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As exportações da Rússia: gás e cereais (Updated)

Vamos fechar o discurso acerca do gás? E vamos, acrescentando também algo acerca de trigo e fertilizantes, porque a Rússia é um dos principais produtores e exportadores de ambos.

O gás

Acerca do gás: um muito bom artigo de Al Jazeera, cujo título (“Quanto do gás do seu País vem da Rússia?“) não diz tudo. É mais abrangente.

Por exemplo: como é que se forma o gás e donde é extraído? O gás natural é utilizado no transporte, para gerar electricidade e no aquecimento doméstico, bem como no sector industrial para produzir, entre outras coisas, matérias-primas como vidro, plástico e tintas. O gráfico de Al Jazeera (que teve o bom gosto de publicar a inforgrafia com licença Creative Commons modificável) explica em primeiro lugar donde é que sai o gás natural.

Fonte original: Al Jazeera

Inodoro e incolor, o gás natural tem sido formado ao longo de milhões de anos a partir de organismos decompostos, lodo e areia, que são depois expostos ao calor e à pressão sob a superfície da terra. O metano, o principal componente do gás natural, também contém quantidades menores de líquidos e outros gases naturais, tais como dióxido de carbono e vapor de água.

O gás é extraído por perfuração vertical ou horizontal do solo, permitindo que o gás se eleve através de poços até à superfície. Dos poços, o gás natural é então enviado para instalações de processamento onde o vapor de água e os compostos não hidrocarbónicos são removidos e o LNG (líquidos de gás natural) é separado. É depois distribuído aos consumidores através de uma rede de condutas.

Como sabemos, os Estados Unidos proibiram as importações de petróleo e gás e o Reino Unido está a eliminar gradualmente as importações de petróleo como parte de uma série de sanções ocidentais destinadas a cortar as artérias financeiras da Rússia. A União Europeia, entretanto, disse que vai tomar medidas para acabar com a sua dependência do gás russo.

Em 2020, o mundo consumiu 3.822,8 bilhões de metros cúbicos (bcm) de gás natural, de acordo com a BP Statistical Review of World Energy 2021. Só os Estados Unidos representavam mais de 20% (832 bcm) do consumo mundial anual de gás, seguidos da Rússia (411,4 bcm) e da China (330,6 bcm).

A Rússia possui as maiores reservas de gás natural, seguida pelo Irão e pelo Qatar. Em conjunto, os três Países representavam metade das reservas mundiais de gás natural em 2020. Mais no detalhe, a Rússia tem reservas comprovadas de cerca 48,938 bcm, o Irão 34,077 bcm e o Qatar 23,831 bcm.

Quais são os Países que exportam mais gás natural?

Fonte original: Al Jazeera

Ao contrário da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), não existe uma organização multinacional dos grandes exportadores de gás que regule o abastecimento para equilibrar o mercado. Contudo, o Fórum dos Países Exportadores de Gás (GECF) existe como uma organização de 11 membros que inclui a Argélia, Bolívia, Egipto, Guiné Equatorial, Irão, Líbia, Nigéria, Qatar, Rússia, Trinidade Tobago e Venezuela.

Neste contexto Angola, Azerbaijão, Iraque, Malásia, Moçambique, Noruega, Peru e os Emirados Árabes Unidos têm estatuto de observadores. O consórcio representa 71% das reservas mundiais de gás natural. Portanto, não uma verdadeira OPEP mas quase.

Fonte original: Al Jazeera

Mais de 80% das exportações globais de gás estão ligadas a 10 grandes produtores. Em 2020, os 10 maiores exportadores de gás do mundo eram:

  1. Rússia (199.928 mcm)
  2. Estados Unidos (149.538 mcm)
  3. Qatar (143.700 mcm)
  4. Noruega (112.951 mcm)
  5. Austrália (102.562 mcm)
  6. Canadá (70.932 mcm)
  7. Alemanha (50.092 mcm)
  8. Países Baixos (39.976 mcm)
  9. Argélia (34.459 mcm)
  10. Nigéria (35.586 mcm).

Já em 2019 os maiores exportadores mundiais de gás natural tinham sido a Austrália (34 biliões de Dólares), o Qatar (27.5 biliões), a Rússia (24.5 biliões), a Noruega (21 biliões) e os EUA (16 biliões).

Que Países importam directamente mais gás natural russo? O gráfico abaixo mostra quanto do total das importações de gás natural de cada País veio directamente da Rússia em 2019. Atenção: esta tabela refere-se exclusivamente ao gás natural liquefeito, não incluindo as importações daquele gasoso!

Fonte original: Al Jazeera

Pelo menos 37 Países importaram directamente gás russo em 2019. Os Países que importam directamente a maior parte do gás natural gasoso da Rússia incluem: Bielorrússia, Bósnia e Herzegovina, Noruega e Sérvia, cada uma das quais importa cerca de 99 por cento do seu gás natural a partir da Rússia.

