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A morte do Euro, o coma do Dólar – Parte I

De vez em quando é bom fazer um ponto da situação.

Serve para reunir as ideias e também para pôr uma espécie de “ponto”. Claro, não vamos deixar de seguir os desenvolvimentos dos factos económicos europeus; mas não podemos passar a vida a repetir sempre as mesmas coisas.
O que aconteceu com a Irlanda seguiu o mesmo padrão da Grécia.
Para Portugal não será diferente.
Algo mais “divertido” acontecerá no caso da Espanha, mas por enquanto “há vida além dos Pigs”.

Vamos portanto fazer este resumo acerca do Euro mas não só.
O Dólar, por exemplo: que acontecerá com a moeda americana?
Reparem: estamos a falar das duas principais moedas do Mundo Ocidental.
Os problemas de uma afectam a vida da outra? E se sim, em que medida?

Para fazer o “ponto da situação” encontrei um artigo bem pensado que reflecte o ponto de vista de Informação Incorrecta. Não é a prova de pensar coisas justas, mas pelo menos uma pessoa pode consolar-se com atitudes do tipo “Bom, afinal não sou o único a ter estas ideias”.

No caso concreto, não somos poucos a pensar que a crise do Euro seja um point of no return (“Ponto de não regresso”, também título dum saudoso album dos Kansas), sobretudo se as Mentes Pensantes de Bruxelas não mudarem de atitude: por isso, partimos das observações de Gonçalo Lira e vamos fazer este ponto da situação. Com até algumas previsões, tipo a Monja de Dresden.

A Zona Euro está prestes a ruir e quem disser o contrário é apedrejado, trabalha em Bruxelas, ou não tem visto o mercado dos Títulos europeus nos últimos tempos: é um inferno lá.

E se o Parlamento irlandês decide não aprovar o plano de austeridade no dia 07 de Dezembro, ou seja, se decidir não aceitar a ajuda do Banco Central Europeu, em seguida será o inferno na Europa, justo em tempo para o Natal: Santa Claus e Satanás poderiam colidir na Rue Belliard mesmo antes do final do ano.

Então, não há esperança?
Eu acho que não.

A Zona Euro, assim como foi pensada, não pode funcionar: não é possível para 16 pessoas
diferentes vestir calças todas do mesmo tamanho. As calças neste caso são o Euro, claro.
Foi bom ao longo de alguns tempos (e “bom” até um certo ponto, como veremos), mas perante a primeira séria contrariedade, o castelo de papel pegou fogo. E ninguém sabe o que fazer.

Mas que acontecerá depois?

Primeiro, precisamos entender como chegámos a este ponto, para prever o que vai acontecer a seguir.

As repúblicas das bananas da Europa

Nos anos 70 e 80, várias repúblicas latino-americanas têm estupidamente atrelado a própria moeda ao Dólar dos EUA.

Foi uma maravilha, no início. No início, estes “peixes pequenos” beneficiaram da taxa de câmbio fixa para empréstimos em Dólares, e para gastar muito.

E tudo acabou em lágrimas, óbvio, quando a conta chegou. Chile, Argentina, Peru, Uruguai, todos em diversas ocasiões, tiveram a sua moeda atrelada ao Dólar. E em cada uma dessas situações, uma vez que a paridade cambial se tornou insustentável, as economias entraram em colapso.

E isso é exactamente o que fizeram as economias menores da Europa: ao pensar acerca do Euro como uma ligação monetária muito complexa, então a crise de solvência que estamos a observar era inevitável.

As calças, tal como afirmado. Com o resultado dos Países mais fracos se terem endividado de maneira absurda e irrecuperável.

A gangrena



O que os Europeus estão a  fazer? Tentam salvar os membros gangrenados e não o paciente.

Quando as economias latino-americanas entenderam, com maus modos, que a paridade cambial com o Dólar era insustentável, esses Países desvalorizaram a moeda local e começaram a reconstruir as próprias economias.

Desvalorizar a moeda. Tal como fez a Islândia. Com sucesso.

E quem tinha Títulos de Estado ou outras obrigações? Viu as margens de lucro serem reduzidas. E, em alguns casos, perdeu tudo.

Há maneira para evitar isso.
A atitude mais lógica seria uma reestruturação da dívida: dizer aos credores “Meus senhores, o dinheiro acabou, temos que rever as condições dos empréstimos, temos que falar acerca dos juros. Caso contrário, já não há dinheiro para ninguém”.

Qualquer credor, perante a possibilidade de perder tudo, aceita um diálogo.
Mas para que possa existir um diálogo, é preciso criar as condições para que isso aconteça.

O que tem feito o BCE perante o fracasso das economias da Grécia e da Irlanda? Tentou apoia-las com  “resgates”, mas mantendo tais economias ligadas ao Euro.

