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Blockchain, Ethereum e Bitcoin

A questão da eliminação do dinheiro vivo, substituído pelo electrónico, ocupa muitas páginas da informação alternativa: este blog tratou do assunto num par de ocasiões (ver “relacionados” no fundo do artigo).

O cerne da questão parece ser o controle que poderia ser actuado sobre os cidadãos (todos os cidadãos e todas as empresas) com uma forma de pagamento facilmente rastreável.

É um risco? Sim, é. Mas, paradoxalmente (e cada vez mais no futuro), pode tornar-se um risco secundário. Afinal, já hoje não é difícil saber como gastamos o nosso dinheiro, seja ele electrónico seja “real”: declarações dos rendimentos, facturas, recibos, cartões… se um governo deseja saber o total das nossas entradas e os bens nos quais a maioria destas são gastas, não é impossível ter uma ideia com uma boa aproximação.

É claro que com o dinheiro inteiramente electrónico a tarefa ficaria ainda mais facilitada: mas, como afirmado, há riscos bem maiores do que isso. O perigo principal não é um maior rastreamento do cidadão.

Enquanto o Ocidente observa preocupado o resultado das eleições francesas, os vários JP Morgan Chase, Microsoft, Intel, Google, Santander, British Petroleum, UBS, Federal Reserve, Banco Central Europeu e companhia toda ocupam os seus recursos em algo bem mais importante. É uma simples questão de prioridades: e a prioridade, nesta altura, não é saber se irá ganhar Macron ou Le Pen, pois estes são pormenores. O que conta tem outros nomes: Blockchain, Ethereum e Bitcoin.

O que são estas coisas? Ohh, nada de importante: afinal estamos a falar de algo que irá mudar a face do planeta e condicionar a vida dos nosso filhos, dos filhos dos filhos e assim por adiante. Nada de grave, portanto, e é por esta razão que os órgãos de comunicação nem perdem tempo a tratar do assunto.

Para entender, antes breve resumo.

Hoje: as duas vias

Tudo o que o Leitor comprar hoje passa por duas vias:

  1. o dinheiro eletrónico, com cartões de crédito, de dívida, cheques, transferências bancárias, etc.
  2. o dinheiro vivo, que só é registrado na emissão (quando o Banco entrega o dinheiro ao Leitor) e, de consequência, nos arquivos do Banco Central.

O sistema 1 é facilmente rastreável, o sistema 2… também, mas de forma aproximada. E esta aproximação deixa descobertas algumas “zonas cinzentas”, onde o dinheiro pode desaparecer e reaparecer.

Já foi falado em eliminar o dinheiro vivo por várias razões, por exemplo para que os Estados possam controlar os pagamentos e, desta forma, derrotar os negócios do crime, do tráfego da droga, das armas… e claro está: o terrorismo, que calha sempre bem nestes discursos.

Mas esta hipótese, como todas as consequências negativas que costumam ser apresentadas, fica ancorada à ideia de que exista um monopólio da moeda, um Banco Central que emite dinheiro apenas eletrónico, assim cada pagamento ficará registrado nos computadores, seja no caso da compra dum pacote de rebuçados, dum quilo de cocaína ou dum kalashnikov. Portanto, estamos a falar dum Estado (ou, em qualquer caso, duma entidade governamental), duma moeda electrónica regularmente emitida e da possibilidade dum total rastreamento.

Este é o ponto em que a maior parte da informação alternativa pára. E, nestes moldes, o maior dos problemas é mesmo o facto das despesas do cidadão serem totalmente rastreadas. Todavia, este é já o passado. É ontem. O hoje e, sobretudo, o amanhã, são coisas bem diferentes e muito mais perigosas.

Bitcoin e Blockchain

Um dia, um anónimo japonês inventa um novo tipo de dinheiro electrónico, chamado Bitcoin. Esta é
uma “pequena” revolução: é dinheiro eletrónico global, que pode ser emitido e trocado sem qualquer intervenção por parte das autoridades governamentais (nada de Bancos Centrais) e que nem pode ser rastreado.

O fenómeno Bitcoin já hoje é algo bem mais importante do que imaginado. Se até poucos anos atrás Bitcoin era o dinheiro dos traficantes colombianos, de outros azarados que vendiam explosivos para al-Nusra (por exemplo: Barack Obama. Ou acham mesmo que o explosivo C4 e as armas químicas são trocadas em Dólares?) ou dalguns raros investidores, as coisas agora estão a mudar: nos últimos tempos Bitcoin começou a atrair a atenção da grande finança. A razão?

A resposta não reside tanto no volume de negócios de Bitcoin (que ainda hoje continua a ser patético), nem na mesma moeda Bitcoin: a resposta fica no sistema de circulação e de pagamentos que apoiam Bitcoin. Senhores, abram as asas ao Blockchain.

