Apocalipse à ucraniana

Na transmissão Otto e mezzo de ontem (canal televisivo italiano La7), houve um momento, que durou muito, durante o qual os presentes finalmente aperceberam-se. Aperceberam-se de que algo estava errado com a narrativa da guerra na Ucrânia. Foi possível ver o gelo nos rostos dos jornalistas e até a condutora Lilli Gruber, já hospede nas reuniões do Bilderberg, pareceu como “bloqueada” antes de retomar o fio da conversa com habilidade e perícia.

Convidada na transmissão via Skype era Iryna Vereshchuk, vice-Primeiro Ministro da Ucrânia. Na sua uniforme verde, falava em nome do governo ucraniano. E foi extremamente clara:

  1. o governo ucraniano sabe qual é a verdade e tem a coragem de a dizer;
  2. existe apenas uma verdade;
  3. o Presidente é o povo, o povo reconhece-se no Presidente;
  4. a Ucrânia pede uma imediata no fly zone acima das centrais nucleares;
  5. a Ucrânia pede a intervenção militar dos EUA no terreno;
  6. a Ucrânia pede garantias internacionais ocidentais, dadas pelos EUA e pelo Reino Unido, para o período pós-guerra;
  7. a Ucrânia pede que Crimeia e Donbass regressem à Ucrânia, após um período de controlo internacional;
  8. nem o reconhecimento das Repúblicas do Donbass, nem da Crimeia e nem a neutralidade da Ucrânia podem constituir uma base para as negociações com a Rússia.

Massimo Giannini, jornalista de La Stampa, realçou como com estas premissas nunca poderia haver qualquer negociação com a Rússia. A resposta da Vereshchuk foi que o Ocidente deve agora assumir as responsabilidades que não assumiu no passado.

Lucio Caracciolo, director da revista de geopolítica Limes, salientou que esta base de negociações poderia ter sido boa em 2014, mas certamente não agora, com a actual situação política e militar; e que uma negociação realista só poderia ter como ponto de partida as condições até 23 de Fevereiro, uma vez que os EUA nunca irão intervir na Ucrânia num confronto militar directo, pois isso significaria a eclosão de um conflito mundial. A resposta da Vereshchukfoi foi que a Rússia tem de ser detida agora, na Ucrânia, porque o conflito vai acontecer de qualquer maneira.

Perante a pergunta da Gruber acerca das baixas em Donetsk e a responsabilidade pelo massacre (provavelmente o míssil foi disparado pelos ucranianos, mas é impossível ter a certeza nas actuais condições), a resposta foi que os russos estão a disparar contra os civis para culpar os ucranianos. Os ucranianos, acrescentou a Vereshchuk, são crentes e são a favor do amor.

Ficou claro, também aos pasmados jornalistas da transmissão, que o governo de Volodymyr Zelensky representa actualmente o segundo maior perigo da Ucrânia, após os invasores russos. Quando até uma política considerada “moderada” qual é a Vereshchuk cai na moldura psicológica da mística do sacrifício supremo, não pode haver espaço para uma solução. Porque não se trata apenas do sacrifício em defesa do seu próprio País, o que seria algo perfeitamente legítimo e digno de louvor: esta é uma atitude que prevê o sacrifício final, de todos, em nome do triunfo duma suposta “verdade”. Se a Ucrânia ganhar, a “verdade” ganhará; se a Ucrânia perder, será o Apocalipse global. Um preço justo e não assustador aos olhos do vice-Primeiro Ministro ucraniano.

Ficam assim explicadas as declarações cada vez mais incendiárias de Zelensky, alguém cuja missão não é e nunca foi a defesa dos seus concidadãos. Simples executor de ordens, Zelensky tem a única tarefa de manter elevada a tensão na Ucrânia em nome de interesses que não são aqueles dos ucranianos: nem uma palavra que pudesse minimamente baixar o nível de fricção foi gasta nestas semanas por parte de Zelensky, porque este quer que a fricção atinja os patamares máximos.

