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Los bigodes de Nicolas y El Petro

Há algumas semanas li a notícia segundo a qual o líder da Venezuela, Nicolas Maduro, estava intencionado a emitir uma moeda digital, o Petro. E pensei: “Ok, o gajo pifou duma vez por todas”. Nem fiquei surpreendido, pois nunca gostei de Maduro por duas razões: 1. tem que cortar o bigode. Ou uma pessoa deixa crescer a barba também ou só o bigode é ridículo (e esta é a razão principal). 2. Maduro não é Chávez, nem de perto nem de longe.

Pessoalmente sou contrário à ideia das moedas digitais porque estas apresentam algumas graves contraindicações. Posso estar errado (sempre pronto a mudar de parecer), mas por enquanto vejo que as criptomoedas estão baseadas no nada. Zero, nicht, rien, o vazio absoluto. Podemos pensar: qual o problema? Afinal o dinheiro é só uma convenção, sempre melhor estar baseado no nada de que estar baseado na dívida, como acontece com o dinheiro “normal”. Eh não, não é bem assim, mas por enquanto vamos em frente.

Outro enorme problema, ainda maior na minha óptica, é que o dinheiro digital vive no mundo digital. Pergunta: quem controla o mundo digital? Levante a mão quem conhece a resposta. Eu não sei quem controla o mundo digital (fala-se duma mega-instalação na costa Oeste dos Estados Unidos, perto do Canada), mas sei que até agora internet e afins constituem, entre as outras coisas, uma formidável ferramenta para controlar as pessoas. Todas as pessoas. Já entregámos à internet os nossos dados sensíveis, as nossas fotografias, os nossos documentos de trabalho, as nossas músicas, as nossas ideias: agora o nosso dinheiro também? Falta só entregar a chave do carro.

“Mas é seguro, é uma cadeia blockchain, não é possível viola-la”. Com certeza. Também as minhas comunicações no telemóvel eram seguras, também o meu correio electrónico: depois chegou Edward Snowden e explicou como funciona o mundo.

Pelo que, voltando ao bigodado Maduro, a ideia duma criptomoeda venezuelana pareceu-me um sem sentido. E o facto de existirem Países nos quais o discurso acerca das moedas digitais está em pleno andamento não melhora a situação. Porque existem: um artigo de Valentin Katasonov publicado no Fondsk mostra qual a actual situação (e o facto do artigo estar todo em cirílico ajuda sobremaneira. Ainda bem que inventaram os tradutores online). O Irão, estabelecido que o Bitcoin não é tão seguro como parece, quer criar a sua própria moeda digital e o Parlamento já votou neste sentido. Mesma ideia na Turquia: nada de Bitcoin, abram as asas ao Turkcoin.

Todavia, o bigode de Maduro falou também de algo mais: El Petro Gold. E aqui as coisas tornam-se mais interessantes. El Petro Gold seria uma moeda digital, como o Bitcoin, mas ligada ao ouro. Explica Katasonov no seu artigo em cirílico:

Até o momento, os líderes de pelo menos trinta Países fizeram declarações sobre a questão das moedas digitais oficiais. Mas ninguém prometeu amarrar o “contravalor” ao ouro metálico (a única exceção hoje é a Grã-Bretanha). […] Assim, Nicolas Maduro deu um passo ousado, pode-se dizer, corajoso, o que certamente irá fazer refletir os Países com grandes reservas de metal amarelo (EUA, Alemanha, França, Itália, Suíça, Rússia, China, Turquia, Índia).

Antes de Maduro, apenas o Reino Unido tinha anunciado o lançamento duma moeda digital ligada ao ouro. Em Dezembro de 2016, Londres anunciou planos para criar a sua própria criptomoeda. A unidade monetária foi chamada Royal Mint Gold (RMG). Um RMG é equivalente a 1 grama de ouro. O dinheiro é protegido por um estoque de metal armazenado no Banco Central.

Resumindo, o Petro Gold seria uma moeda digital com “algo atrás”: já não o “zero, rien, nicht” mas ouro. O Petro Gold não teria como base o enorme vazio das outras moedas digitais, mas o mais precioso dos metais: seria uma criptomoeda emitida por um Estado que garante o valor dela com uma adequada reserva aurífera. Dito de outra forma, é um salto atrás: volta-se ao tempo (antes de 1971 do ponto de vista meramente oficial) em que o dinheiro era a representação dum valor físico real, tangível.

É um passo muito importante na óptica duma luta contra a “dolarização” do mercado internacional. Hoje a moeda americana é a base das trocas comerciais mundiais porque, entre as outras coisas, é a moeda utilizada na compra do petróleo. Dado que o dinheiro actual não tem valor intrínseco (afinal as notas são apenas pedaços de papel), a “riqueza” duma moeda depende em máxima parte do valor que lhe é reconhecido nas trocas comerciais. No caso do Dólar, boa parte do valor deriva do facto de ser a moeda oficial nas compras-vendas do petróleo.

Mas se no mercado aparecer uma moeda cujo valor é garantido a priori por uma reserva de ouro? Aqui o panorama muda: sendo o ouro o valor supremo da nossa sociedade, é claro que esta moeda seria desde logo uma forte alternativa à moeda americana. E o objectivo de El Petro Gold é mesmo este: constituir a nova base das trocas petrolíferas, iniciando a obra de marginalização do Dólar. O qual perderia o estatuto de “dinheiro mundial” e ficaria por aquilo que é: uma moeda mergulhada na dívida. Com consequências em toda a economia dos EUA que bem podemos imaginar.

Permanecem do meu lado todas as dúvidas quanto à segurança das criptomoedas: segurança da moeda em si (internet pode ser um lugar bem terrível) e segurança dos cidadãos (El Petro Gold não deixaria de ser uma moeda digital). Mas, finalmente, alguém encara com uma proposta prática dois assuntos ao mesmo tempo: o monopólio do Dólar e o real valor do dinheiro.

Conseguirá a Venezuela destronar a moeda de Washington? Nem pensar. Caracas tem actualmente bem outros problemas, como continuar a existir. Mas os bigodes de Maduro têm indicado um caminho. É já algo.

Ipse dixit.

Fonte: Fondks