O que são os resgates? Bem, são empréstimos. Em outras palavras, esses  Euro-idiotas emprestam dinheiro para que estas economias frágeis possam pagar empréstimos já obtidos. Os Euro-parasitas de Bruxelas não permitem que Grécia e Irlanda fiquem insolventes e reestruturem a dívida. Insistem em salva-los e na imposição de medidas de austeridade, sem forçar os obrigacionistas a fazer concessões sobre o valor de mercado das obrigações.

A União Europeia escolheu outra estrada: todo o onere da dívida é para o País em crise, os credores são sagrados.

Assim, enquanto as economias da Grécia e da Irlanda continuarão a deteriorar-se, têm uma moeda muito forte para as suas economias, e são forçados a pagar juros sobre empréstimos que não podem pagar de forma realista.

Os efeitos são evidentes:

O resgate da Grécia, na primavera passada, que deveria ter sido pago até 2015, foi prorrogado até 2017. E os observadores da situação irlandesa percebem que, com uma ajuda que custa 85 mil milhões de Euros com uma taxa de 5,8% de juros, não há nenhuma maneira para a Irlanda alguma vez sair da dívida. Grécia e Irlanda serão escravas da dívida para sempre, mesmo quando o peso esmagador do Euro destruir as suas economias.

Enquanto isso, os mercados já perceberam que o resgate  da Grécia e da Irlanda apenas adia o problema. Assim, os mercados “pulam” simplesmente para o próximo ponto de crise: Espanha. 

Os mercados, afinal, são conjuntos de investidores. E cada investidor vai para onde é possível ter margens de lucro maiores.

Pigs alimentam Pigs



No caso da Europa, os investidores conseguem fazer bons negócios com os Pigs. Porquê?

Porque sabem que uma vez resolvida a questão num País (Grécia e Irlanda, até agora), é possível pressionar a próxima vítima.
Os juros sobem e isso significa mais ganhos.
Riscos? Sim, existem: mas até quando existir uma União Europeia que empresta dinheiro para pagar as dívidas, os riscos são tudo somado reduzidos.

É paradoxal, mas é o resgate que cria  a situação a seguir.
Se um País ficasse insolvente, então os mercados pensariam duas vezes antes de procurar a próxima vítima. 

Considerado Portugal como um assunto arrumado ( o resgate será formalizado em breve), o próximo alvo será a Espanha.

Madrid é o campo de batalha onde será jogado o futuro do Euro. E, talvez, da inteira União.

E que irá acontecer?

As duas possibilidades

Há duas possibilidades.

A primeira é que os Euro-incapazes de Bruxelas tentem fazer com Espanha o que já fizeram com Grécia, Irlanda e Portugal: incompetência pura, isso é, apoiar a dívida soberana com mais empréstimos e sacrifícios para os cidadãos. .
Os mercados percebem o bluff e saltam para o próximo alvo: Italia ou França, sem esquecer a Bélgica.

Logo, o caos.
A Alemanha vai pela sua estrada, o Euro fica abandonado, os Países voltam para as antigas moedas.

Dito assim até parece simples, mas tentem imaginar o inferno que isso significaria: a economia dum inteiro continente de avesso, sem bases e sem horizonte à vista.

Este é o pior cenário.

A segunda possibilidade, que já deveria ter sido aplicada a partir da Grécia, é deixar que os Estados saiam da Zona Euro.

Esta parece a única coisa com jeito que poderia ser feita. As economias frágeis e insolventes (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Italia e Bélgica, não a França possivelmente, por razoes politicas) fora do Euro, voltam às moedas locais e reestruturam a dívida.

Para parar a gangrena, é preciso amputar o membro. Para parar o que está a acontecer na Zona Euro? Mesma coisa.

Se permitimos que a gangrena se espalhe, se a União Europeia e o BCE insistirem nos resgates e para que todas as economias permaneçam no Euro, então a união monetária europeia não tem esperança, bem como a própria União Europeia.

Portanto, as nações fracas devem sair da Zona Euro para salvar as economias mais fortes e prósperas.

Mas com aqueles idiotas de Bruxelas, nunca se sabe.

A propósito: bem poucos sabem disso, mas o Tratado de Lisboa não permite abandonar o Euro sem abandonar ao mesmo tempo a União Europeia.
E nenhum membro do Euro e da União Europeia pode ser afastado.
O Tratado de Lisboa, o mesmo que ninguém votou mas que mesmo assim entrou em vigor, de facto “blindou” a Zona Euro e a União.

Genial.

E aqui acaba a primeira parte.
O Dólar? Na segunda. Em breve.

Ipse dixit.

Fonte: Gonzalo Lira