Morreu Felicia Lange, aos 87 anos, no exílio.
Felicia Langer era uma heroína, uma pioneira e uma mulher de consciência. Ela e os seus poucos aliados nunca obtiveram o reconhecimento que mereciam: e certamente nunca o receberão.
Felicia Langer conseguiu sobreviver ao Holocausto polaco, depois estudou Direito na Universidade Hebraica de Jerusalém. Após a ocupação dos territórios palestinianos, em 1967, Felicia tinha sido a primeira a abrir um escritório de advocacia dedicado à defesa de vítimas palestinianas.
O seu senso de justiça levou-a a entrar em conflito com o Estado, em várias ocasiões. Às vezes até conseguia ganhar: em 1979, após a petição, o Supremo Tribunal de Justiça bloqueou uma ordem de despejo contra o prefeito de Nablus, Bassam Shakaa. Um ano depois, um grupo judeu clandestino colocou uma bomba debaixo do seu carro e Felicia ficou com as pernas destruídas.
A Langer foi uma pioneira entre os advogados de israel que mobilizaram-se para defender os direitos da população ocupada. Mas em 1990 atirou a toalha para o chão: fechou o seu escritório de advocacia e foi para o exílio. Numa entrevista de 2012 explicou:
Deixei Israel porque não podia mais ajudar as vítimas palestinianas com o sistema legal existente e o desprezo do direito internacional, que deveria proteger as pessoas que eu defendia. Estava numa situação desesperada.
Disse ao Washington Post:
Já não posso ser uma folha de figueira para este sistema.
A ocupação está enraizada como nunca e quase todos os crimes foram legitimados: a Langer chegou à conclusão de que as coisas estavam sem esperança. Aparentemente, estava certa: a luta nos tribunais militares estava condenada ao fracasso, sem chance de sucesso porque os tribunais militares estão sujeitos apenas às leis da ocupação e não às leis da justiça.
Mesmo o sistema de justiça civil, governado pelo Supremo Tribunal de Justiça cujos méritos são exaltados, nunca esteve do lado das vítimas e cobre os crimes da ocupação. Aqui e ali, ordens de restrição foram emitidas, aqui e ali as ações foram atrasadas. Mas nos anais da ocupação, o Supremo Tribunal de israel será lembrado como o primeiro instrumento de legitimação da ocupação e como um abjecto colaborador do exército. Dado este estado de coisas, a Langer talvez não tinha mais nada para fazer em israel.
Felicia lutou contra a tortura do serviço de segurança Shin Bet, numa altura em que ninguém acreditavam na existência de tal tortura e, no entanto, estava no auge da sua crueldade. Lutou contra a expulsão dos activistas políticos, contra as prisões injustificadas, contra as demolições de casas. Acima de tudo, lutou pela aplicação do direito internacional que israel decidiu contornar por motivos incríveis. Foi por isso que ela lutou e é por isso que passou a ser considerada um inimigo público.
Ipse dixit.
Fonte: Haaretz