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Sukuk?

Continuemos a tratar do assunto Islão e arredores.

Enquanto o mundo financeiro ocidental continua mergulhado numa crise profunda e para a qual não é possível ver uma solução, há outras realidades que não sabem o que é a crise.
Como por exemplo: a finança islâmica.

Títulos: + 54%

Informa o diário Expresso:

Muito antes de finais de 2012, já muita gente previa um ano excecional para a emissão de obrigações conformes à Sharia (lei islâmica), as sukuk. Esperava-se que, até ao fim do ano, o volume destas emissões ultrapassasse os 100 mil milhões de dólares (76 mil milhões de euros).

Tinham razão: as previsões ficaram aquém da realidade. Segundo os números publicados pela KFH Research, empresa de consultoria do Kuwait especializada em questões financeiras islâmicas, o volume total de sukuk emitidas em 2012 ascendeu a 131 mil milhões de dólares (100 mil milhões de euros): mais 54% que no ano anterior.

No entanto, apesar deste salto, continua a recear-se que a oferta de sukuk, um instrumento cuja estrutura permite gerar lucros sem infringir a lei islâmica, fique muito aquém da procura por parte dos investidores.
A procura chega aos 900 mil milhões

Segundo a consultora Ernst & Young, a procura anual de obrigações islâmicas deverá atingir os 900 mil milhões de dólares (685 mil milhões de euros) até 2017. Jubin Jose, conselheiro do Fundo de Investimento do Qatar, reconhece o problema: “A procura de sukuk tem aumentado substancialmente nos últimos quatro anos. Há insuficiência de emissões de sukuk relativamente à procura”.

O crescimento exponencial da procura é, sobretudo, consequência do crescimento a dois dígitos do sector bancário islâmico e da cada vez maior apetência por aplicações fiáveis, líquidas e conformes com a Sharia. Os especialistas dizem que a procura tem origem em instituições financeiras e islâmicas e, também, em gestores de fundos e particulares muito ricos.

Os mesmos especialistas acrescentam que as instituições tradicionais estão a mostrar um interesse renovado pelas sukuk devido à crise da dívida na zona euro. Na sua opinião, os produtos islâmicos são apelativos por serem sustentados por ativos reais.

Interessante. Sobretudo a última frase: “os produtos islâmicos são apelativos por serem sustentados por ativos reais”.
Mas o que é este Sukuk?

Sukuk!

Como já vimos, segundo a lei islâmica o dinheiro não pode gerar outro dinheiro, exactamente o contrário daquilo que acontece nas Bolsas do mundo ocidental. Portanto, no Islão não pode existir o conceito de “juro”, pois esta é uma forma de ganhar dinheiro a partir de outro dinheiro.
O Islão não admite a usura. E os juros cobrados pelos bancos ocidentais são uma usura com limites estabelecidos pelas leis.
Mesmo discurso em relação aos Títulos de Estado (ou no caso de qualquer outro Título que ofereça taxas de interesses): uma “crise da dívida soberana” num País islâmico é impossível. E aqui entra em cena o Sukuk.
O facto de não ser possível praticar a usura (os juros) não significa que seja impossível ter Títulos. Nós,
ocidentais bem doutrinados, temos esta visão, mas a realidade é diferente.
O Sukuk (صكوك) é mesmo isso: um Título que oferece uma forma de investimento sem juros.
Como funciona?
Bastante simples: em vez que adquirir um Título e esperar que este gere lucros (com a devolução do capital investido mais os interesses maturados), o Sukuk prevê a compra duma parte dum projecto bem definido, geralmente imobiliário ou de infraestrutura.

Na prática, o capital é investido numa dívida (sukuk murabaha), num asset (sukuk al ijara), num projecto (sukuk al istisna), num negócio (sukuk al musharaka), num investimento (sukuk al istithmar). O lucro deriva do ganho que o projecto gera.

A ideia faz sentido. O investidor disponibiliza o seu capital para que este seja utilizado na realização dum projecto: e será este projecto a gerar lucros, não o capital investido. Se o projecto funcionar, o investidor terá lucros. Caso contrário, perderá o investimento. 
O conceito de “sakk” (o termo que está na origem de Sukuk) não é novo: não acaso, “sakk” é  aparentado com a raiz europeia check (cheque) e significa qualquer documento que represente um contrato ou uma transmissão de direitos, obrigações ou dinheiro feito em conformidade com a Sharia (a lei islâmica). O Sukuk era um produto amplamente utilizado já durante a Idade Média para a transferência de obrigações financeiras provenientes de actividades comerciais.
Do ponto de vista da Sharia, os certificados de dívida não são negociáveis: o que é aceite é a negociação do Sukuk Al Ijara, certificados de dívida que podem ser comprados ou vendidos só antes do financiamento ocorrer; em seguida, devem ser mantidos até o projecto ser concretizado e gerar lucros (ou perdas). Uma visão incompatível com o mercado dos Títulos ocidental.
Mais uma vez, repete-se o conceito-base da finança islâmica: o dinheiro é visto como um instrumento para quantificar o valor dum e não como um bem em si mesmo; e só desta forma deve ser utilizado. Por isso: nada de juros, nada de cartões de crédito, nada de negociar dívida, nada de Derivados.
Nada de dinheiro a partir do dinheiro.
Capitalismo?
O que temos aqui é um sistema no qual o investidor utiliza o seu próprio capital para a realização de projectos a partir dos quais obterá ganhos; sistema em contraposição ao nosso, no qual os grandes capitais são utilizados para gerar lucros a partir de investimentos financeiros.
Ainda convencidos de viver num sistema capitalista?
Ipse dixit.

Relacionados: Os bancos do Islão

Fontes: Expresso, Wikipedia (versão inglesa),