Nada disso pode servir como justificação da invasão russa. Moscovo escolheu deliberadamente o ataque militar, decidiu conscientemente precipitar a Ucrânia numa espiral de violência e sofrimento. Então, a (limitada) reacção militar ucraniana tem toda a legitimidade, mesmo que os defensores sejam neonazistas da pior espécie: gostemos ou não, foram atacados e invadidos, não há maneira de negar isso. Têm o mesmo direito à auto-defesa que assiste qualquer País invadido.

Mas é altura de reconhecer em Volodymyr Zelensky a segunda maior ameaça para o povo ucraniano. E tem de ser posto numa condição em que não possa continuar a causar danos ao seu povo.

 

Ipse dixit.

6 Replies to “Apocalipse à ucraniana”

  1. Max, A Rússia vai criar as condições para que tal aconteça.
    Cada dia que passa tenho menos dúvidas disso.

    Se esta senhora é considerada uma política moderada na Ucrânia, eu imagino os fanáticos.
    Como dialogar com tal gente?
    Como chegar a acordo com estas pessoas?
    De forma razoável não vai ser e o resultado é o que está a acontecer.

    É lamentável, é uma tristeza.

  2. A Europa “cristã” (melhor seria dos “povos do livro”) sempre se notabilizou pelo espírito fanático religioso, sentimento oriundo do oriente próximo através da lógica belicista que movia muitas das cidades-estados formadas por colonos anatólicos-levantinos na região da Antiga Grécia. Não sem razão que as principais dinastias “reais” (conjugação de elites mercantis orientais e guerreiras nórdicas) na Europa adotaram predadores (leão, águia, dragão…) como símbolos e compuseram em seus estandartes a cor vermelha, representando o sangue do seu pseudo-heroísmo… tudo muito doentio mas cuja propaganda tratou, de ao longo do tempo, de naturalizar e de ser motivo de orgulho…

  3. O meu comentário não está relacionado com a publicação, mas por acaso alguma alma caridosa conhece algum navegador e motor de busca que não se envolva em política, censura, e actividades anti-Rússia, anti-China. etc.?

    Até os artigos publicados pelo Global Research estão a ser censurados.

    Já experimentei o Yandex mas precisa de simplificar-se melhorar bastante.

    1. Testa o Brave, tenho tido boas referências e resultados.
      Dá tb uma olhada no Mojeek.

      NOTA: Desaconselho fortemente a utilização das atuais versões do navegador Firefox (9x ESR).
      Na melhor das hipóteses, usem a 78 ESR.

  4. Olá Max e todos: Então:;
    Os EUA precisam de guerra. Foram as guerras que os tornaram poderosos e temidos. A Ucrânia não é a melhor das guerras para o Pentâgono porque terão de se ver com a Rússia e, quem sabe com a China. Mas em todo caso não deixa de ser guerra
    Portanto é uma incógnita.
    A Ucrânia, diga-se seus atuais pseudo mandantes, enquanto houver guerra, eles se mantém no poder, e isso é bom para eles pois continuam a pseudo governança. Para os EUA é maravilhoso alimentar uma guerra que não os envolveu diretamente até agora, pois vendem armamento, e mandam num país que não é necessário ser da OTAN para governarem
    A Rússia quer acabar com a guerra o mais brevemente possível, pois a guerra só lhe traz prejuízo, mas também quer obter os objetivos pelos quais entrou na guerra.
    A China está num céu de brigadeiro, com a Rússia dela dependendo, e tornando-se ainda mais forte. É isso que os EUA não gostam, e continuam pensando: será que vai, será que não vai?!
    E aquele multimilionário russo, dono de quase tudo na Ucrânia, também mandando em Zelensky, aquele companheiro da Família Baiden nos negócios, continua no silêncio, fazendo as contas de como sairá lucrando mais, avaliando se deve agir ou deve esperar e, como acontece com os multimilionários que são inteligentes o suficiente para não virarem capa de revista, continua observando e contando…e possivelmente rindo.

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