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O banco sem juros

Lembram-se do banco Jak? Lembram-se, não é? Não lembram? Ohhhh…

Bom, breve resumo: o banco Jak é um banco (e bravo Max, que perspicácia).
Só que trabalha sem juros.

Sem juros??? Ahahahahah, estúpido Max, isso é impossível!!! Que coisa tão ridícula, como pode um banco trabalhar sem juros?

Calma, calma.
Em boa verdade a ideia dum banco sem juros não é nova: todos os bancos islâmicos trabalham da mesma forma, pois receber juros é proibido pelo Alcorão. Mas o Jak não é islâmico, é sueco. Então, como é? Pois esta coisa do Jak despertou a curiosidade de muitos leitores.

Algumas informações podem ser encontradas nos link mais abaixo, velhos artigos do blog. Mas agora vamos ver este raio de Jak um pouco mais de perto, pode ser? Sim, pode. Mas como? É simples, é só traduzir as páginas do Jak, que estão todas em sueco, idioma que o bom Max utiliza normalmente para falar com Leonardo (que responde sânscrito).

Ou, talvez, seja melhor traduzir uma das página da Jak Italia.

Os juros

Antes de falar do banco, vamos observar os juros.
O que vemos na realidade são bancos que aplicam juros, sempre. Porquê um banco sem juros?
Porque no interior duma família não há juros.
Se a minha irmã me pedir um empréstimo para comprar uma boneca, eu não peço juros. Se eu aplicasse juros, ela deveria reembolsar mais dinheiro daquele que tinha pedido: deveria trabalhar mais para  juntar o montante pedido mais os juros. E pensaria “mas que raio de irmão tenho?”.

Doutro lado eu também poderia ter algumas dúvidas: a minha irmã trabalha e ainda compra bonecas?

Ok, mas além disso há mais, pois instintivamente pensamos nos juros como algo de neutral: às vezes recebemos interesses (com o dinheiro depositado), às vezes pagamos interesses (com os empréstimos). É possível pensar nos interesses como uma componente neutra que faz funcionar a economia.

Mas isso é falso: no médio-longo prazo, as pessoas pagam mais juros daqueles que recebem, muito mais. Apenas um décimo (em média) das pessoas recebe mais dos juros: são os que têm contas com muitos (mas mesmo muitos) zeros. São, em definitiva, as pessoas que não precisam de empréstimo e que, em caso de necessidade, obtêm empréstimos com condições mais favoráveis (pois são considerados pelo banco como “bons clientes” e como tal têm de ser protegidos).

Mas o discurso é ainda mais complexo: uma pessoa sem empréstimos pedidos pode pensar de estar fora de tudo isso. Assim não é: os juros pesam em toda a economia. Hoje em dia, qualquer produto ou serviço é oferecido porque “atrás” há a intervenção dum banco, que recebe juros dos empréstimos ou dos saldos negativos. Estes juros são uma componente do preço final do bem ou serviço: são pagos pelo consumidor, mesmo que este não tenha qualquer relacionamento com um banco.

Por exemplo: eu sou um criador de galinhas. Não sou na verdade, ok, mas façam de conta. Para comprar as galinhas pedi um empréstimo ao banco; assim, os ovos vendidos terão que incluir:

  • as minhas despesas para a criação dos galináceos (a comida delas, por exemplo);
  • IVA e impostos vários (pois o Estado quer algo, não é?)
  • a prestação do banco (pois mensalmente terei que devolver algo) com os juros (pois eu tenho que pagar os interesses também);
  • a minha margem de lucro (pois eu não sou a Cruz Vermelha)

É o consumidor final que paga os juros, não eu. Sem os juros, o preço dos ovos poderia ser mais baixo.

E os prejuízos provocados pelos juros não acabam aqui.
No mundo há dinheiro, muito dinheiro em circulação; mesmo assim, continuam a existir fome, subnutrição, doenças, pobreza. Porquê?

Porque o dinheiro é gerido por poucas pessoas e estas pessoas querem maximizar os lucros. O dinheiro, portanto, é investido onde pode fornecer grandes lucros (os juros!) no menor tempo possível. Os investimentos de longo prazo são os menos rentáveis, e nesta categoria encontramos, por exemplo,  a saúde nas zonas mais pobres do planeta, a educação.

Os juros possibilitam o enriquecimento sem trabalho. Mas claro está, só no caso de ter muito dinheiro.
Os bancos como o Jak tentam quebrar esta corrente dos juros. Não são perfeitos, mas representam o primeiro passo na direcção certa.

O que é JAK

JAK é um acrónimo sueco: Jord, Arbete, Kapital. Em bom português: Terra, Trabalho, Capital, três elementos básicos do sistema económico.

JAK Medlemsbank é um banco que opera na Suécia desde 1973 utilizando um método muito particular: os investidores não recebem qualquer juro sobre o capital depositado, enquanto aqueles que tomam empréstimos só pagam uma comissão, que representa os custos de administração do banco.

É um projecto de negócios sociais  cujo objectivo é a sustentabilidade financeira, não a maximização dos lucros, de modo que os fundos são disponibilizados sem o pagamento de juros, mas apenas com as contribuições necessárias para suportar as despesas operacionais.

