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As coisas que este cão sabe… – Parte V

– Max?
– Não estou interessado.
– Pena..ia explicar-te mais algumas coisas…
– Repito: não estou interessado.
– Ahe? Então faço um monólogo. Ahem, um-dois-prova-prova-bau-bau-auhhuuhhuuuuuuu…
– Que fazes?
– Aquecimento.
– Aaah….
– A ideia é a seguinte: na televisão e nos jornais dizem que é preciso baixar a dívida, até elimina-la, caso contrário as empresas acabam de ter lucros  e estamos arruinados. Eu digo o contrário: é com a dívida pública que a riqueza é criada, sem dívida não há riqueza. Como conciliar estas duas versões?


Lembrem do que eu expliquei ao Max em tempos, e que ele depois transcreveu no blog, acerca da inflação. De forma sintética, pois nesta altura todos os bípedes leitores do blog devem ter percebido: geralmente se no mundo houver poucos ossos, cada osso vale mais; se os ossos forem muitos, o valor de cada osso é menor. Com o dinheiro é a mesma coisa. Demasiado dinheiro em circulação significa que cada nota perde valor; e que acontece quando o dinheiro perde valor? Acontece que as rações para nós cães ontem custavam 100 e hoje custam 150. Com a inflação todo o dinheiro perde valor e vocês bípedes cidadãos ficam mais pobres. Estás a seguir-me?
– Não.
– Ignorante. Bom, dizia: então quando uma pessoa diz “temos que deitar mais dinheiro na gaveta dos cidadãos” isso não significa que depois haverá demasiado dinheiro em circulação, o que criará inflação? Sim e não. Aliás, depende. No geral o princípio funciona mesmo assim. Mas pensem num facto: uma coisa é imprimir dinheiro e entrega-lo nas ruas, outra coisa é imprimir dinheiro e usa-lo para construir pontes, escolas, hospitais, aeroportos. No segundo caso estamos perante um investimento. E, como em qualquer investimento, há lucros. Quais os lucros dum tal investimento? Fácil perceber isso, até Max pode lá chegar com um pouco de esforço.
– Muito espirituoso, muito mesmo…
– Tentem somar: mais lugares de trabalho, trabalhadores melhor pagos + rapazes mais instruídos que podem trabalhar melhor + cidadãos mais sãos por isso menos despesa sanitária + estruturas para facilitar o comércio e as empresas + ajudas às empresas para torna-las mais competitivas e desenvolvidas tecnologicamente = ?
– ?
– Mais produtividade nacional. Este é o resultado final. O Estado não tem que imprimir dinheiro para que depois este fique nos cofres e nem tem de entrega-los de forma leve: tem que utiliza-lo para fazer investimentos. Neste caso mais dinheiro = mais investimentos. E mais investimentos = mais lucro. Pois mais dinheiro investido significa um aumento do bem estar dum País e, de consequência, mais riqueza produzida.
Aumenta o dinheiro em circulação mas aumentam também as mercadorias produzidas e oferecidas, o que anula a inflação.
Depois há outro aspecto. Este fantasma da inflação é facilmente controlável. Há verdadeiramente demasiado dinheiro em circulação? O Estado tem instrumentos para controlar isso. Max, queres saber como?
– Não, obrigado.
– Por exemplo pode criar uma taxa temporária para os cidadãos e retirar o dinheiro em excesso da gaveta dos privados. Claro, deve ser uma medida apenas temporária, não como fazem os vossos políticos que criam taxas que vivem ao longo de décadas. Ou pode tornar mais caro o dinheiro, subindo a taxa de juro. E existem outras possíveis medidas também. Mas claro está, para que tudo isso funcione é preciso que o Estado tenha a própria soberania monetária.
Olha, noutro dia estava a ladrar com Akita Inu…
– Com quem???