Em teoria? Muito interessante

Em primeiro lugar: Blockchain é uma tecnologia. É um sistema distribuído globalmente de registros de pagamentos, em teoria disponível para todos. O ponto crucial é que este sistema de pagamentos, ao contrário dos vários Euro, Dólar, Real, Yuan, Libra, etc. não passa por uma autoridade central (como acontece no caso dos Bancos Centrais e das moedas antes mencionadas), mas passa por uma rede de computadores espalhados pelo planeta todo, nas mãos de… pois: de quem? Ops, eis um pormenor curioso. Mas vamos esquece-lo por enquanto: em frente.

Isto significa que qualquer pessoa que utiliza uma moeda digital como Bitcoin (ou a bem mais importante Ethereum), graças à tecnologia Blockchain fica livre daquelas gaiolas que são as moedas nacionais.

Segundo os apoiantes de Bitcoin e Ethereum, estas têm a vantagem de não estar nas mãos do poder de corruptos e criminosos (Greenspan, Bernanke, Draghi…) que podem manipular e ser manipulados em prol das malvadas corporações globais. Isso sem contar que a plataforma tecnológica Blockchain é muito mais rápida do que outros sistemas de pagamento tradicionais.

Sabe o Leitor daquela transferência bancária que demora três dias? Com Blockchain o número é sempre “três”, só que aqui fala-se de minutos, não de dias. Além disso, dizem sempre os defensores de Blockchain, Bitcoin ou Ethereum são plataformas tecnológicas rastreáveis em qualquer lugar do mundo: a reciclagem torna-se um pesadelo.

Clicar para ampliar!

Em teoria tudo muito interessante, ora essa: uma espécie de revolução monetária, uma anarquia do dinheiro. E se o Leitor pensar “Tá bom, são aquelas coisas americanas que aqui vão chegar nos próximos 60 anos…”, então está redondamente enganado. Blockchain é algo que existe, funciona já e nos próximos anos terá uma difusão exponencial. Sobretudo: implicará uma enorme mudança, a vários níveis. Ao ponto que a Autoridade Monetária Europeia avisa: querem utilizar o Blockchain? Tudo bem, mas lembrem que o risco é todo vosso.

E de facto é assim: Blockchain, e os seus servidores 10.000 vezes mais rápidos do que os tradicionais reguladores bancários, ainda não tem nenhuma regulamentação internacional. E aqui começam os problemas.

Blockchain é um prodígio informático, feito apenas de 200 linhas de código. É só isso. As pessoas trocam um valor eletrónico, visível para todos (em teoria), em computadores visíveis por todos (em teoria). O que significa isso? Significa que os bancos deixam de fazer sentido: tornam-se inúteis, ultrapassados. Simples então entender que Blockchain vai acabar com 500 anos de história dos bancos. E até aqui até haveria razões para festejar, sejamos honestos.

Mas surge uma dúvida, e legítima também: realmente achamos que os vários Goldman Sachs, Santander, UBS e companhia possam ficar parados enquanto o mundo deles vai desaparecer?
Óbvio que não.

E, de facto, parados não têm ficado. Enquanto Blockchain, Bitcoin e Ethereum estavam a ser desenvolvidos, os bancos tradicionais e Wall Street tiveram tempo para preparar-se. Hoje estão a abandonar Bitcoins para atirar-se ao recém nascido Ethereum, com plataformas open source (e sim, não são nada parvos…). Em breve teremos a regulamentação e as nossas vidas serão hiper-controladas: porque o problema não é pagar com o cartão de crédito hoje, o problema será pagar tudo com a nova moeda amanhã.

Um Ethereum nas mãos das instituições (privadas, como os bancos, ou públicas, como o Estado) significa que o Leitor pode gastar 50 cêntimos na compra dum pastilha elástica, pode dar a semanada ao filho, pode entrar numa farmácia para comprar uma embalagem de Viagra, pode comprar não um mas dois copos de cerveja, três comprimidos de ecstasy e tudo fica gravado. Tudo. A privacidade é pulverizada.

Amanhã: Ethereum?

O Leitor não se preocupa com a sua privacidade? Ok, que assim seja. Afinal é uma escolha.

Mas que  tal o seu dinheiro? Isso dói, não é?
Então imagine o sistema Blockchain nas mãos do Estado. Porque “Estado” significa também “tributação”. Taxas e impostos, para falar de forma clara.

Um sistema como aquele descrito nas mãos duma entidade que tem como função taxar os cidadãos significa uma tributação cruel, que não deixa possibilidade de fuga: o Estado teria (e terá) o controle de cada centavo que o Leitor gasta. E tudo ficará gravado (em open source, por suprema ironia).

