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Recessão ou descréscimo?

Recessão ou decréscimo? São a mesma coisa?
Portugal, por exemplo, está em recessão: isso significa que está numa fase de decréscimo?

A questão não é secundária: afinal muitos economistas apontam para o decréscimo como o inevitável futuro da nossa sociedade. É necessário aprender a consumir menos, a produzir menos, a gastar de forma melhor; perceber que os recursos naturais não são infinitos e que não podemos continuar a consumir como se a realidade fosse infinita.

Caso contrário, cedo ou tarde alguém irá acordar e reparar que algo acabou. Pode ser o petróleo, pode ser um metal, pode ser a água.


Então: Portugal está na vanguarda com a sua recessão?
Para responder, convidamos o Prof.. Leonardo, especialista do Departamento de Decréscimo e Recessão da Universidade de Monte do Gárgolim de Cima (Setúbal).
– Boa tarde Professor.
– Boa tarde.
– Professor, recessão é a mesma coisa que decréscimo?
– Bom, antes demais gostaria cumprimentar todos os telespectadores que estão a seguir o programa nesta altura. Depois, gostaria que libertasse a minha cauda que ficou retida por baixo da sua cadeira, e isso dói, bastante diga-se.
– Desculpe.
– De nada, ora essa. Agora: decréscimo é a mesma coisa que recessão? A resposta é não. Adeus.
– Ehi, espere Professor…não gostaria de explicar um pouco mais?
– Não.
– Por favor…
– Tá bom, mesmo porque sou um cão bom…então vamos ver: recessão significa contracção do Pib, o Produto Interno Brutal, não é?
– “Bruto”…
– Sim, tanto faz. O decréscimo é uma diminuição do Pib, disso temos a certeza. Você tem dúvidas acerca disso?
– Eu não.
– Bem me parecia. Porque de facto é assim. Decréscimo significa Pib menor. Mas atenção!
– O quê?
– Há várias maneiras para reduzir o Pib.
– Isso é verdade.
– Fique calado.
– Desculpe.
– Por exemplo: uma guerra entre matilhas reduz o Pib.
– Seria “entre exércitos”?
– Tanto faz. Uma guerra termonuclear destruiria toda a Humanidade e diminuiria o Pib. Mas uma guerra nuclear não pode ser definida como “decréscimo”. É como fazer uma dieta. Podemos escolher de não roer ossos por causa duma dieta, mas pode acontecer o mesmo por causa duma doença. No primeiro caso é uma escolha, no segundo caso uma consequência. Então?
– Então?
– Então o decréscimo é um projecto político e económico para demercificar a sociedade.
– “Demercificar”?
– Sim, modestamente é um neologismo que inventei enquanto estava a roer os chinelos do meu dono. O facto é, caro Luís,…
– Max.
– Tanto faz, o facto é que hoje em dia qualquer forma de actividade social e de produção é pensada como forma de produção de mercadoria, com as suas leis do lucro. Percebe, Luís? O lucro.
– Sou Max e sim, percebo.
– Ainda bem. O  decréscimo significa a inversão desta tendência, significa produzir bens não em forma de mercadoria e fazê-los circular em redes diferentes dos mercados, entende?
– Entendo.
– Ainda bem. Esta é a demercificação.
– Mas produzir sem ter como objectivo o lucro não significa também ter mais em conta aspectos hoje descuidados, como o impacto ambiental?
– Então? Mas que é isso? Quem é aqui o Professor, eh? Então quer fazer a entrevista sozinho, é isso, então faça, faça a entrevista sozinho!
– Desculpe, Professor.
– Que arrogância… bom, dizia: produzir sem ter como objectivo o lucro significa também ter mais em conta aspectos hoje descuidados, como o impacto ambiental, entende Luís?
– Sim, entendo Professor, e sou Max.
– Tanto faz.
– Uma das propostas típicas do decréscimo é uma ampla iniciativa para melhorar a eficiência energética das habitações, de forma a diminuir drasticamente os gastos para o aquecimento. Porque  decréscimo não significa apenas discursos abstractos, mas medidas práticas e miradas. É verdade que uma iniciativa como esta faria crescer o Pib, numa primeira fase, por causa dos investimentos. Mas a seguir haveria uma clara diminuição dos consumos. Repare: o decréscimo significa fazer que as pessoas possam viver de forma cómoda em casas bem aquecidas, gastando menos. Na recessão, pelo contrário, as pessoas não têm o dinheiro para pagar o aquecimento.
– Mas em Portugal não é costume ter aquecimento.
– Silêncio! Quer que comece a morder-lhe um calcanhar, é isso?
– Desculpe, desculpe Professor.
– Num mudo onde tudo é pago, a recessão significa não ter dinheiro para pagar os serviços. No mundo do decréscimo significa ter bem-estar pagando menos e poluindo menos.
– Interessante.
– Claro que é. E não é tudo.
– Ah não?
– Não. Pense nisso: o Estado.
– O Estado o quê?
– É fundamental o papel do Estado no âmbito destas vastas iniciativas. E que acontece mesmo nestes dias?
– Que acontece?
– Acontece que os políticos tentam destruir o Estado, pedaço após pedaço. Porque um Estado fraco terá cada vez menos capacidade de intervenção. Não é o decréscimo o objectivo da actual sociedade, mas o contrário: a privatização e a mercificação, o crescimento, infinito e impossível.
– Muito obrigado, Professor, a sua foi uma lição…desculpe Professor, mas fez chichí contra a mesa?
– Claro, sou um cão afinal, que quer?

Ipse dixit.