Akita Inu

– Akita Inu, é uma raça de cães japoneses…nada sabe este homem…bom, sabem que dizia: dizia que o País dele tem uma dívida pública que é o dobro daquela italiana. Agora, a dívida italiana é enorme, maior de que a dívida de Portugal. Mas, como dito, o Japão consegue ultrapassar todos com muita tranquilidade. Pensa nisso bípede Max: isso significa que o Japão gastou imenso dinheiro, justo? Portanto a inflação dele deveria ser enorme, justo?
– Justo.
– Nada disso: a inflação no Japão é 0.4%. Zeropontoquatroporcento! Praticamente o Japão não tem inflação. Se a teoria do “mais dinheiro em circulação = mais inflação” estivesse correcta, nesta altura no Japão deveriam ter preços alucinantes. Mas falamos outra vez da dívida, pode ser?
– Já te disse, não estou interessado.
– Muito bem, então ouve: o que os media afirmam é que se a dívida não for anulada as empresas humanas não conseguem ganhar e o País fecha. É falso. Aliás, é exactamente o contrário. Pensa nisso, Max, pensa no exemplo das gavetas.
– Ainda com a história das gavetas?
– Isso mesmo. Só que desta vez falamos de duas gavetas diferentes: a Gaveta A, onde há quem cria ou vende os produtos, e a Gaveta B, onde há quem produz o que a Gaveta A precisa para produzir. Na prática, a Gaveta B reúne os meios de produção. Estás a seguir-me?
– Não.
– Perfeito. Por exemplo, a Gaveta A cria ou vende os sapatos, a carne, os carros, o vinho, a roupa e , sobretudo, os croquetes para cães. A Gaveta B produz as máquinas que servem para confeccionar os sapatos, cortar a carne, trabalhar o aço dos carros, etc. Mas também oferece serviços dos quais a Gaveta A precisa, como os bancos, os seguros, a telefonia, as comunicações, etc. As Gavetas A e B utilizam trabalhadores que, obviamente, são pagos no final do mês.
Agora, pergunta: como faz a Gaveta A a obter lucros? Resposta: vende os próprios produtos. O que é correcto. Mas a quem? Aos próprios dependentes? Sim, mas não só. Se a Gaveta A vender os produtos apenas aos próprios trabalhadores, então isso significaria que os ordenados voltariam atrás e ponto final. Aliás, nem está correcto, pois não é que os trabalhadores gastem todo o ordenado na compra dos produtos da Gaveta A. Afinal a Gaveta A estaria a receber menos dinheiro daquele pago com os ordenados. Correcto?
– Boh…
– Exacto. Imagina: ordenados pagos = 100.000 Euros,  vendas = 80.000 Euros. Um péssimo negócio. Na
verdade, para que a Gaveta A acumule lucro, é preciso que os produtos sejam vendidos não apenas aos trabalhadores da Gaveta A. Então, a quem vender também? Força Max, esforça-te…
– Tá bom, tá bom…então é possível vender aos trabalhadores da Gaveta B, assim as empresas da Gaveta A conseguem lucros.
– E bravo o meu atrasado.
– Eh?
– Pensa nisso: se assim for, como faz a Gaveta B a obter lucros?
– Bom, as pessoas da Gaveta A compram também os produtos e os serviços da Gaveta B, é uma troca de favores…
– Nem pensar. Reflecte: quando a Gaveta B vender os seus produtos e serviços para a Gaveta A, o que acontece é que a Gaveta A compra da Gaveta B com os próprios lucros.
– Como assim?
– Mas é claro: uma empresa da Gaveta A que produz carros e deseja comprar uma máquina mais avançada, produzida na Gaveta B, terá que adquirir a máquina com os lucros das vendas dos carros, não é?
– Pode pedir um empréstimo…
– Sim, e a quem? Lembras que os bancos estão na Gaveta B também. E, seja como for, também os empréstimos são reembolsados com os lucros obtidos a partir das vendas. A Gaveta B vê o próprio dinheiro voltar atrás, nada mais do que isso.
– Isso é tudo muito complicado…
– Para ti sim, sem dúvida. Olha, o importante é perceber isso: na nossa sociedade a Gaveta B pode gerar lucros para a Gaveta A mas a Gaveta A não pode gerar lucros para a Gaveta B. É precisa uma outra gaveta. É por isso que antes tinha falado em duas gavetas, a Gaveta dos Privados e a Gaveta do Estado: porque na realidade as Gavetas A e B do nosso último exemplo não deixam de ser uma gaveta só, a Gaveta dos Privados. É o Estado, só ele que, numa sociedade como a nossa (e isso é importante, marca-te este ponto pois pode haver outros tipos de sociedades, que depois vai no blog a escrever disparates), dizia, é o Estado que pode criar lucro para a Gaveta dos Privados. De facto, com a despesa o Estado pode comprar os produtos e os serviços das nossas Gavetas A e B, e não tem problema em pagar os ordenados dos próprios trabalhadores. O Estado tem que existir, caso contrário a Gaveta B fica arruinada e com ela também a Gaveta A e, portanto, toda a Gaveta dos Privados.
– Quantas Gavetas…
– Pois. Fixa este ponto também: o Estado tem que comprar mais daquilo que tira com os impostos, por exemplo. Caso contrário, a Gaveta dos Privados não gera lucros. E sem lucros não há nada. “Comprar” é a maneira com a qual o Estado injecta dinheiro na Gaveta dos Privados. Tem que injectar mais dinheiro daquele que recebe com as taxas, os impostos, etc. Mas como faz o Estado a injectar mais dinheiro daquele que recebe?
– Pede um empréstimo?
– Não, tem apenas uma maneira: a dívida. O Estado tem que comprar mais de quanto recebe. Ao eliminar a dívida pública, eis que eliminamos a despesa do Estado. Sem a despesa do Estado não pode haver lucros na Gaveta dos Privados. Sem a despesa do Estado os cidadãos ficam mais pobres, toda a sociedade fica mais pobre. Quem na televisão e nos jornais afirmar o contrário, ou não percebe a economia ou quer arruinar a nossa sociedade. Quer esconder o Santo Graal. Não apenas a dívida pública é a riqueza dos cidadãos mas também representa a riqueza das empresas.
– Ehi, ehi, mas estás a dizer que os políticos mentem? Como te atreves?
– Não, não estou a dizer isso. Lembra que as classes dirigentes foram submetidas a décadas de lavagem cerebral. Estudaram todos com os mesmos livros, os políticos, os economistas, os que escrevem nos fóruns. Já te tinha dito: vais ver quem escreveu aqueles livros…o objectivo era matar a dívida pública para controlar cada vez mais a sociedade. E conseguiram. Percebeste?
– Mais ou menos…
– Atordoado…

Ipse dixit.

As coisas que este cão sabe… – Parte I
As coisas que este cão sabe… – Parte II
As coisas que este cão sabe… – Parte III
As coisas que este cão sabe… – Parte IV