O parque em questão é aquele de Yaigojé Apaporis, na parte colombiana da região amazónica. Um lugar
horrível, cheio de bichos e plantas que crescem na total anarquia, povoados por tribos tão atrasadas que nem a televisão via cabo têm. E há mosquitos também.
É aqui que aparecem as duas empresas portadoras de progresso. A ideia é simples: construir uma mina de ouro no meio do parque. Nada de grave, pois trata-se apenas de mandar embora uma ou duas tribos, abater árvores, caçar os animais, cavar uns buracos no terreno, construir estradas, utilizar reagentes químicos para a extração e encontrar um depósito para algumas toneladas de escórias. É a civilização que avança.
Admitimos: isso da “conspiração civil” para a construção dum parque nacional onde é protegida a biodiversidade é absolutamente fantástica. É preciso um sentido de humor particularmente desenvolvido, ou a total ausência dele, para imaginar algo do género.
Para ter uma ideia dos riscos podemos observar a imagem a seguir; é o rio Animas, no Colorado, após um acidente numa mina de ouro em 2015:
Além dos eventuais desastres, há a poluição provocada pelas técnicas de extracção utilizadas, o que causa prejuízos incalculáveis para a ecologia das regiões afectadas. Os controles são frequentemente inadequados ou inexistentes. As minas, também aquelas ilegais, continuam a operar sem serem perturbadas durante décadas, em áreas remotas, e a situação parece não melhorar. As paisagens são danificadas de forma irremediável, a mortalidade dos trabalhadores e dos habitantes da floresta circundante atinge percentagens elevadas devido à utilização de mercúrio, metal que permite acelerar as operações de extração.
Trabalhadores numa mina do Peru |
A presença de poluentes está na base dum estudo divulgados pelos meios de comunicação da América Latina: na década de ’80, 20% dos 30 mil Yanomami presentes na área entre Venezuela e Brasil (a maior tribo amazónica isolada) sofria de doenças por esta razão. O já citado mercúrio é despejado nas águas dos rios, aquela mesma água que os nativos sempre beberam.
Mas a poluição é apenas uma das consequências da mineração. Há também o deslocamento forçado das populações. Abrir o caminho aos projectos de mineração (e infra-estruturas relacionadas), significa expulsar do território famílias ou inteiras comunidades, com a sucessiva formação de grupos rurais reorganizados em condições e contextos em muitos casos piores daqueles em que viviam.
A indústria da mineração estabelece economias “de enclave” nos territórios em que decide operar. O que significa que a maioria das iniciativas locais no interior do sector de mineração, que se torna uma perspectiva económica quase exclusiva. Este processo muito raramente permite que os agentes económicos locais e as comunidades possam planear e diversificar os seus investimentos, apostando em actividades alternativas como a agricultura familiar ou micro-empresas em outros sectores da indústria transformadora.
Assim, além de terem sido obrigadas a abandonar totalmente os seus usos e costumes, as populações locais não têm acesso a verdadeiras oportunidades: as políticas de desenvolvimento regional ficam pesadamente influenciadas pela mineração e tendem a promover incentivos fiscais e financiamentos para projetos sempre de mineração, boicotando outras possíveis perspectivas. A razão é que a falta de alternativas favorece as empresas de extracção: uma inteira geração de mão de obra barata fica concentrada, geográfica e economicamente, e obrigada a procurar meios de sustentamento na indústria de mineração.
Marabá e Parauapebas, as cidades do Pará (Brasil) mais próximas de Carajás (a maior mina de ferro do mundo), estão entre as localidades mais violentas do Brasil: nesta zona, a probabilidade dum jovem ser morto por um tiro ou uma facada é 25% maior do que no Iraque, um País que já por si apresenta uma das maiores taxas de mortalidade por causa dos conflitos armados.
Voltando ao ecossistema: os impactos ambientais mais evidentes da actividades de mineração são o
desmatamento (outra vez: Carajás, no Brasil), a enorme quantidade de resíduos (Sandy Pond Lake no Canadá, lago que vai desaparecer por causa do material residual aí despejados), a poluição das indústrias que compõem toda a cadeia de mineração (La Oroya, no Peru, Piquiá de Baixo e Santa Cruz, no Brasil) e o enorme consumo de água (as maiores minas no Chile pode consumir até 13 metros cúbicos de água por segundo, o que corresponde ao consumo médio por segundo de mais de 6 milhões de pessoas).
O projecto de mineração Pascua Lama (Chile-Argentina) mostra quão impactante seja a mineração do ouro: para obter um grama do precioso metal devem ser removidas 4 toneladas de rocha, consumindo 380 litros de água, 1 kg de explosivo e quase a mesmo quantidade de cianeto. A energia necessária para obter 1 grama de ouro pode ser comparada com aquela consumida em média por uma família argentina durante uma semana. O fenómeno da drenagem ácida, devido à presença de pirite que degenera em ácido sulfúrico, influencia as reservas de água nos territórios onde ocorre a mineração. As consequências persistem por milhares de anos e são particularmente graves quando as minas estiverem localizadas perto das nascentes, o que provoca a contaminação de toda as águas da bacia.
Quando a mina acaba |
As perspectivas? Negativas.
A obsessão do mundo com minerais é crescente. Isto é principalmente devido ao avanço duma nova classe média global, principalmente na Ásia, inspirada aos padrões de consumo dos Países industrializados. Espera-se que nos próximos 20 anos só os Países do BRICS mais a Indonésia dupliquem a actividade de extracção de metais (2,2 bilhões de toneladas em 2002 para 4,4 em 2020).
O mecanismo é perverso: enquanto os depósitos de metais mais superficiais ficam esgotados e as minas têm que procurar mais, com mais pressa e de forma mais eficiente, a procura global aumenta e os preços também. Mas isso significa possibilidade de mais lucros, então as minas são ampliadas ou novas são abertas.
Depois da colonização, a América do Sul (mas também partes da África e da Ásia) abraça o modelo de exportação das commodities. Que depois é uma nova e mais subtil forma de colonização, desta vez em parceria com os governos locais. Quem agradece? As empresas de mineração, tal como a nova classe média em franca expansão. Bolsas e bancos também. O meio ambiente nem por isso.
Ipse dixit.