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SCO: e o mundo mudou

A Organização para Cooperação de Xangai (SCO) é uma organização política, económica e militar da Eurásia, fundada em 2001 em Xangai pelos líderes de China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tadjiquistão e Uzbequistão. A sua finalidade? A cooperação para a segurança (em especial acerca de terrorismo, separatismo e extremismo), embora também trate de temas de cooperação económica e cultural.

Wikipedia, versão portuguesa, não resistiu e brinda os Leitores com uma das suas bem conhecidas pérolas de sabedoria:

A organização tem sido criticada internacionalmente pelo teor antiocidental de suas posições, já tendo discutido em suas reuniões a formação de uma organização antagônica à OTAN, a substituição do dólar como moeda cambial, a formação de um cartel de gás natural e o incentivo ao armamento nuclear de seus membros.

E, dado que Wikipedia não tem opiniões mas só relata factos, eis aparece o link para controlar a fonte destas afirmações. Link que não funciona. Obviamente. Porque é preciso ser muito limitados para ver na SCO apenas uma organização “antiocidental”: os seus objectivos vão muito além duma mera concorrência ao Ocidente.

O cerne da SCO é a cooperação, algo que abrange 60% da massa terrestre da Eurásia, com uma população que é um quarto do total mundial. Ao incluir os Países Observadores da SCO, podemos ver como esta organização represente cerca de metade da população do planeta. Como observa Martin Sieff em Strategic Culture, o mundo mudou e ninguém no Ocidente percebeu isso: Índia e Paquistão juntaram-se à SCO no começo de Junho, a organização passou de seis para oito membros; e os dois novos membros são os gigantescos poderes nucleares do sul da Ásia, com uma população de 1.324 bilhões (Índia) e 193.2 milhões de pessoas (Paquistão).

Este desenvolvimento é um triunfo diplomático especialmente para Moscovo. A Rússia tenta há décadas de facilitar a entrada da sua aliada estratégica de longa data, a Índia, na organização. No passado, a China tinha bloqueado com firmeza a entrada da Índia, mas agora as influências de Pequim e de Moscovo conseguiram harmonizar-se.

A medida só reforça o papel já dominante da Rússia na diplomacia e na segurança nacional do continente asiático. Tanto para Pequim quanto para Delhi, o caminho para as boas relações, a resolução de questões como a partilha dos recursos hídricos do Himalaya e os investimentos no desenvolvimento económico da África agora passam por Moscovo.

A adesão da Índia e do Paquistão é particularmente importante. Desde já, será facilitado o diálogo entre dois Países que estão numa posição de guerra declarada ou numa frágil trégua desde 1947. E, neste aspecto, não podemos esquecer o conflito da Caxemira, algo que envolve a China também.

Depois há a questão americana. No caos do Paquistão, os Estados Unidos têm sido o principal aliado e protetor estratégico de Islamabad nos últimos 70 anos, desde a independência do País. Mas os relacionamentos deterioraram-se desde que os Estados Unidos levaram a guerra ao Afeganistão em Novembro de 2001: apesar disso, os políticos de Washington sempre presumiram que Islamabad teria permanecido do lado deles. Estavam errados.

Os Estados Unidos cortejam a Índia há 17 anos, desde a visita de Estado do Presidente Bill Clinton, em 2000. O actual Primeiro-Ministro indiano, Narendra Modi, enfrentou uma sessão conjunta do Congresso em 2016, o mais alto reconhecimento da aprovação do establishment político dos EUA para qualquer líder estrangeiro. Políticos e comentadores americanos sempre frisaram como a Índia, uma democracia de língua inglesa, ficaria como parceiro ideológico e estratégico dos EUA contra a ascensão da China no cenário mundial. Estavam errados, também neste ponto.

Durante a era da Guerra Fria, a “perda” dum País com o tamanho e a posição da Índia ou do Paquistão para o campo ideológico rival teria causado ondas de choque, raiva, retaliações. As decisões de Delhi e Islamabad não foram elogiadas nem condenadas: foram completamente ignoradas. Quantos cidadãos ocidentais têm noção de que Índia e Paquistão entraram na SCO? Este autismo da super-potência americana é mais um sinal das profundas mudanças que estão a ocorrer.

O futuro será cada vez mais constituído por um mundo multipolar. A realidade continuará a ser negada em Washington, Londres e Paris, numa disputa irracional sobre factos absolutamente claros, mas o planeta não ficará parado por causa disso.

 

Ipse dixit.

Fontes: Wikipedia (versão portuguesa), Strategic Culture