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As coisas que este cão sabe… – Parte IV

– É isso que fizeram.
– Eh?
– É isso, olharam para trás: esta coisa do Estado que antes tem que poupar para só depois gastar.
– Ainda? Leo, basta com o assunto, sério, já ninguém acha graça. Todos estes pensamentos, acho podem fazer-te mal….deixa-me ver a televisão que começou “A Casa dos Segredos”, tá bom? Senta, toma, morde o meu chinelo, faz o cão normal.
– Ricardo.
– Não, aquele é Marco, o namorado da Susana, acho que vai ser expulso, os espectadores não gostam dele, é um rufia…
– Tinha sido David Ricardo a pensar nisso: o Estado tem antes de poupar e só depois gastar. E não só: deve sempre gastar menos de quanto consiga poupar.
– Não, basta…
– Só que Ricardo era um economista do 1800, percebes? Foram buscar um economista do 1800 para justificar esta teoria. Um fulano que considerava o Estado como uma família. Porque com uma família é assim: antes poupas para gastar depois, é normal. Mas o Estado não nasceu para ser uma “grande família”, o Estado tem outros fins: gerir a coisa publica, a Res Publica, fazer funcionar as empresas, criar emprego, serviços, importar, exportar…Pensa nisso Max: se o Estado poupar antes e gastar menos de quanto poupar, isso significa que injecta menos dinheiro na gaveta dos cidadãos. Segundo esta regra, tira 100 com impostos e cortes e depois põe 90, sempre assim. Pega numa calculadora: isso significa que em dez anos poupa 100 e nós perdemos 100. Grande negócio, não é?

– Sim, sim…
– E tudo isso é hoje “vendido” como grande virtude. “Temos que equilibrar entradas e saídas”, dizem. Chamam isso “surplus orçamental”. O Estado injecta cada vez menos dinheiro na gaveta dos privados, os privados têm cada vez menos dinheiro à disposição, mas entretanto o Estado continua a cortar e ficar com os impostos. Resultado: as contas bancárias ficam cada vez mais vazias, as pessoas gastam cada vez menos, então o Estado é obrigado a cortar ainda mais para “equilibrar”. Genial, sem dúvida…
– Ahahah, esta apresentadora é mesmo burra!
– Depois foram buscar outra: ao pagar demasiados ordenados, isso é, ao eliminar os desempregados, eis que chega a inflação porque há demasiado dinheiro em circulação e o preço da mercadoria aumenta. Esta tinha sido a ideia dum americano, Milton Friedman, nos anos ’60. E que significa isso? Significa: parem tudo, o Estado não pode gastar para criar plena ocupação, pois caso contrário a carne amanhã custará 1 milhão ao quilo! Mais uma vez: o Estado não pode gastar. Assim, dezenas de milhões de desempregados. A carne custa menos, segundo eles, porque há pessoas que não trabalham. Tudo, tudo o que disseram sempre teve o objectivo de evitar as despesas do Estado.
– Shhhh, que não oiço!
– Não satisfeitos, vão buscar outra: ao baixar os ordenados as empresas irão assumir mais pessoas. Mas para baixar os ordenados é preciso que antes o Estado baixe aqueles do sector público, caso contrário os trabalhadores privados ficam zangados. Esta tinha sido a ideia do inglês Cecil Pigou, no começo do Novecentos. Agora: ao baixar os ordenados, as pessoas gastam menos; ao gastarem menos, as empresas vendem menos e se venderem menos não apenas não assumem mas até despedem. Mas, ainda uma vez, sempre a mesma história: o Estado tem que gastar menos. Tudo foi feito com esta ideia. Mas tudo isso nem era suficiente, era preciso ir mais além. Assim foi inventado o Euro.
– …este Marco é mesmo um animal…
– Com o Euro, eis que a soberania monetária desaparece, como já tinha sido eliminada nos Estados Unidos com a Federal Reserve, que é privada. Com o Euro eis que aparecem também as leis para limitar a dívida, até alguém quer o Tribunal caso haja grandes dívidas. Percebes? Se o Estado gastar demais para o bem dos cidadãos, chega o Tribunal! Tinham pressa, muita pressa: até criaram antes a moeda do que o Estado, uma coisa nunca vista no História. Moral: o Santo Graal, a dívida ilimitada, morta, sepultada e até ilegal. Agora um Estado que gasta em favor dos cidadãos é uma vergonha nacional. Mas nós sabemos que se o Estado não gastar, nunca poderá haver plena ocupação, sistema de saúde para todos, reformas decentes para todos e as empresas não vão conseguir lucros suficientes. Vocês, os bípedes, vão continuar a ser pessoas inseguras, sempre com ansiedade, cada vez mais pobres e com uma democracia cada vez mais falsa. E alguém ganha com tudo isso. Nós agora sabemos tudo isso, não é Max?
-…epá, eu já não aturo esta Katia, que falsa, que coisa…o quê Leo?
– Nada, continua com a televisão…atordoado…

Ipse dixit.

As coisas que esta cão sabe… – Parte I
As coisas que esta cão sabe… – Parte II
As coisas que este cão sabe… – Parte III