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66 anos atrás

E falamos de quê?
Da revolta em Londres?
Da crise económica?

Não, é Verão, está um lindo dia de sol, aproveitamos para tratar dum assunto mais leve. Que tal Hiroshima e Nagasaki?

Hoje é o 66º aniversário da explosão atómica em Nagasaki, apenas três dias após o de Hiroshima. São datas importantes, por varias razões.
Assinalaram o fim da Segunda Guerra Mundial; inauguraram a “Era Atómica”; e, como último pormenor, marcaram a morte imediata de cerca de 220.000 pessoas, quase todos civis.

Obviamente, explicam os sagrados textos, foi um “mal necessário”. Era preciso obrigar o Japão à render-se, caso contrário a guerra poderia ter acabado só após longos meses.

Esta é a versão ocidental, pois no Japão as coisas são vistas de forma um pouco diferente: os bombardeios foram desnecessários, uma vez que a preparação para a rendição já estava em progresso em Tóquio.

Qual a verdade?

No verão de 1945, o Japão estava virtualmente derrotado, a sua Marinha no fundo do oceano, a força aérea limitada pela escassez de equipamentos e combustível, o exército sofria derrotas em todas as frentes e as cidades eram submetidas a bombardeios contra os quais não havia defesas.

Alemanha já estava fora do conflito, os Estados Unidos e o Reino Unido estavam prestes à usar todo o seu poder contra as remanescentes forças armadas japonesas. Enquanto isso, a União Soviética estava a preparar-se para atacar o continente asiático: o Exército Vermelho, depois de ter derrotado Hitler, estava pronto para atacar outro lado da fronteira da Manchúria.

Muito antes de Hiroshima e Nagasaki, os serviços de intelligence dos EUA tinham alertado que os Japoneses se renderiam imediatamente após a União Soviética entrar no conflito na Ásia: Tóquio estava consciente de que a guerra tinha chegado ao fim e que nunca poderia ter sustentado um conflito com duas frentes. Em 29 de Abril, um documento do Estado-Maior Geral da intelligence relatou:

Se num determinado momento a URSS tivesse que entrar em guerra, os Japoneses perceberiam que a derrota absoluta é inevitável.

Por essa razão, porque o envolvimento de Moscovo teria drasticamente encurtado a duração da guerra, mesmo antes da bomba atómica for testada com sucesso (16 de Julho de 1945), os EUA tinham repetidamente pedido à União Soviética porque se juntasse à luta o mais cedo possível após a derrota de Hitler.

Foi dado um prazo de três meses após a rendição da Alemanha, necessário para reorganizar e deslocar as tropas, do Exército Vermelho: tendo a guerra na Europa acabado no dia 8 de Maio, foi fixado o 8 de Agosto para a intervenção de Moscovo, sucessivamente mudado para o dia 15 do mesmo mês.

A entrada em guerra da Rússia era coisa certa: após a Conferência de Potsdam (17 de Julho – 02 de Agosto), o Presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, registou o seguinte no seu diário:

A União Soviética vai entrar no conflito no dia 15 de Agosto. Quando será, será o fim para os Japoneses.

No dia 18 de Julho, numa carta particular dirigida à esposa, o Presidente tinha escrito:

Consegui o que eu queria obter: Stalin entrará em guerra em 15 de Agosto […] Acho que é isso acabará coma guerra um mês mais cedo.

O Presidente tinha sido convidado por vários altos funcionários, entre os quais talvez o mais importante era Harry Stimson (Secretário da Guerra), o homem que supervisionou o desenvolvimento da bomba atómica, a garantir que o Imperador do Japão pudesse permanecer no poder, embora sem qualquer capacidade de decisão.

Era claro que a guerra teria acabado antes dum eventual uso da bomba.

E também não havia obstáculos insuperáveis na frente política: grandes jornais como o Washington Post, juntamente com alguns líderes do Partido Republicano (na altura a oposição), eram a favor de tal caminho.

E na área dos militares, estes queriam manter o Imperador no comando para que a autoridade dele pudesse facilitar a rendição e uma mais simples administração do Japão após o final do conflito.

Além de tudo isso, os serviços de intelligence dos EUA tinham decifrado os códigos dos Japonês e sabiam que os líderes do Japão estavam em desespero, contra todas as probabilidades, de poder ter um qualquer sucesso em alcançar um acordo com Moscovo na parte do mediador.

Resumindo: tudo fazia prever um iminente fim das hostilidade, com a entrada em acção do Exército Vermelho e a consequente imediata rendição do Japão.

A ideia de que uma avançada militar teria significado um banho de sangue é falsa, pois na verdade este não era um plano previsto (em qualquer caso, não antes de Novembro); e a guerra teria acabado no prazo de uma semana ou pouco mais, com a abertura da frente soviética.

Porque, então as bombas atómicas?