Nesta outra tabela, podemos ver quais Países europeus importam mais gás russo (percentagem de gás, seja no estado líquido seja no gasoso, consumido no País):

 

Fonte original: Al Jazeera

Depois dos Estados Unidos, a Rússia tem a segunda maior infra-estrutura de transporte de gás do mundo, com um comprimento total de quase 100.000 km (62.137 milhas).

Em 2021, de acordo com a AIE, as importações europeias de gás da Rússia excederam 380 milhões de metros cúbicos (mcm) por dia através de gasodutos, totalizando cerca de 140 bcm/ano. Outros 15 bcm foram entregues sob forma de gás natural liquefeito (LNG). A Rússia é responsável por cerca de 45% das importações de gás da UE e 40% do seu consumo total de gás.

A UE anunciou uma estratégia para reduzir a sua dependência do gás russo em dois terços até ao final de 2022. O plano REPowerEU visa encontrar fontes alternativas de gás e fontes de energia mais “verdes”.

Os cereais

O homem não vive só de pão, mas não se pode negar que este é um componente importante da dieta de bilhões de pessoas.

Vejamos de perto o gráfico abaixo e vamos fazer as contas.

A Rússia e a Ucrânia representam em conjunto 33% de todas as exportações de trigo entre os dez principais Países exportadores. A Rússia exporta mais do que os Estados Unidos. Pensamos nisso por um momento: é muito provável que a invasão russa da Ucrânia tenha consequências graves para a agricultura e as colheitas. A Rússia também será impedida, pelo menos em teoria, de aceitar Dólares americanos para as suas exportações de cereais.

Fonte: Statista

A 9 de Março, o Presidente Putin assinou um despacho com o qual proibiu a exportação de certos bens e matérias primas: embora o trigo não seja especificamente mencionado neste despacho, todos os comerciantes que tenham comprado cereais da Rússia no passado terão de considerar cuidadosamente se poderão voltar a comprar cereais russos agora.

Há dois possíveis cenários: um mau, o outro também. Primeiro, devido à guerra, a Ucrânia não poderá plantar, portanto vai ficar sem colheita e sem exportação. Segundo, a Rússia manterá todo o seu trigo em casa, para que os seus cidadãos tenham o suficiente para comer. Isto significa que as partes do mundo que dependiam da Rússia como fornecedor terão de encontrar fontes alternativas e terão de pagar preços substancialmente mais elevados (se conseguirem encontrar outro País que possa satisfazer a procura). Difícil que na Europa falte pão? Sim, é difícil. E, de facto, os maiores problemas são esperados em outros lugares: pensamos nos Países mais pobres, aqueles do Terceiro Mundo pro exemplo, que depende da “generosidade” alimentar dos mais ricos. É claro que os mais ricos irão antes satisfazer a procura interna dos Países deles e só em segundo lugar (se algo sobrar) pensarão nas necessidades dos mais desfavorecidos.

Mas isto é apenas o início da catástrofe agrícola que paira sobre o mundo anti-russo. Uma palavra: potassa. A potassa é um ingrediente-chave na produção de fertilizantes: trata-se dum conjunto de diversos sais minerais, extraídos da natureza ou produzidos artificialmente, que contêm potássio (cloreto de potássio é um dos principais) na sua composição, em forma solúvel em água. O cloreto de potássio corrige a deficiência de potássio no terreno: como mineral natural, o potássio é um nutriente importante que melhora a retenção de água, a resistência às doenças e a produtividade geral das culturas.

Por isso, vejamos com atenção a tabela abaixo:

Fonte: WorldAtlas

Rússia e a Bielorrússia representam em conjunto 37% dos dez maiores produtores mundiais de potassa. A Bielorrússia foi sancionada e o seu fornecimento de potassa não estará disponível para o resto da comunidade internacional. Com a adição da Rússia, o mundo enfrenta agora um enorme défice de fertilizantes agrícolas.: e o preço dos fertilizantes já duplicou desde há um ano. Isto significa que os agricultores do Midwest norteamericanos que planeiam plantar trigo, milho e soja pagarão o dobro do preço do fertilizante.

E isso não é tudo. O preço do gasóleo, o combustível que mantém em funcionamento as máquinas agrícolas, também aumentou de forma significativa. Tudo isso vai incidir no preço final dos cereais.

Quando se trata de petróleo, cereais e potassa, a Rússia tem muitos trunfos que podem ser usados para prejudicar o Ocidente e os seus aliados. Talvez seria melhor parar com a propaganda e apresentar aos cidadãos as implicações dum futuro que se aproxima rapidamente: um futuro em que importantes exportações russas, ucranianas e bielorrussas deixarão de estar disponíveis. Menos gás, menos petróleo, menos cereais: se não entendemos a importância disso, então é porque vivemos num outro planeta, não neste. Ajudamos os pobres ucranianos? Sim, sem dúvida: mas começamos também a perguntar quem será a ajudar a nós.

Tudo isso sem esquecer a inflacção: desenfreada e vertiginosa, será um motivo de autêntico divertimento ao longo do próximo futuro.

 

Ipse dixit.