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As coisas que este cão sabe… – Parte VIII

– Quem é?
– Abre, abre a porta que este é um meu convidado!
– Um teu convidado? Era só que faltava…ehi, mas é um chihuahua!
– Max, apresento-te o Excelentísimo Señor Professor Pedro Juan de Castilla y Suabia y Danmartín, Señor de Marchena y Zuheros, Pepe para os amigos.
– Mira, el atordoado! 

– Eh? Mas chamou-me atordoado, é um malcriado e…ahhhiahhh!!! Leo, mordeu-me!
– Claro, foste rude. Por favor, Professor Pepe, deste lado. O Professor aceitou de forma amável falar dum distinto colega dele, o conhecido e infelizmente falecido John Maynard Keynes.
– Então? Fica sentado no sofá agora? E eu?
– Na cadeira, e tenta ser gentil. Por favor, Professor Pepe, quando assim desejar…

– Bueno, vivimos en tiempos difíciles, la economía no es lo que parece…

– Em Português, se não for pedir demais…

– Ignorante…dizia, a economia não é o que parece. Mas eu tive a sorte e a honra de aprender com o melhor entre os mestres: John Maynard Keynes, Barão de Tilton, economista e colecionador de arte. Keynes foi o maior economista do século passado, com o trabalho dele surgiram as garantias democráticas modernas, as mesmas que agora estão em perigo de desaparecer.

– Nunca ouvi…
– Shhht! Aprendes, não posso sempre ser eu a explicar tudo.
– Mas aprender com um chihuahua? Ahhhiaaahhh, Leo, está a morder-me outra vez!
– Perdone, Professor, es um poco tonto.

– Estaba diciendo? Ah, si…as elites não conseguiram comprá-lo, Keynes não era pessoa fraca, tinha princípios. Assim foi eliminado. Não foi assassinado, mas foi obstaculizado em todas as formas possíveis, até morrer de ataque cardíaco. Ainda hoje os assim chamados “Grandes Economistas” nem querem ouvir falar dele. E porquê?

– Porquê?
– Shhht!

– Porque têm medo. Miedo, mucho miedo! A economia dele era a economia da dívida, mas da Boa Dívida!

– Aprendes Max: tudo aquilo que disse até hoje é dele, de Keynes.

– Odeiam Keynes, o maior dos inimigos entre os economistas. Por isso foi posto em minoria na conferência de Bretton Woods. E Keynes, cheio de desgosto, morreu pouco depois, com apenas 53 anos. Uma vez desaparecido, bem poucos continuaram a obra dele e foram todos obstaculizados até desaparecerem.

– Ohh, que história triste…
– Shhht!
– “Shhht” o quê? Quem é este Keynes afinal? Porque o nome dele nunca é citado?

– Porque o que tu, pobre patán, tudo o que podes ouvir é filtrado, filtrado e ainda filtrado. Não vais ouvir Keynes na televisão, não vais ler o pensamento dele nos jornais. Pensa em Marx.

– Quem, o comunista, o revolucionário? Minha nossa!
– Shhht! Tenta ouvir…que figura, nem o mais estúpido dos gatos teria uma atitude destas…

– “Revolucionário”? Nada disso, Marx não era um revolucionário, era um economista, um verdadeiro cientista que analisou a economia do seu tempo e tentou imaginar as formas como esta poderia evoluir. Fez previsões, muitas das quais erradas, mas percebeu, há 150 anos, muito do que está a passar-se agora. Já na altura a elite entendeu a perigosidade das ideias dele e, para combate-las, seguiu duas estradas: criou um pensamento económico alternativo ao marxista dum lado, enquanto do outro tomou posse do movimento comunista até torna-lo parte integrante do próprio desenho. Marx era um economista Clássico e a economia de hoje é chamada de Neoclássica, isso é , os novos clássicos que com as teorias deles tentam desmentir o trabalho de Marx. O passado, caro patán, o passado.