A evidência disponível sugere fortemente que as bombas foram utilizadas em parte porque os líderes dos EUA escolheram como fim da guerra não uma intervenção de Moscovo mas algo de muito mais espectacular Made in USA; coisa que, ao mesmo tempo, tinha o objectivo de impressionar a União Soviética. De facto, a Guerra Fria tinha começado.

Mas qual foi o efeito das primeira explosões nucleares contra cidades indefesas? Realmente isso acabou coma guerra?

A resposta é não.

Vale a pena lembrar que, depois ter falado falar em privado no dia 14 de Agosto com alguns oficiais superiores do exército, o Imperador do Japão declarou o seguinte:

A situação militar mudou de repente. A União Soviética entrou em guerra contra nós, os ataques suicidas não podem competir com o poder da ciência. Portanto, resta uma alternativa

E a declaração emitida pelo Imperador para garantir que as tropas abandonassem  as armas assim reza:

Agora que a União Soviética entrou em guerra, continuar nessas condições no interior e no exterior só levaria a danos desnecessários […] Vou procurar a paz.

A ideia de que as bombas atómicas salvaram um milhão de vidas é tão difundida que hoje bem poucos costumam duvidar disso.

Como dito, foi e ainda é considerado um “mal necessário”. Mas já na altura havia dúvida, entre civis e militares dos Estados Unidos.

O General Dwight D. Eisenhower, por exemplo, assim descreveu a própria reação quando o Secretário da Guerra, Stimson, relatou o uso da bomba atómica:

Enquanto ele estava a listar os factos relevantes, eu estava consciente de um sentimento de depressão e por isso manifesteis as minhas graves dúvidas, primeiro com base na minha crença de que o Japão já estava derrotado e que o lançamento da bomba era completamente desnecessário; depois porque pensei que o nosso País devia evitar um confronto com a opinião pública mundial acerca do uso duma arma cujo emprego já não era indispensável como forma de salvar vidas de Americanos.

Em outra declaração pública, o homem que em seguida chegou à presidência dos Estados Unidos foi mais direto:

Não era necessário ataca-los com essa coisa horrível.

Até mesmo o General Curtis LeMay, o “falcão” da aviação, sempre com um charuto na boca, ficou chocado. Pouco depois do ataque disse em público:

A guerra terminaria em duas semanas de qualquer maneira […] A bomba atómica não tinha absolutamente nada a ver com a guerra..

O Almirante Chester W. Nimitz, Comandante da Esquadra do Pacífico, fez a seguinte declaração:

Os Japoneses, na verdade, já tinham pedido a paz […] A bomba atómica não teve um papel decisivo, do ponto de vista estritamente militar, na derrota do Japão.

Importante sublinhar que pouco antes de sua morte, o General George C. Marshall defendeu a decisão de bombardear, mas os seus depoimentos gravados relatam que não foi uma decisão militar, mas sim política.
O que confirma, uma vez mais, que Hiroshima e Nagasaki forma um sinal cujos destinatários não eram os Japoneses.
Muito antes do uso das bombas, alguns documentos mostram que Marshall acreditava o seguinte:

Essas armas devem ser usadas em primeiro lugar contra alvos militares em sentido estrito, como uma grande instalação naval e, sem um resultado decisivo, então deveria se escolhida uma grande área, alertando as pessoas para sair, e dizendo aos Japoneses que é nossa intenção destruir aquelas áreas.

O que levanta outra vez a questão dos objectivos. Hiroshima e Nagasaki não eram alvos militares, mas exclusivamente civis, ao ponto de que até a altura tinham sido relativamente poupadas pelos bombardeios convencionais. Porque não foi escolhido um objectivo militar?

Muitos anos depois, o presidente Richard Nixon lembrou:

O General MacArthur uma vez falou-me muito claramente acerca disso, caminhando no seu apartamento em Waldorf. Julgava uma tragédia ter usado a bomba. MacArthur acreditava que deveriam ser aplicar as restrições às armas convencionais também no caso das nucleares e que o objetivo militar deve sempre implicar um dano limitado aos não-combatentes. […] MacArthur, é claro, era soldado. Acreditava no uso da força apenas contra objetivos militares, e por esta razão que toda a questão nuclear o enjoava.

Para concluir, eis a declaração de outro conservador, um homem que foi amigo de confiança do Presidente Truman, seu Chefe de Gabinete e Almirante cinco estrelas que participou nas reuniões dos Chefes de Gabinete dos EUA e do Reino Unido, William D. Leahy:

A utilização daquela arma bárbara contra Hiroshima e Nagasaki não forneceu qualquer ajuda material na nossa guerra contra o Japão. Os Japoneses já estavam derrotados e prontos a render-se. [….] Para terem sido os primeiros a usa-las, adoptámos os padrões éticos dos bárbaros da Idade Média. Não fui ensinado a lutar daquela maneira, as guerras não podem ser vencidas destruindo mulheres e crianças.

Até hoje os Estados Unidos forma o único País a utilizar armas atómicas.

Fonte: CounterPunch
Tradução e adaptação: Informação Incorrecta