, não se fala mais disso.

Vida triste aquela do Max: estrume pela janela, estrume pela rádio. Porque depois, em casa, com calma, aparece uma versão ligeiramente diferente dos factos. Houve um pequeno pormenor que a rádio esqueceu-se de relatar: os ucranianos tinham violado as águas territoriais russas, ignorando um par de tratados internacionais. E nem foi a primeira vez, os Russos até tinham avisado antes de tomar medidas mais radicais.

Guerra em vista? Não: uma simples manobra eleitoral do Presidente da Ucrânia, o simpático Petro Porochenko, que assim pode propor a lei marcial no País e adiar as eleições. Uma boa escolha considerado que a sua actual popularidade fica na casa de 8%. Ao mesmo tempo, uma manobra para pôr em dificuldade o Presidente americano Trump em vista do próximo encontro com o homólogo Putin.

Mas o que interessa aqui, como é óbvio, é a informação incompleta. Que depois é uma maneira elegante para dizer “desinformação”: ao relatar só parcialmente os factos, cria-se no cerebrinho do ouvinte uma realidade diferente. Assunto não novo, mas hoje há mais um pormenorzinho.

No passado dia 5 de Novembro, o grupo conhecido como Anonymous publicou uma série de documentos no site Cyberguerrilla. Esta a apresentação:

Saudações. Nós somos Anonymous.

[Prazer, eu sou o Max, ndt]

Obtivemos um grande número de documentos relacionados às actividades do projecto Integrity Initiative, lançado no Outono de 2015 e financiado pelo governo britânico. O objectivo declarado do projecto é combater a propaganda russa e a guerra híbrida de Moscovo. Escondida atrás das intenções benevolentes, a Grã-Bretanha criou na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, um serviço secreto de informação em larga escala, composto por representantes das comunidades políticas, militares, académicas e jornalísticas lideradas pelo think tank de Londres. .

A Grã-Bretanha sempre teve as ferramentas para intervir nos assuntos internos dos Estados europeus independentes. Um exemplo demonstrativo é a Operação Moncloa na Espanha. A Grã-Bretanha impediu que Pedro Baños assumisse o cargo de director do Departamento de Segurança Interna da Espanha. O grupo espanhol da Integrity Initiative levou apenas algumas horas para concluir a tarefa.

Ok, ok, há demasiadas coisas que andam por aqui. Ordem e progresso: iniciamos do princípio. Um salto até CyberGuerrilla. É verdade, há os documentos de Anonymous. As críticas dos Leitores são pesadas:

“Que carga de velhas besteiras”

“Não há nada nestes documentos, apenas e-mail casuais sem substância e nada de confirmações oficiais. É claro que qualquer um que mostre cepticismo será criticado como cúmplice, mas vocês estão a desqualificar-se”.

“O que isso prova? Nada. O Kremlin precisa de uma distração eh?”

Não é difícil entender que tipo de “leitores” sejam estes. Mas a notícia é verdadeira, os documentos hackerados pertencem à Integrity Initiative que confirma (no dia 26 de Novembro, ontem) o ataque.

Mas quem é Integrity Initiative? Para já é uma organização que me enerva bastante porque as iniciais são “I.I.”. Começamos muito mal. Mas eis como se apresenta nas páginas online:

Nós somos a Integrity Initiative

[Prazer, eu sou outra vez o Max, ndt]

A informação é a base da democracia. Sem informação, não pode haver debate informado e nenhum processo de tomada de decisão informado.

Somos uma rede de pessoas e organizações de toda a Europa dedicada a revelar e combater a propaganda e a desinformação. O nosso objectivo mais abrangente é também educar sobre como identificar informações erradas e verificar as fontes. Esse tipo de trabalho atrai a atenção extremamente hostil e agressiva dos actores da desinformação, como o Kremlin e os seus vários delegados, por isso esperamos que você entenda que os nossos membros maioritariamente preferem ficar anónimos. Os factos e as informações que apresentamos são todos de domínio público e pode investigar por si mesmo. A rede é coordenada pelo Reino Unido. Não somos uma agência governamental, mas trabalhamos com departamentos e agências governamentais que compartilham os nossos objetivos.

Como dizia a minha avó: “diz-me com quem andas e vou dizer-te quem és”. Algumas das organizações que colaboram com o Integrity Initiative:

Integrity Initiative colabora com outras organizações também, todas do mesmo estilo, pelo que inútil continuar. É evidente como Integrity Initiative seja uma organização ligada ao ambiente globalizador progressista e atlanticista, que opera preferencialmente com pessoas sob anonimato. O que Anonymous consegui foram os nomes destes indivíduos anónimos, mas não só. É também possível observar o financiamento da organização e o seu funcionamento.

Fundos

Integrity Initiative opera com um orçamento de 1.9 milhões de Libras, 95% do qual chega do governo britânico, da Nato e do Departamento de Estado dos EUA. Está estruturada em clusters (“grupos” ou “células”) de políticos locais, jornalistas, militares, cientistas e académicos. Finalidade da equipa é pesquisar e publicar “evidências” da interferência russa nos assuntos europeus. O programa também visa “mudar as atitudes na própria Rússia” e influenciar os porta-vozes russos na UE e na América do Norte.

