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Nos moldes da legalidade

Um Leitor Anónimo (“Anónimo” pois não pedi a autorização para publicar o nome) pergunta:

Quando se quer deitar mão a poços de petróleo estrangeiros, envia-se o exército com uma desculpa. Mas que eu saiba, não é o exército que aponta as armas aos trabalhadores e diz “agora trabalhem só para nós”…

De que forma é que os poços passam a ficar nas mãos do invasor? Porque há toda uma vertente diplomática, e argumentos de protecção do poços…

Pois, é verdade: nunca vimos imagens na televisão com tanques americanos que defendem os poços de petróleo. Então como é que as explorações passam nas mãos dos invasores, ops, queria dizer: dos ajudantes humanitários?

Na verdade o mecanismo não é difícil. No caso do Iraque e da Líbia, tais explorações são: 1. concentradas nas mãos dos governos locais 2. exploradas por um restrito número de privados sob estreito controle do governo local.

Portanto: uma vez acabado o governo local e substituído com uma junta de salvação/governo provisório, abre-se a corrida para as empresas privadas estrangeiras, que tomam conta dos poços.

“Abre-se”? Na verdade é o contrário: fecha-se. As companhias petrolíferas estrangeiras conhecem muito bem quantos e quais os poços do País governado pelas Forças do Mal e mesmo antes da primeira bala ter sido disparada já os poços têm virtualmente novos donos: é só esperar que a ajuda humanitária acabe com a resistência para que as novas companhias possam iniciar as operações de extracção.

Como exemplo, eis o que aconteceu com o petróleo do Iraque.

A indústria petrolífera do Iraque tinha sido completamente nacionalizada em 1972. O governo na década de 1990, sob a presidência de Saddam Hussein, concedeu acordos de extracção a empresas russas e chinesas, empresas que, obviamente, partilhavam o lucro com o Estado do Iraque.

Uma vez “libertado”o País, a administração Bush contratou a empresa de consultoria BearingPoint
para escrever uma nova lei que regulamentasse o sector, em 2004. Assim a lei, escrita por uma empresa ocidental, foi aprovada em 2007 pelo gabinete de Bagdad. A lei não foi muito bem recebida pelo Iraquianos, 63% dos quais achavam melhor que o petróleo do Iraque fosse produzido por empresas estatais iraquianas em vez de empresas estrangeiras. Ingratos.

Segundo a nova lei (que ainda não foi totalmente viabilizada pelo parlamento iraquiano, o petróleo do País garantiria lucros para as companhias petrolíferas estrangeiras, sendo que as várias províncias teriam ampla liberdade para escolher as empresas de exploração.

A Companhia Nacional de Petróleo do Iraque teria o controle operacional exclusivo de apenas 17 dos 80 campos de petróleo conhecidos no País, que é o segundo maior produtor mundial de “ouro negro”, logo após a Arábia Saudita..

Esta lei é uma anomalia: normalmente, um País não deixa que dois terços dos próprios recursos petrolíferos acabem sob o controle estrangeiro.

Então fica a dúvida: se esta é uma lei ainda não operativa, quem explora o petróleo iraquiano agora?
Resposta: sempre as companhias ocidentais.

Actualmente as explorações estão nas mãos de poucas empresas privadas ocidentais, ao abrigo duma disposição conhecida como no-bid contract ou “contracto de fonte única”: é esta uma medida de emergência com a qual é assumido o facto de existir apenas um fornecedor capaz de prestar um determinado serviço. É um contracto geralmente utilizado por um governo que negoceia rapidamente com uma empresa, evitando os tempos e a burocracia dos concursos públicos.

É o mesmo tipo de contracto com os quais o governo dos Estados Unidos “convidou” as empresas privadas Blackwater e Halliburton na mesma guerra do Iraque: são também as empresas que o Nobel da Paz Barack Obama contratou para trabalhar no Afeganistão ao lado da CIA..

No Iraque, o no-bid contract é utilizado com as seguintes companhias, actualmente as únicas que operam em território iraquiano: Exxon Mobil, Shell, Total e BP, por vezes parceiros da Companhia Nacional do Petróleo do Iraque.

Portanto: tudo nos moldes da legalidade. A legalidade dos invasores, ehm, libertadores, claro.

Mas pensar que este “libertadores” utilizem as forças armadas para controlar as explorações não está errado: o primeiro ataque durante a guerra do Iraque foi conduzido por um commando da marinha dos EUA contra uma plataforma petrolífera, no meio do mar, no Golfo Pérsico.

New York Times:

Os Navy Seals tomaram o controle de dois terminais petrolíferos. O ataque aconteceu ao amanhecer e acabou com a derrota das milícias iraquianas. 

De facto houve duas guerras no Iraque: um apara abater o regime, outra para ocupar as explorações de petróleo. E se a primeira foi amplamente relatada por parte dos media ocidentais, acerca da segunda foi apenas silêncio. Só de vez em quando chegavam relatos de soldados mortos perto das instalações por causa de ataques, muitas vezes suicidas (como no caso dos três soldados americanos mortos no ataque contra a plataforma Khor al-Amaya). 

Além dos poços há também os oleodutos, as refinarias, os portos. Instalações que, uma vez conquistadas, têm que ser defendidas. E não apenas no Iraque. 

Tropas americanas são presentes perto das zonas petrolíferas estratégicas na Colômbia, Arábia Saudita, Azerbaijão, Kazakistan, Senegal, Ghana, Mali, Uganda, Kenia… 

Na Colômbia, por exemplo, ao longo dos anos a guerrilha sabotou os oleodutos. Forças americanas foram activamente empenhadas na defesa dum dos mais importantes, o oleoduto Caño-Limón, que liga as explorações da província de Arauca com a costa das Caraíbas: 770 quilómetros que têm de ser continuamente vigiados. 

Voltando ao Médio Oriente: um estudo de Roger Stern, geo-economista da Universidade de Princerton, em Abril de 2010 revelou que para manter a V Frota no Golfo Pérsico (e assegurar assim o transito dos petroleiros pelo Estreito de Hormuz) o exército dos Estados Unidos gastou 7.3 biliões de Dólares em trinta anos.

Ipse dixit.