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Entre gnomos e dragões

Economia. Pois.
Também a Economia sofre dos mesmos males que afligem a informação mainstream?
Sim, sem dúvida.

Pior: como a informação mainstream descreve o mundo “real”, é obrigada a manter uma certa ligação com aquilo que os leitores podem observar. No caso da economia não há este tipo de limite, pois segundo as pessoas este é um assunto “complicado”, “obscuro”, algo que é melhor deixar nas mãos dos “especialistas”.

Implicitamente é uma licença para dizer tudo e o contrário de tudo. É exactamente isso que acontece.

E o resultado é que todos, sem excepção nenhuma, ficamos retidos nas explicações dos especialistas. Explicações que nem são postas em dúvida. E como poderiam? Na altura em que decidirmos que devem ser outros a tratar dum problema, perdemos a possibilidade de saber quais as visões alternativas, porque simplesmente estas não são apresentadas.

Exemplo prático: porque há crise na Europa? Reposta: porque os Estados endividaram-se muito ao longo das passadas décadas, gastaram sem limites ao ponto que as suas dívidas públicas dispararam.
Esta é a explicação que todos, sem excepção, consideram como verdadeira: é repetida por todos os órgãos de informação, sejam mainstream ou alternativos. .

Problema: é falsa. Totalmente falsa.
Não são eu que afirmo isso, são os dados.
Façam o favor de observar este gráfico:

Entre 2000 e 2007 a dívida pública dos PIGS (Portugal, Irlanda, Italia, Grécia e Espanha) era estacionária (até baixou em alguns casos). O que cresceu foi a dívida privada em relação a credores estrangeiros.

Ops…esta não é a mesma história contada pelos media e por boa parte da informação alternativa, não é? Pois não é. Mas estes são os dados.

A dívida com o estrangeiro era basicamente privada.
Claro, a dívida nasceu privada e morreu pública quando as torneiras do crédito internacional fecharam e o dinheiro público começou a resgatar os bancos em dificuldades (crise dos subprimes, lembram? “Há bancos com produtos tóxicos, coitadinhos, temos que ajuda-los, caso contrário será a Apocalipse!”): aí a dívida transformou-se em pública porque os governos entraram de forma pesada com capitais públicos (o nosso dinheiro) para resgatar os bancos.

Mas ninguém lembra este pequeno pormenor: os Estados que hoje faliram ou estão à beira da falência não estavam mergulhados numa despesa pública sem fim, pois a crise que estamos a viver não foi provocada por ter vivido “acima das possibilidades”.

Porquê este “pormenor” não é divulgado? Porque caso contrário não poderia ser justificada a austeridade, os cortes nos serviços, as privatizações. Mas isso agora não interessa.

O que interessa é que estes dados não chegam duma cave perdida no meio da Floresta Negra, guardados por um grupo de gnomos ferozes e um dragão que cospe chamas. Estão na internet, são de público domínio. É só procurar. Claro, as visitas dum blog não aumentam com gráficos assim, mas se a intenção é fazer realmente informação alternativa é destes dados que precisamos.

E voltemos aos dados.
Outro slogan de grande sucesso é aquele segundo o qual na Alemanha sim que sabem trabalhar, aliás, são os únicos na Europa com um pouco de juízo. Afinal merecem dominar o Velho Continente (velho sonho do Tio Adolf…).

E os dados? Dizem o contrário. Mas, mais uma vez, tanto nos media quanto no mundo da informação alternativa, todos calados.

Eis os dados:

Entre 1999 e 2007 a Alemanha teve um deficit em aumento em relação aos Países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China): o deficit com a China aumentou de 20 biliões de Dólares. O que acontece é que a assim chamada “locomotiva da Europa” vende produtos aos Países Europeus e com o dinheiro obtido compra bens chineses: a economia alemã faz crescer a China, não a Europa!

E mais: como já visto num antigo artigo, a competitividade da Alemanha está baseada não numa superior capacidade produtiva mas numa deflação salarial que funciona como uma desvalorização real.

Dito de forma mais simples: a Alemanha utiliza o Euro, pelo que não pode desvalorizar a moeda para tornar-se mais competitiva nos mercados internacionais; a única solução, portanto, é uma política de “moderação salarial”. Que depois significa salários em queda.
Esta é a grande receita do exemplo económico europeu: o núcleo se alimenta da periferia, provocando os bem conhecidos problemas financeiros, baixa os ordenados internos e acumula dívidas em particular com a China. Genial, sem dúvida.

Mais uma vez: nada de gnomos, nada de dragões, mas dados que todos podem consultar. Sobretudo quem faz informação “alternativa”…

Uma tal situação tem consequências (as tais “previsões” do artigo anterior, lembram?): os vários resgates da Grécia ou de Portugal não funcionam.

A austeridade atinge em primeiro lugar o sector público que nunca foi a causa dos problemas. O que interessa tratar da dívida pública quando o problema for a dívida privada?
Fala-se de Eurobond, Títulos de Estado Europeus, como possível solução. Mais do mesmo: trata-se o parente do doente que está na cama.

O Banco Central Europeu sabe disso muito bem e no passado mês de Agosto avançou com uma proposta para facilitar o despedimento no sector privado. Paramos e pensamos: mas se o problema for a dívida pública, o que resolve despedir os privados?

Resolve, resolve.

Resolve se o verdadeiro problema não for a dívida pública mas a dívida privada. E como podemos tratar a dívida privada? Aplicando a mesma receita da Alemanha: criar um excesso de desemprego porque todos sabem que um trabalhador desempregado aceita uma salário mais baixo para não ficar em casa. E antes da crise, a Alemanha tinha a taxa de desemprego maior da Zona Euro.

Eis o “milagre alemão”: mais desemprego, moderação salarial, margem de lucro maior para o sector privado. A mesma receita proposta em todo o continente.

Dados.
Como afirmado, estes são dados que todos podem consultar. É menos espectacular do que um choque com um outro planeta, mais complicado de que afirmar “é culpa do Haarp”. Mas esta é a realidade, incontornável.

E se o desejo for entender o que se passa ,é para aqui que temos de olhar. Sem perceber estes simples mecanismos somos obrigados a:

  • acreditar nos dados que a informação oficial difunde
  • inventar teorias alucinadas para poder atribuir um sentido à realidade.

A leitura dos dados pode custar um pouco, mas compensa.

Ipse dixit.

Fonte: Goofynomics