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Os EUA atacam a Síria: razões e reacções

Dia cheio este: os EUA atacam a Síria, os “radicais islâmicos” (aspas necessárias) atacam a Suécia.

O ataque

Partimos com Washington: nem Trump resistiu ao encanto duma boa prova de força, à velha maneira americana.

Às 20:30 hora dos EUA, 59 mísseis Tomahawk foram lançados contra a base síria donde alegadamente partiu o ataque químico de poucos dias atrás. “Alegadamente” pela simples razão que ainda estamos à espera que alguém apresente as provas de que foram as forças de Assad a lançar o ataque.

Mas estes são pormenores: nem tinha caído a última bomba com a sua carga de gás (se bomba foi) e já os meios de comunicação acusavam a Síria. Todos, sem excepções. Portanto: Assad tinha sido o responsável, duvidar não é uma opção. O bombardeio de hoje é a natural conclusão da campanha mediática montada.

Os mísseis atingiram a base de Al Shayrat, provocando mortos: três militares e dois civis segundo as autoridades sírias. A agência Sana fala de seis militares e nove civis mortos, entre os quais quatro crianças. O que é um pouco estranho: é uma base militar ou um infantário? Verdade que os mísseis bem podem ter atingidos habitações nos arredores, mesmo assim há sempre demasiadas crianças nos ataques na Síria. A propaganda funciona em todos os lados.

Na outra face do planeta, Trump estava a jantar com o Presidente chinês, Xi Jinping, perto das praias da Florida: pouco depois apareceu diante das câmaras para uma breve declaração:

Caros concidadãos, na Terça-feira o ditador sírio, Bashar al-Assad, lançou um ataque químico horrível contra civis inocentes; usando gás letal, Assad esmagou sem esperança as vidas de homens, mulheres, crianças. Foi uma morte lenta e brutal para muitos deles. Mesmo as maravilhosas crianças foram cruelmente assassinadas neste bárbaro ataque. Nenhum filho de Deus deve sofrer um tal horror.

Verdade: os filhos de Deus não gostam de morrer por causa do gás letal. Já com os mísseis Tomahawk, pelo contrário, fazem a fila.
Assim continuou a besta (ao quadrado):

Ontem à noite pedi uma ação militar focada no aeroporto na Síria donde começou o ataque químico. É de interesse vital para a segurança nacional dos EUA impedir e desencorajar a proliferação de armas químicas letais. Não
há dúvida de que a Síria tem estas armas terríveis, violando os seus
compromissos no âmbito da Convenção sobre Armas Químicas e ignorando o
Conselho de Segurança da ONU. Há anos que tentam convencer Assad a mudar de atitude. É foi um fracasso e uma falha muito dramática. O
resultado é que a crise dos refugiados continua a agravar-se e continua
a desestabilizar a região e ameaça os Estados Unidos e os seus aliados. Hoje
à noite chamo apelo a todas as nações civilizadas para pôr fim aos
massacres e ao derramamento de sangue na Síria e pôr fim ao terrorismo de
todos os tipos.

Não há muito para dizer. Melhor, haveria, mas seriam as objecções do costume: não há provas de que foi Assad a lançar o ataque químico; há dúvidas de que a Síria tenha armas terríveis (e não há dúvida de que os EUA as têm); a crise dos refugiados existe mas é também co-criada, bem explorada e encorajada por facções ocidentais (entre as quais os serviços secretos dos EUA); quem desestabiliza o Médio Oriente não é e nunca foi a Síria, etc.

Em frente.

A base síria de Al Shayrat

Vingança

Muito interessante a reacção de Alemanha e França. Estes apresentaram um comunicado em conjunto no qual afirmam que é de Assad a inteira responsabilidade do ataque de hoje. Deveras interessante porque o conceito expresso é o seguinte: tu fazes algo mau, então eu tenho o direito de fazer-te algo mau também e a culpa é só tua, não minha.

Fosse o ataque de hoje uma acção justificada com algo como “Bombardeamos uma base militar porque sabemos que aí estava a preparar-se um ataque mortal”, então isso poderia ser enquadrado como uma manobra preventiva. E teria uma mínimo de fundamento (“mínimo” apenas porque antes deveria sempre serem exploradas ao máximo as outras alternativas, in primis aquela diplomática).

Nem é possível falar duma acção que pese no equilíbrio do conflito: este guerra não vai ser ganha com os gases. Portanto não estamos perante uma táctica militar que tem como objectivo a vitória final.

Aqui de prevenção ou de táctica não há vestígios: há apenas uma retaliação. Isso significa que os Estados Unidos perpetram a “vingança” com os aplausos do Ocidente todo. Assinalável. Imaginem este conceito translado para a nossa sociedade; imaginem os tribunais que a partir de agora justifiquem a vingança como acto legítimo.

O gás

E voltemos ao facto do regime de Assad ter lançado o ataque químico. Esta não passa duma hipótese,
possível quantos as outras.

Provas? Não há. Nenhuma. E seriam bem precisas para saber quem o responsável daquele horrendo massacre.

Actualmente, de certo há só as 72 vítimas confirmadas mais cerca de 300 outras pessoas infectadas.

Para entender qual a verdade seria necessária uma investigação independente no terreno: médica e técnico-militar. Em primeiro lugar, para determinar qual foi o gás (Sarin, quase certamente) e daí de volta para a fonte, dados que os componentes utilizados nestas armas constituem já por si uma espécie de impressão digital.

Em segundo lugar, seria preciso determinar se o gás chegou em Khan Sheikun com uma bomba lançada de um avião ou com uma ogiva disparada por artilharia; ou ainda se a explosão ocorreu directamente no terreno (a tese de Damasco e de Moscovo).

Que seja gás, não há dúvida. Como não há dúvida acerca do o horror do massacre. Mas o facto é que, apesar da “limpeza” realizada pela ONU em 2013, na Síria (como no Iraque) ainda há armas de todos os tipos, incluindo as fabricadas com produtos químicos. E ninguém pode excluir que estas, mesmo em pequenas quantidades, tenham acabado nas mãos dos rebeldes.

Última consideração: uma arma com produtos químicos contém sempre uma quantidade de gás de modo a produzir efeitos muito mais devastadores daqueles registados. Exemplos clássicos:

No primeiro caso, o gás utilizado foi o Sarin, no segundo gás mostarda. O que significa que todas as hipótese estão em abeto. Isso é para dizer que o número relativamente pequeno de vítimas em Khan Sheikun ainda deixa em aberto todas as possibilidades.

Para já: Al Qaeda, o Isis e a Arábia Saudita agradecem quem lançou o ataque com gás e quem começou a bombardear como forma de vingança.

Ipse dixit.

Fontes: vários diários ocidentais de hoje disponíveis na interent.