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O cérebro doente

Sabem quantas pessoas com Alzheimer existem na França? Um milhão.
“Normal”, pode pensar o Leitor, “também o Presidente deles não batem muito bem de cabeça”.

Verdade. Mas aqui falamos duma doença diferente, algo de terrível que ataca as faculdades mentais dum indivíduo. Como Sarkozy, mas de forma mais triste.

Um milhão de pessoas com a doença de Alzheimer é muito. Num País com 65 milhões de habitantes significa que uma pessoa em cada 65 é afecto por esta doença. Muito mesmo. Talvez seria o caso de falar em pandemia neurológica, cujas vítimas são cada vez mais jovens. Mas as autoridade preferem olhar de lado.
Como explicam Marie Grosman, cientista, e Roger Lenglet, filósofo.


Qual é a relevância das doenças que afligem o nosso cérebro?

Marie Grosman: O número de pessoas com doença de Alzheimer e autismo aumenta de forma dramática em muitos Países, especialmente nos mais desenvolvidos. Na França, desde 1994, passou-se de 300 mil pessoas com Alzheimer até cerca de um milhão hoje. E se nada for feito esse número irá dobrar a cada 20 anos. O número de pessoas que têm autismo aumentou 17 vezes nos últimos 50 anos. Da mesma forma, observa-se uma progressão enorme de tumores cerebrais em crianças (aumento de 20% em dez anos). Também o Parkinson e a esclerose múltipla, que afectam respectivamente 100.000 e 80.000 pessoas, estão em ascensão. Isto deveria solicitar uma acção contra as causas dessas doenças.

Roger Lenglet: Todos os dados citados no nosso livro são cientificamente comprovados e não simples hipóteses. Estamos diante duma pandemia neurológica em constante deterioração. As autoridades têm sempre uma explicação tranquilizadora. Repetem que essas doenças não têm causa conhecida, se não o envelhecimento da população. Mas a idade é uma condição da doença e não uma causa. A doença geralmente ocorre no final da vida, sendo este é o tempo necessário para a sua manifestação. Não se esqueça que estas são doenças em que o tempo de latência desde a exposição a substâncias tóxicas até os sintomas aparecem é relevante. E cada vez mais pessoas jovens são afectadas pelo Alzheimer. Resultado: 30.000 – 50.000 indivíduos com idades entre 13 e 60 anos.

Hoje nascemos e vivemos num mundo “neurotóxico”. Acham ser esta é a principal causa do desenvolvimento das doenças neuro-degenerativas?

RL: Temos o hábito de pensar segundo um padrão “pasteuriano”: um vírus = uma doença. Num mundo onde os produtos químicos tornaram-se omnipresentes, os efeitos são combinados e tornam as doenças multifactoriais. Mas os principais culpados são conhecidos. Graças a um estudo epidemiológico de 1995, por exemplo, sabemos que uma taxa de 100 microgramas de alumínio por litro na água da torneira duplica ou triplica o número de casos da doença de Alzheimer. É um poderoso factor que pode desencadear a doença. Além disso, a sinergia entre os produtos, tais como mercúrio e chumbo, piora consideravelmente os efeitos nocivos, como é bem conhecido por todos os toxicologistas (1).

As crianças são particularmente susceptíveis a substâncias neurotóxicas?

MG: A exposição a moléculas neurotóxicas começa a partir do início da vida, no útero. Dentro da parede do útero a placenta, que protege o feto, não bloqueia essas substâncias que têm uma tendência para acumular-se no cérebro em desenvolvimento. Mercúrio, chumbo, cádmio, ftalatos, pesticidas e solventes são parte desta turbulência que tem efeitos principalmente sobre a tiróide. Quanto mais materiais estiverem presentes no cordão umbilical, tanto menos o feto terá hormonas da tiróide. Esta deficiência pode causar alteração irreversível no desenvolvimento do cérebro. Também estamos ciente mais obturações (restaurações) dentais da mãe significam uma taxa de mercúrio no cérebro do feto mais alta (2). As mães de crianças autistas, em média, tiveram uma maior exposição ao mercúrio dental durante a gravidez (3).

Um quarto da contra-indicações são inerentes aos efeitos neuro-tóxicos: os medicamentos são também postos em causa?

RL: Sim, até mesmo os medicamentos para distúrbios neurológicos e neuropatias causam estes efeitos que podem ser insidiosos e de longa duração, especialmente após o consumo ter persistido por meses ou mesmo anos. Assim, os antidepressivos afectam a função cognitiva, reduzindo a memória de curto prazo, causando tremores, dificuldade de concentração, e assim por diante. Alguns pacientes de Parkinson desenvolveram a doença depois de tomar medicamentos. Quando um medicamento contra o Alzheimer provocar “confusão” no paciente, a doença é acreditada como responsável e não o medicamento. Devemos entender que todas as doenças neurológicas podem ser induzidas por medicamentos. Mas uma tal problemática é removida, como se o medicamento fosse sagrado. Jovens praticantes em neurologia, no entanto, sabem que a primeira pergunta a ser feita em relação a um paciente que sofre duma desordem neurológica é relativa aos fármacos que tomou.

Depende do facto de que estes medicamentos representam um mercado em crescimento? 4,3 biliões de Dólares em 2009 apenas para os medicamentos contra a doença de Alzheimer …

MG: Na verdade, as doenças neuro-psiquiátricas e neuro-degenerativas representam um mercado extraordinário e garantem um grande lucro sobre o investimento: 39% por ano de acordo com André Syrota, Director do Inserm [Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica, NDT]. Para pandemias cardiovasculares o lucro seria de 37%.

