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Elogio do mulo

O mulo, este desconhecido.
O mulo é um animal fantástico. Híbrido entre um asno e um cavalo, é presente apenas na versão feminina (na verdade há só mulas). E a sua especialidade é o transporte.

Como o Isis, o mulo adquire uma importância estratégica fundamental. Alias, é possível dizer que sem o mulo o Isis não existiria.

Os especialistas afirmam que o Estado Islâmico é financeiramente independente, ganhando cerca de 2 milhões de Dólares por dia com a venda do petróleo: este é extraído dos territórios que o Califado ocupa, nos mesmos lugares onde até recentemente prosperavam gigantes como a Total ou a Shell.

Problema: não há oleodutos. Havia, mas a guerra devastou estas “autoestradas do petróleo” também.
Duas contas: dois milhões de Dólares correspondem a mais de 20.000 barris por dia; e cada barril contém cerca de 160 litros. Pelo que, o Isis entrega a “alguém” 2.800 toneladas de petróleo por dia. Como? Simples, com a ajuda do nosso herói: o mulo.

Pequeno pormenor: quantos mulos são precisos para entregar diariamente 20.000 barris? Isso é muitos mulos. Calculamos 4 barris por cada animal (e já são 640 quilogramas, coitados), o total perfaz 5.000 mulos. Uma coluna nada mal. Que, todavia, é invisível. Não adianta ter satélites que espiam o terreno 24 horas por dia, o mulo suporta o fadiga mas também é esperto como uma raposa. Um olho para o trilho, um para o céu, e logo que aparecer um satélite (o mulo vê melhor do que uma águia) o simpático animal esconde-se atrás duma árvore. Não há árvores? Pouco mal, o mulo enfia-se debaixo duma rocha.

É por isso que ninguém sabe para onde vai aquele petróleo todo. É impossível detectar os mulos: sejam um ou 5.000 deles, o resultado é sempre o mesmo.

Todavia, as mais recentes imagens fornecidas pela Rússia mostram que o mulo tem um temível concorrente: o camião-tanque. Este também tem a capacidade de desaparecer. Feitas as contas, 2.800 de petróleo por dia dá cerca de 130 camiões: uma coluna comprida no mínimo 1 quilómetro. Mas igualmente invisível.

Lembram-se do demoníaco camião cisterna de Duel, o filme de Spilberg? Então tremem, porque o Isis tem pelo menos 130 exemplares destes. 

Surpreendidos? Não é o caso: a realidade é bem pior do que isso.

O preço de cada barril triplica quando o petróleo é de contrabando. Outra vez as contas? Exacto. E as contas não mentem: o total pode chegar bem pertinho das 10 mil toneladas de petróleo vendido por dia pelo Isis, a produção diária de um País exportador como o Sudão.

Dez mil toneladas: não menos de que 15 mil mulos.

E os satélites, que podem ver qual jornal estamos a ler enquanto bebemos o chá na nossa varanda, não conseguem individuar 10 milas toneladas de petróleo que, dia após dia, percorrem centenas de quilómetros. Mas quem é o director da logística do Isis, o mágico Houdini?

Mas voltemos ao mulo: porque, apesar dos camiões demoníacos, o nosso amigo ainda mantém o seu papel de primária importância. Explica o Wall Street Journal que o tráfego de petróleo é realizado em jangadas que seguem a corrente do rio Orontes: mas para chegar desde os poços de extracção até o Orontes, que marca a fronteira entre Síria e Turquia, é preciso percorrer algumas centenas de quilómetros, no meio duma terra onde a única coisa que abunda é a areia.

É aqui que o mulo mostra outros dos seus poderes: o disfarce. Porque se evitar os satélites é um jogo para crianças, eludir as guardas fronteiriça da Turquia é bem mais complicado. As guardas turcas não brincam em serviço. E a verdade é tão simples como isso: ignoramos qual o disfarce que o mulo utiliza para passar a fronteira. É bem provável que o mulo varie com algumas frequência, justo para não tornar desconfiadas as guardas: um dia 15.000 bailarinas do Teatro Bolshoi, outro dia 15.000 escuteiros, e assim por adiante.  

Um formigueiro equino interminável, que percorre longas distâncias na invisibilidade total. Bechtel e os outros fabricantes de oleodutos nada entendem; porque desperdiçar tanto aço para construir pipelines caras e complexas? É só deixar que os mulos tratem disso: com um pouco de feno, podem distribuir os hidrocarbonetos para o mundo todo. E com a máxima discrição.

Admitimos: é o caso de pôr as botas na Síria: temos que desvendar o mistério do mulo, este humilde animal que desafia todas as leis da física e da óptica.

Ipse dixit.

Fontes: no texto.