Por enquanto, a vasta rede tem clusters em Espanha, França, Alemanha, Itália, Grécia, Holanda, Lituânia, Noruega, Sérvia e Montenegro. Mas, de acordo os documentos hackerados, o plano é de expandir a esfera de influência em toda a Europa Oriental, Estados Unidos e Canadá, bem como na região do MENA (Middle East and North Africa, “Médio Oriente e África do Norte”).

Clusters

O nível dos clusters? Elevado. Tomamos o caso italiano, o que conheço melhor. Eis alguns dos nomes:

Portugal pertence à lista dos Países onde a estrutura cluster ainda está em fase de preparação: o início das actividades aqui é previsto para 2019. Em outras realidade, pelo contrário, a rede de informadores está já implementada e contempla muitos funcionários estatais com cargos de relevos nos vários Ministérios. É este o caso da França, do Reino Unido, da Espanha: tal como prometido por Anonymous, há representantes de comunidades políticas, militares, académicas e jornalísticas. O link para a lista completa, muito comprida, pode ser encontrado nas nota na parte final deste artigo.

Quem

Integrity Iniciative foi criada no Outono de 2015 pelo The Institute for Statecraft em cooperação com a Universidade Livre de Bruxelas (ligações com a Maçonaria aqui) para chamar a atenção de políticos, líderes de opinião e outras partes interessadas acerca da ameaça russa contra as instituições no Reino Unido, na Europa e na América do Norte.

O Institute for Statecraft é portanto a organização “mãe” atrás da Integrity Initiative: baseada em Londres, é gerida Chris Donnelly e Daniel Lafayeedney. Connelly é um antigo membro da Royal Military Academy, desde 1989 Conselheiro Especial para Assuntos da Europa Central e Oriental do Secretário Geral da Nato. Lafayeedney trabalhou no Grupo de Pesquisa e Avaliação Avançada da Academia da Defesa do Reino Unido até 2010, é membro do St Antony’s College, da Universidade de Oxford, da Law Society of Scotland.

O que fazem

Os objectivos de Integrity Initiative são claros: trata-se dum organização de desinformação que opera na sociedade ocidental por conta do bloco anglo-americano e contra as políticas russas. Os principais ponto do programa dum cluster são:

  1. Criar / Melhorar os mecanismos estruturais, rastreando, analisando, e respondendo à maligna influência e desinformação russa
  2. Comissionamento de pesquisa aprofundadas e realização de análises de eventos significativos
  3. Disseminação do conhecimento

No sintético guia fornecido por Integrity Initiative aos novos membros são indicadas as directrizes para a criação e a gestão de um novo cluster:

Perguntas que precisam de respostas:

Dentro do país, qual é a compreensão do público em geral e a atitude da liderança política em relação a: Rússia, influência russa, os russos (incluídos os que vivem no local), meios de comunicação russos, até que ponto a Rússia é vista como um problema?

Qual é a atitude de público / liderança dentro do país em relação a: EUA / Ocidente, meios de comunicação ocidentais?

Quem está no país e pode estar interessado em rastrear a influência russa e monitorizar a desinformação russa como parte da nossa rede? Já existem pessoas / organizações que fazem este trabalho?

Poderiam também estar interessados ​​em expor e tentar contrariar essa influência / desinformação como parte da nossa rede? Existe uma organização que pode actuar como base para o nosso cluster?

Como podemos estabelecer que essas pessoas são confiáveis, competentes, interessadas?

Específico:
Que forma a influência russa assume?
Quais sectores afecta e como? (por exemplo, negócios, política, media, academia)
Quão penetrante é isso?
Quão difícil será organizar um eficaz mapeamento / rastreamento, exposição, contra-ataque?
Quem são os principais indivíduos / organizações que actuam na Rússia?
Quem são os principais indivíduos / organizações que podem agir por nós?

A seguir é preciso individuar e contactar os potenciais novos membros:

Esteja absolutamente certo de ter boas referências acerca das pessoas, para saber que podemos confiar nelas antes de falarmos sobre o nosso programa.

Qual é a posição dos indivíduos ou da organização localmente? Estabeleça claramente qual é a natureza do seu interesse ou envolvimento.

Que acesso têm aos indivíduos ou grupos que podemos querer ver representados num cluster (por exemplo, jornalistas, políticos, funcionários públicos, militares, académicos, homens de negócios etc.)?

Quais são as suas capacidades / competências para: pesquisa e análise, networking, ensino, organização de conferências, partilha (escrita, tradução, falar em público, publicação, radiodifusão)?

A que financiamento têm acesso? Cuidado! Esta é sempre uma questão muito delicada.