RL: É privatizar a doença, reduzindo-a a um produto financeiro escandalosamente lucrativa. Estas drogas proporcionam segurança para o investimento, algo totalmente inconcebível num mundo cheio de instabilidade financeira. Mercantilização de uma pandemia real.

Com conflitos de interesse?

MG: A associação Formindep provocou o escândalo sobre os conflitos de interesse na Haute Autorité de Santé (HAS) [Alta Autoridade de Saúde, NDT], que formulou as recomendações anti-Alzheimer. O médico responsável da Comissão para a Transparência da Has era ao mesmo tempo pago por empresas farmacêuticas, facto proibido por lei.

RL: Os actores económicos formar uma empresa de lobby, empenhada em manter o reembolso dos medicamentos, com o objectivo de evitar o fim das prescrições e do mercado relacionado. Um relatório preciso sobre o medicamento é possível. A revista médica independente Prescrire previu todos os escândalos relacionados com os fármacos e a saúde nas últimas décadas graças à sua contra-perícia. É essencial que a Segurança Social e o Estado, que têm recursos substanciais, façam uso destes grupos de peritos independentes. O mesmo vale para as seguradoras de saúde: deve ser um grupo de especialistas que possam fornecer uma função de controle crítica sobre aqueles medicamentos que não devem ser permitidos e, a fortiori, que não devem ser reembolsados.

MG: Precisamos de especialistas que não têm nenhum conflito de interesse com as empresas farmacêuticas. Para 20 anos foi dito que “os melhores já estão a trabalhar para os laboratórios” e que “serem privados de tais poderes” custaria. No entanto, o trabalho realizado pelo Réseau Environnement Santé [entidade não-governamental francesa, NDT], que levou à proibição do uso do bisfenol A nas embalagens de alimentos, mostra a grande importância da informação para o cidadão-usuário.

E sobre a prevenção?

RL: A pergunta mais importante é justamente a prevenção, quase inexistente, enquanto os problemas de saúde são consistentes e a maioria das causas conhecidas. Temos de esperar que a prevenção se torna rentável para que possa ser implementada? Devemos afastar a abordagem exclusivamente terapêutica e reconsiderar a toxicologia, que é usada para determinar os efeitos das substâncias químicas sobre os organismos vivos através da identificação das patologias. Na França, os cursos de formação em toxicologia foram abolidos, enquanto deve ser feito o oposto. Os toxicologistas são considerados incómodos que dizem “O produto para o qual você tem um mercado, mata as pessoas”

Como explicam que os responsáveis políticos ignorem as causas da hecatombe?

RL: Os relacionamentos do Eliseu com os laboratórios farmacêuticos afectam a política de saúde pública adoptada em toda a França. O conselheiro-chefe de cuidados de saúde de Nicolas Sarkozy é Arnold Munnich, geneticista cuja equipe detém várias patentes. Ele pediu aos pesquisadores para concentrar-se em predisposições genéticas, embora este factor não represente mais do que 3% das doenças neuro-degenerativas. Um elemento sobressai: a transferência substancial de pessoal de cargos públicos para sectores farmacêuticos e químicos privados. O governo Sarkozy reduziu de 5 para 3 anos o período mínimo para poder entrar no sector privado depois de ter sido empregado no público. Da mesma forma, o governo pretende apoiar as iniciativas destinadas a “ajudar” a investigação pública com aquela da indústria privada, permitindo que as empresas farmacêuticas possam transferir os recursos públicos destinados à pesquisa.

MG: Os especuladores ficam felizes por este conluio com a indústria farmacêutica. E os seguros privados famintos são parte deste mercado: esta política “do avestruz” significa a morte certa para a Segurança Social.

Porquê nesse sector há um maior número de processos e acções judiciais?

MG: É necessário lutar colectivamente, de modo que as class actions (acções colectivas) sejam permitidas, únicos instrumentos possível para restabelecer o equilíbrio de poder entre as corporações, as suas respostas alucinatórias e os cidadãos. A França planeia autoriza-las, excepto para o sector da saúde. Na França, onde o tabaco provoca mais de 66.000 mortes a cada ano, havia uma acção foi perdida. Nos EUA há Estados inteiros que têm forçado as empresas de tabaco a entrar em acordos.

RL: Há também soluções individuais capazes de prevenir a exposição a substâncias neuro-tóxicas. Ninguém pode ficar totalmente protegido, mas são possíveis medidas específicas para a alimentação, a jardinagem, o uso de telefones celulares e outras fontes de perigo para o cérebro. Você pode recusar a aplicação de amálgamas dentárias e pretender a cerâmica ou compostos baseados nas resinas.

Notas:

Marie Grosman é professora de Ciências da Vida e da Terra, com especialização em saúde pública e saúde ambiental. Tem publicado artigos científicos sobre os factores ambientais nas doenças neuro-degenerativas.

Roger Lenglet, filósofo e jornalista investigador, é autor de vários livros sobre investigações principalmente relativas ao meio ambiente, a saúde e os lobistas da indústria. É membro da Société Française d’Histoire de la Medecine  e do comité patrocinador da associação Anticor (Associação para a luta contra a corrupção).

1. Toxicologie industrielle et intoxications professionnelles, Robert Lauwerys, Masson, 2007.

2. Mercury Burden of Human Fetal and Infant Tissues, Gustav Drasch e outros, European Journal Pediatrics, vol. 153, n° 8, Março de 1994, pp. 607-610.

3. A Prospective Study of Prenatal Mercury Exposure from Maternal Dental Amalgams and Autism Severity, David A. Geier e outros, Acta neurobiologiae experimentalis, vol. 69, 2009, pp. 189-197.

Fontes: Bastamag
Tradução e adaptação: Informação Incorrecta