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A Europa precisa da Rússia

A épica e antiga viagem da Rússia para o Ocidente acabou, tal como as suas repetidas tentativas de
tornar-se parte da civilização ocidental. É uma frase que soa como um julgamento, uma vez que a escreve-la é Vladislav Surkov, provavelmente o estratega mais próximo de Vladimir Putin: Surkov é creditado como sendo o arquiteto da “democracia administrada” que é o estilo do governo de Putin.

Sanções, ameaças de guerra, mentiras e insultos levaram Surkov (e certamente o seu ambiente) a concluir que “a Rússia enfrenta 100 anos de solidão geopolítica. O 200? 300?”. Não é uma escolha feita de ânimo leve, mas um facto melancólico confirmado pela realidade.

A Rússia é parte da Europa, não apenas do ponto vista geográfico. Mas o facto de ser uma ponte entre o Velho Continente e a Ásia, mais razões histórica, condenaram o País a uma infinita marcha para ser aceite: a Europa sempre olhou para Moscovo com uma irracional desconfiança. A Guerra Fria e, por último, a loucura norte-americana cavaram um fosso entre a Rússia e Ásia. O castelo de mentiras e idiotices dos últimos meses fizeram que Moscovo entendesse: a marcha acabou.

Dimitri Orlov, de The Saker, passou duas horas na frente da televisão para assistir a um debate entre especialistas militares. Todos concordaram que “raciocinar com ocidentais, pedir justiça ou simplesmente apelar para o bom senso, é completamente fútil. Os esforços diplomáticos da Rússia (especialmente em relação à Grã-Bretanha no caso Skripal) são inúteis. […] A ideia de que a Rússia possa afundar alguns navios da Marinha dos EUA e disparar alguns mísseis contra as forças americanas no Médio Oriente é considerada uma opção real, talvez inevitável”.

Um amigo pessoal de Putin, Vladimir Solovyov, num outro debate afirmou:

O Ocidente enviou uma mensagem clara ao Presidente apenas reeleito: vamos fazer a sua próxima presidência de seis anos uma crise constante, seis anos de inferno. Eles farão piorar a nossa economia. Mas os russos devem entender que ter um salário de 20 mil rublos (300 Dólares) é melhor do que ter 20 milhões de mortes como na Segunda Guerra Mundial. É um preço pequeno a pagar para ser uma das últimas nações soberanas do mundo. A longo prazo, é melhor para a Rússia cortar a dependência das importações, dos mercados e das tecnologias ocidentais.

No nível político e militar, a Rússia deve adoptar os mesmos métodos que a América usa contra nós, as “guerras por procuração “ou armar as milícias nazistas contra o Donbass. Deve armar todos os Países e povos que a América considera inimigos: S-400 para o Irão, para o Hezbollah, para armar o Taleban, a Coreia do Norte. Os neocons entendem apenas a linguagem da força. É inútil denunciar a ilegalidade e a ilegitimidade das ações ocidentais para invocar o direito internacional.

Precisamos rever as relações muito cordiais com Israel. Israel e os Estados Unidos escolheram este momento para humilhar a Rússia. Putin deve tomar medidas sérias e concretas para bloqueá-los.

É hora da velha classe de políticos se retirar. O ministro das Relações Exteriores Lavrov expressou o seu desejo de descansar depois de dez anos ao serviço às vezes brilhante da Rússia. Putin deveria substitui-lo com um jovem enérgico que deixe de chamar os Países ocidentais de “nossos parceiros”, como faz Lavrov em todas as ocasiões.

É um momento crucial para Putin: ele enfrentará o império dos Estados Unidos-Israel ou se curvará?

Essas são as posições no interior na liderança russa: como vemos, chegam a criticar a política conciliatória de Lavrov e, portanto, de Putin. Surkov, em comparação, parece moderado:

Uma certa elite russa queria ser ocidentalizada, outros líderes tentaram imitar os Estados Unidos para serem aceite pelo Ocidente. Agora, não cultivamos mais ilusões.

E lembra um velho ditado nacional:

A Rússia tem dois aliados: o exército e a marinha.

Um passo importante:

Solidão não significa isolamento completo. A Rússia certamente irá fazer comércio, atrair investimentos, trocar conhecimentos, lutar em guerras, competir e cooperar, provocará medo, ódio, curiosidade, simpatia e admiração: mas sem falsos propósitos e auto -negação.

O título do artigo do qual são extraídas estas últimas frases é “A solidão do meio-sangue”.
Porque a Rússia, que tem (mais) Europa e (menos) Ásia na sua cultura, é como “nascida dum casamento misto, um mestiço. É parente de todos, mas ninguém é a família. Tratada como um estrangeiro, um sub-membro entre o seu próprio povo.

Acabou o “mito” da Eurásia. Um sucesso de quem? Do Ocidente político ou do verdadeiro Poder? Porque se impedir a união de Europa e Rússia sempre foi um dos objectivos prioritários da doutrina estratégica americana, esta atitude atira a Rússia para os braços da China e acelera a mudança do centro de gravidade mundial para a Ásia.

Aos olhos europeus esta é uma grave derrota. Na verdade, o Velho Continente perde um pedaço. A cultura Europa pode tranquilamente abdicar dum Hemingway, mas não dum Dostoievski, dum Tolstoi, dum Bulgakov o dum Solgenitsin. A sociedade europeia precisa duma Rússia como trincheira contra as criminosas violações e a impunidade dos Estados Unidos. A religião europeia precisa da Rússia como ponte entre o cristianismo e o Islão.

A Europa (e não só ela) não precisa de false flag, de mentiras, de media escravizados, do pensamento único obrigatório, do politically correct, duma classe política (May, Merkel, Macron, etc.) de servos: a Europa não precisa desta nova barbárie feita de hedonismo em massa, irracionalidade e subversão moral.

A Rússia não é perfeita, longe disso. Há coisas que deveriam ser mudadas, existem perguntas ainda sem respostas, há necessidades não preenchidas. Mas é precisa.

Dostojevski observou que a alma da Europa sem a Rússia era pequena. Hoje arrisca tornar-se pequena e prostituta.

Ipse dixit.

Fontes: The Saker, Blondet & Friends, Russia Insider, Global Affairs (versão russa)