[desinformadores sim, mas o dinheiro é sempre dinheiro! ndt]

Nota 1: Se perguntado sobre o dinheiro para financiar as actividades de um cluster, seja sempre firmemente vago, pouco informativo e evitem fazer quaisquer compromissos de financiamento até que tenhamos discutido isso!
Nota 2: Ao falar sobre o Instituto, tenha certeza que você pode explicar claramente o que somos e o que fazemos.
Nota 2: Se perguntado sobre o nosso financiamento, seja muito claro: Integrity Iniciative é financiada pelo Institute for Statecraft. Este tem várias fontes para garantir a sua independência. Estas incluem: privados, fundações de caridade, organizações internacionais (UE, Nato), Governo do Reino Unido.

Entre os principais objectivos dos clusters:

1. Desenvolver e experimentar o conceito e a metodologia do cluster, criando clusters em vários países em diferentes circunstâncias:

  • Conectar os especialistas anteriormente desconectados e aproveita-los para atingir um objectivo focado
  • Conectar os media com o mundo académico, formular políticas com profissionais para impactar na política e na sociedade
  • Fornecer respostas localmente enraizadas para combater o desafio local
  • Adaptar-se às condições locais (por exemplo, configurar um Observatório dos Media na Grécia).
  • Trazer conhecimentos externos de outros clusters de forma rápida, ligando-os para enfrentar um problema local

2. Fazer com que as pessoas (governos, think tanks, militares, jornalistas) vejam o quadro geral, fazendo com que as pessoas reconheçam que estamos sob um ataque híbrido deliberado da Rússia, em que a desinformação é apenas uma arma do seu arsenal, que também inclui: cyberataques, fornecimento de energia, corrupção, más práticas comerciais, truques, etc, além das operações militares.

  • Palestras e apresentações
  • Reuniões privadas de alto nível
  • Conferências
  • Sistema de distribuição proactiva para fornecer informações e análises para 350 pessoas-chave
  • Website

E depois dizem que a Guerra Fria acabou…

Propaganda

Os documentos apresentados pelo Anonymous são importantes: a estrutura de Integrity Initiative com relativas conexões pode parecer não perigosa e o nível de secretismo envolvido (afinal bastante baixo) parece suportar esta ideia. Todavia não podemos esquecer que estamos a falar de propaganda, uma das armas mais eficazes numa guerra como aquela actual, não jogada nos campos de batalha (no Ocidente) mas nos do condicionamento e da pressão psicológica.

Beppe Severigni

Voltemos ao exemplo italiano: Beppe Severigni é uma figura pública, que escreve nos principais diários do País (é vice-director do jornal mais lido em Italia), que aparece com frequência nas televisões (por exemplo, entrevistado no programa da jornalista Lilly Gruber, do Grupo Bilderberg). É um opinion leader, uma daquelas pessoas às quais são pedidos comentários acerca dos principais factos de política nacional e internacional. É uma pessoa que tem o poder de influenciar o público.

No mesmo cluster encontramos Jacopo Iacoboni, outro jornalista: há décadas tem um contacto directo com os ambientes da Esquerda, escreve em publicações da “aristocracia” esquerdista. É outro indivíduo com a efectiva capacidade de influenciar as pessoas.

Paradoxalmente, o menos importante deste cluster é Fabrizio Luciolli, Presidente da Associação do Tratado do Atlântico (NATO): este não influencia ninguém pela simples razão que é apresentado como membro integrante da Nato, portanto é visto desde logo como indivíduo de parte. Os jornalistas ou os académicos, pelo contrário, gozam à partida duma imagem de imparcialidade: são estas as pessoas que pesquisam e apresentam (em teoria) os simples factos, pelo que é suposto representarem pontos de vista “equilibrados”. E é nisso que reside a força delas.

Resumindo: propaganda. Nada de novo debaixo do sol: há a propaganda ocidental assim como há a propaganda russa e não desde hoje. Integrity Initiative afirma querer combater a desinformação russa mas há um pormenor suspeito: por qual razão o secretismo? Seria suficiente criar um observatório internacional contra a desinformação estrangeira, com tantos jornalistas envolvidos nem seria complicado: afinal a contra-desinformação não deveria alertar o público contra as influências negativas oriunda do estrangeiro? Vice-versa, onde o secretismo calha bem é na tentativa de manipular as pessoas, par criar desinformação. Esta é a missão de Integrity Initiative e de certeza que não é a única organização a trabalhar neste sentido.

A importância dos documentos publicados por Anonymous fica toda aqui: lembrar de que somos sempre alvo de propaganda, de que as nossas ideias são constantemente submetidas a ataques, de que a “verdade” espalhada pelos órgãos de comunicação é uma elaboração. Sempre, não tenham dúvidas.

Ah, tanto para divertir-se um pouco: tentem encontrar notícias acerca de Integrity Initiative nos médias do vosso País. Eu tentei isso com alguns diários italianos e portugueses: adivinhem quantos resultados obtive? Dica: é um total inferior a 1.

 

Notas:

 

Ipse dixit.

Fontes: Cyberguerrilla, Integrity Initiative, RT, Moon of Alabama