– Porque está a chamar-me “patán”?
– Significa “senhor”.
– Será…

– Com base nas teorias de Keynes podemos perceber como e porque é criada uma crise. Nobre Leonardo, já falaste ao patán das gavetas? Da Dívida Boa e Má?

– Sim, Professor.

– Muy bien! Entoces mira patán! Na altura em que a crise começar, chegam os economistas de renome, aqueles pagos pela elite, aqueles que convenceram todos de que o Estado não pode gastar. E, por esquisito que possa parecer, em vez de ser linchados são ouvidos com atenção, todos querem seguir as receitas deles. Este é o resultado de décadas de preparação de idiotização das massas, dos biliões gastos para condicionar os media. E sabes qual a receita que eles propõem para resolver a crise?

– Qual?
– Shhht!

– Dizem: Se a nossa medicina não conseguiu vos curar é porque não tomaram bastante medicina!

– Que medicina?
– Max, é uma metáfora…
– Ahhh…

– Mesmo assim, caro o meu patán, dizem que para tratar da crise é preciso fazer o que a crise já faz: cortar os ordenados, cortar serviços, Estado que gasta cada vez menos. Mas até tu, pobre patán, podes perceber que desta forma será cada vez mais reduzida a riqueza e que as coisas não poderão melhorar. Até tu consegues perceber que não se pode tratar da dívida com outra dívida. Que cidadãos com menos dinheiro são cidadãos que gastam menos, com empresas que não vendem e fecham, que isso cria mais desemprego…É uma espiral mortífera, uma espiral sem fim porque depois da “medicina” haverá situações de maior crise, então todos  a gritar que chegou uma nova crise e outra vez, os mesmos economistas com a medicina fatal.

– Isso é muito feio…

– E não é tudo: esta é uma espiral que se perpetua sozinha, se auto-alimenta. A crise que cria a próxima fase de crise. É uma espiral de crise imposta e não natural. Um acidente pode acontecer, também em Economia: mas quando a intenção é continuar a manter a crise, desenvolve-la até estados cada vez mais cancerígenos, então é evidente, não dum acidente mas de clara vontade e planeamento temos de falar. Este é o lado criminal da questão: a crise é imposta.

– Isso é horrível! Professor Chihuahua, mas que podemos fazer nós?

– Calma patán, calma. Antes demais é preciso entender qual foi a jogada inicial. E a jogada inicial foi impedir que o Estado possa gastar com a Dívida Boa. Este é o princípio. A seguir, como num domino, todas as peças caem de consequências. Sem Dívida Boa há necessariamente a Dívida Má, a dívida verdadeira. E com a dívida verdadeira é simples criar uma bolha, isso é, um evento traumático que tudo possa arrastar até o fundo do precipício enquanto lá, no topo da serra, Guendalina canta La Cucaracha e não pode reparar na nossa queda entre cactus e escorpiões debaixo dum sol arrasador no meio de pedras que …

– Mas que está a dizer?
– Ehm, Professor Pepe…

– Ah, perdone Leo, é a minha veia poética que de vez em quando toma posse dos pensamentos…Um domino, é isso, um efeito domino. Mas tu, pobre meu patán, procura: procura Keynes, estuda, informa-te, pois nem tudo está perdido. Agora, com licença, chegou a hora da minha tortillas de anchova, pimento, pimenta e malagueta.Da próxima vez, talvez , um dia, será possível continuar.

– Obrigado, obrigado exímio Professor, deixe que possa acompanha-lo até a porta. Max, cumprimenta o Professor.
– Sim, sim, adeus…onde está o dicionário? Ah, cá está…patabaram, patabobom, pataviño…eis patán: se aplica al hombre que em portugués es definido como “palhaç…” ehi! Leo, devolve-me já o dicionário!

Ipse dixit.

As coisas que este cão sabe… – Parte I
As coisas que este cão sabe… – Parte II
As coisas que este cão sabe… – Parte III
As coisas que este cão sabe… – Parte IV
As coisas que este cão sabe… – Parte V
As coisas que este cão sabe… – Parte VI
As coisas que este cão sabe… – Parte VII