Mas o Blockchain nas mãos do Estado representará apenas uma passagem intermédia e temporária. A verdade é que a moeda inteiramente digital, gerida de forma descentralizada, abre cenários virtualmente sem limites. O objectivo final não é o dinheiro controlado pelo Estado mas uma moeda universal (e tanto Bitcoin agora quanto o Ethereum no futuro nascem já sem um Estado de referência) e privada (no sentido de não ser gerida por nenhuma instituição nacional).

Pense o Leitor o que pode significar o facto de acabar com as moedas que flutuam à segunda do valor da Dívida Pública (ou das guerras, das importações, das exportações, do PIB, da estabilidade dum governo, etc.) deste ou daquele País: significa, por exemplo, retirar uma grande dose de risco que agora interessa os grandes investidores. Pense o Leitor o que significa uma moeda cujo valor é decidido de forma totalmente empírica, por exemplo a segunda das exigências da Finança.

Dinheiro oficialmente sem um “dono” mas, na verdade, ao serviço de apenas alguns. Imaginemos o que pode representar isso: significa uma Grande Finança ainda mais desligada da realidade e com um poder sem limites.

Do ponto de vista da Finança, a perda de privacidade do cidadão seria apenas um agradável efeito colateral, absolutamente secundário como já afirmado. Uma fatia dum bolo imensuravelmente maior.

Ao pormenor: Blockchain

E voltemos para a pergunta abordada antes: a quem pertence este sistema Blockchain?

Ao ler as declarações contidas nas páginas oficiais (Bitcoin, Ethereum, o mesmo Blockchain) a impressão é que cedo entraremos numa espécie de Paraíso: nada de fuga aos impostos, todos poderão controlar, basta de reciclagem, poder nas mãos do povo da internet. Pensando bem, o Paraíso provavelmente nem consegue ser tão bom. Mas será esta a realidade do futuro? Vamos observar mais de perto o fenómeno Blockchain. Vamos observa-lo por como ele é já hoje. E, sobretudo, vamos ler os nomes de quem está envolvido nestes projectos.

Como afirmado, Blockchain é um simples programa: uma base de dados (introduzida com a moeda Bitcoin) que mantém a lista das transações. Não passa dum enorme “livro”, continuamente actualizado, que grava as transações entre duas partes de forma eficiente, verificável e permanente. O Blockchain pode também ser programado para efectuar operações de forma automática.

É um programa open source, portanto de código aberto, e intrinsecamente seguro: cada “bloco” (para simplificar, podemos imaginar um bloco como o registro duma transação) contém “provas” (hash) do bloco anterior, o que aumenta o nível de segurança.

Possível que a Grande Finança esteja tão interessada em algo tão simples, seguro, transparente? Não apenas é possível como também é lógico se tivermos em conta quanto dito até aqui.

Em termos financeiros, foi formado o consórcio R3 CEV, composto por 40 bancos cuja intenção é usar esta tecnologia e definir as regras para a transação monetária. Quem faz parte do R3 CEV? Eis a lista:

Bank of America, BNY Mellon, Citi, Commerzbank, Deutsche Bank, HSBC, Mitsubishi UFJ Financial Group, Morgan Stanley, National Bank of Australia, Royal Bank of Canada, Skandinaviska Enskilda Banken, Société Générale, Dominion Bank, Mizuho Bank, Nordea, UniCredit, BNP Paribas, Wells Fargo, ING, Macquarie Group, Canadian Imperial Bank of Commerce, BMO Financial Group, Danske Bank, Intesa Sanpaolo, Natixis, Nomura, Northern Trust, OP Financial Group, Banco Santander, Scotiabank, Sumitomo Mitsui Banking Corporation, US Bancorp, Westpac Banking Corporation, SBI Holdings of Japan, Hana Financial, Banco Itau, Toyota Financial Services.

Falta alguém? Não, fiquem descansados: Goldman Sachs investiu 50 milhões de Dólares nesta tecnologia, o mesmo aconteceu com Visa, Orange, Amazon e Microsoft.

A equipa que lidera o sistema Blockchain?
Eis um par de nomes das pessoas que fazem parte do Conselho de Administração, com alguns dos cargos anteriormente ocupados:

E no site de Blockchain, em bela mostra, os logos de Google, Amazon, Barclays, Goldman Sachs, Nasa, BBC, Apple… Temos a certeza de que estas são as portas do Paraíso? Ou estamos perante um gigantesco passo na direcção duma economia (e, portanto, duma sociedade) cada vez menos livre e ainda mais corporativa?

 

Ipse dixit.

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Fontes: as fontes primárias deste artigo são as informações contidas no site oficial de Blockchain, de Bitcoin, do Projecto Ethereum e o óptimo artigo do jornalista Paolo Barnard. Existe também um vídeo, uma demonstração visual do funcionamento do sistema Blockchain, com legendas em português. Dado que demora mais de 17 minutos, pode ser útil no caso de insónia.