Uma nova imagem do banco, gerido por pessoas: cada membro tem um voto na assembleia e disponibiliza as próprias poupanças para outras pessoas.

O sistema de poupança e empréstimos

O principal instrumento através do qual o projecto é realizado são as poupanças e os empréstimos isentos de juros.

Dentro deste sistema as pessoas depositaram dinheiro e pedem dinheiro emprestado. Em ambos os casos, não são aplicados interesses. A gerir o sistema são os funcionários que maturam os seus salários através do pequeno imposto aplicado nos empréstimos (as despesas operacionais). Além disso, uma pequena percentagem da despesa fica como “fundo de segurança” em caso de perdas.

O banco sueco, com um capital de mais de seis milhões de Euros, tem apenas 30 funcionários, não tem agências de rua mas aposta no home -banking via internet ou telefone.

Além dos 30 funcionários, há uma rede de 400 voluntários que promovem a instituição e aconselham os clientes sobre questões de poupança e de consumo.

Os clientes/sócios operam através do sistema de poupança e empréstimo sem juros. Para garantir a liquidez do sistema existe o mecanismo dos “pontos-poupança“: pontos que se acumulam durante os períodos em que o membro fizer depósitos e que diminuem nos períodos de acesso ao financiamento.

Este é um ponto central do sistema.

O “ponto-poupança” é a unidade de medida monetária multiplicada por um mês.
Por exemplo: uma pessoa que deposite um Euro por mês ganha um ponto-poupança, uma pessoa que peça 100 Euros por dois meses terá de reembolsar 200 pontos-poupança.
Para que o sistema seja sustentável, é necessária, portanto, a igualdade entre os pontos-poupança e os pontos-poupança gastos. Na altura de concordar um empréstimo, se os pontos-poupança não forem suficientes para compensar o montante pedido, o cliente empenha-se em fazer um depósito adicional na sua conta, mantendo assim o sistema em equilíbrio.

O empréstimo é disponibilizado mediante a apresentação de uma garantia igual a 6% do montante pago: este dinheiro será devolvido na íntegra após a conclusão bem sucedida do plano de reembolso.

Em caso de não pagamento, antes de prosseguir com os passos tradicionais para a recuperação, são desenvolvidas acções típicas da filosofia cooperativa: diferimento dos pagamentos, suspensão dos pagamentos ao longo dum determinado período ou intervenção de outros membros que emprestam os pontos-poupança deles.

O banco não irá cobrar ou pagar juros sobre os empréstimos/poupança. Todos as actividade do banco são realizadas fora do mercado financeiro, pois os seus empréstimos são financiados exclusivamente pela poupança dos membros.

Outros pormenores interessantes:

  • todos os membros do Jak gozam dos mesmos direitos e deveres. Consequentemente, as condições oferecidas são exactamente as mesmas para todos os membros, e não há maneira de obter um empréstimo com melhores condições daquelas dum outro membro;
  • o sistema é completamente independente do custo do dinheiro, porque o banco Jak não compra dinheiro de outros bancos. As entradas, ou seja, o capital emprestado aos membros, vem dos depósitos dos próprios membros;
  • não existem “padrões”: os donos do bancos são os membros que, como afirmado, gozam todos de iguais direitos, deveres e que dispõem cada um dum voto válido nas assembleias.

FAQ

Qual a estrutura do banco Jak?
O banco tem hoje 38.000 membros que permitiram, em 2010, recolher um total de 121 milhões de Euros, dos quais 80% utilizados nos empréstimos.
O banco sueco tem uma sede, 30 funcionários, 400 voluntários e funciona com os serviço de home banking, suporte web ou telefone.

Como é abordada a perda de poder de compra provocada pela inflação dado que não são pagos juros sobre os depósitos?
A perda de poder de compra é compensada pela possibilidade de receber financiamentos a um custo reduzido. A diferença entre as taxas aplicadas pelos bancos convencionais e a comissão do Jak é superior à taxa média de inflação.

Em quanto tempo o cliente deverá reembolsar um empréstimo?
O período de empréstimo é estudado individualmente com base na capacidade de poupança do membro.

Além das normais actividades, o banco Jak faz algo mais?
Jak é um banco cooperativo que dá crédito à economia real, pequenas e médias empresas e indivíduos, em que a solidariedade financeira e a ajuda mútua são os principais valores: educação financeira e formação, solidariedade e reciprocidade são as ideias difundidas através dos funcionários e dos voluntários.

O banco Jak é presente em outros Países?
Sim, por exemplo na Alemanha começou cerca de 16 anos atrás, formando umas cooperativas de crédito; outras iniciativas similares são activas em Italia, Espanha, Finlândia, Dinamarca e Holanda.

A ideia do Jak é fantástica! E onde posso encontrar este banco?
Em lado nenhum, nem em Portugal nem no Brasil.
Continuem a pagar os juros e fiquem quietos.
Ou, em alternativa, comecem a avaliar a ideia de fundar um banco sem juros…

Ok, ok: para consolar-vos eis um vídeo do ano 2007 acerca do Jak, o banco sem juros.
O quê? 26 minutos de vídeo?
Sim, mas vale a pena. E as legendas estão em português.
E boa visão.

Ipse dixit.

Relacionados:
A metástase dos juros
Os bancos do Islão

Fontes: Jak Italia,