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Novo Start e velha política de potência

A Agência Lusa de hoje difunde a notícia:

Os presidentes dos EUA, Barack Obama, e Rússia, Dmitri Medvedev, assinaram o novo tratado que prevê a redução considerável dos arsenais nucleares.

Parece uma boa notícia.
E que significa “considerável”?

É o diário Público que explica:

Moscovo e Washington vão comprometer-se a diminuir, cada um, para 1550 as ogivas nucleares estratégicas operacionais que possuem dentro de sete anos após a entrada em vigor do novo pacto. Na prática, e admitindo que as legislaturas dos dois países – a Duma russa e o Senado norte-americano – ratificam o tratado até ao final do ano, as novas limitações devem ser cumpridas até 2017.

Esta redução de ogivas operacionais representa uma baixa em 30 por cento do limite de 2200 (até 2012) instado nas três paginas do Tratado de Redução de Armas Estratégicas Ofensivas (SORT, ou Tratado de Moscovo, de 2002). Este, à data, constituiu um avanço considerável em relação ao máximo de 6000 ogivas fixado nas mais de 700 páginas do START-1 e do START-2 (o último contendo provisões adoptadas em 1993 para reflectir a nova realidade pós-colapso da União Soviética).

Enfim, parece mesmo uma boa notícia. A não ser que algo tenha sido omitido…mas será?
Vamos ler o que conta a página de Rete Voltaire que intitula:”Novo Start e velha política de potência

Com o novo tratado Start, que será assinado no dia 8 de Abril (e que foi assinado hoje, de facto, NDT) em Praga, Estados Unidos e Rússia, as duas maiores potências nucleares, lançam uma “clara mensagem“: querem conduzir a luta contra a proliferação das armas atómicas A afirma-lo foi o presidente Barak Obama o qual, após assinatura do acordo, no dia 12 de Abril abrirá o summit da ONU. Aqui, diz uma porta-voz da Casa Branca, Obama “poderá exibir factos e não só palavras“.

E quais os factos?

Segundo o Bulletin of the Atomic Scientists, os EUA têm 5.200 armas nucleares operativas, isso é, sempre utilizáveis; a Rússia 4.850. Além destas, as duas potências estão na posse de 12.350 armas não operativas (mas ainda não desmanteladas). O novo Start não limita o número das armas nucleares operativas mantidas nos arsenais. Estabelece só um limite para as armas “prontas para o lançamento”, instaladas em vectores estratégicos com alcance superior aos 5.500 km: mísseis intercontinentais com base em terra, mísseis balísticos lançados pelo submarinos ou bombardeiros.

Mas enquanto os mísseis são contados de forma individual, cada bombardeiro é contado como um míssil embora possa transportar mais armas atómicas ao mesmo tempo. Um B-52, lembrava ontem o New York Times, leva 14 cruise missiles e 6 bombas nucleares.

E como actualmente os EUA têm cerca de 1.762 bombas nucleares em 798 vectores e a Rússia 1.741 em 566 vectores:

o novo Start permite a cada uma das partes manter 1.550 bombas prontas para o lançamento, um número de pouco inferior (10%) ao actual.

Feitas as contas, com o novo Start a cada momento teremos “só” 3.100 bombas nucleares prontas para ser lançadas. O suficiente para apagar todas as formas de vida do planeta.

E já aqui seria possível opinar acerca da bondade do acordo…

Que “esquece” outras questões que nós julgamos terem uma certa relevância. Por exemplo, não se fala da qualidade das novas armas. E não é um pormenor, pois nos EUA já há quem empurre para um desenvolvimento de novas tecnologias nucleares.

O Projecto X-51 da Boeing. 
É capaz de atingir qualquer ponto do planeta em menos de uma hora. 
O Pentágono quer investir 500 milhões de dólares para verificar as prestações 
antes da verdadeira encomenda.

E que dizer do escudo anti-míssil? Também este ficou de fora. 

O general russo Nikolai Makarov advertiu nestes dias que se os EUA continuarem no desenvolvimento do escudo isso levará até uma nova fase de corridas aos armamentos, prejudicando a essência do tratado acerca da redução das armas nucleares. Entretanto Moscovo está a mexer-se: em Maio será estreado o novo submarino Yasen com propulsão nuclear e 24 mísseis de longo alcance, entre os quais pode haver espaço para os nucleares. 

O Projecto 885, ou Yasen, é um submarino de ataque,
particularmente apto a intervenções perto da costa.

Resumindo: no mundo existem 23.000 armas nucleares conhecidas (não se conhecem os números de Israel, por exemplo), suficientes para destruir a vida do planeta várias vezes. Em Praga  foi decidido desmantelar uma pequena percentagem de tudo isso. Claro, o simbolismo tem a própria importância e, do ponto de vista numérico, é também verdade que estamos perante um passo em frente quando olharmos para o anterior Start.

Todavia não podemos não realçar a atitude dos media que ficam em silêncio perante os verdadeiros números do acordo, atribuindo ao tratado de Praga um ressonância desproporcionada quando comparada com a realidade dos factos.  E não podemos esquecer que a questão do nuclear (que não é de forma nenhuma o único problema entre as duas potências: ver o anterior post) está bem longe de ser resolvida.

Ipse dixit.