O nosso Dia da Memória

Sim, a guerra, a ex-“pandemia” e o resto todo. Mas o blogueiro decidiu que hoje tinha que ser o Dia da Memória. Não “aquele” Dia da Memória, mas o nosso.

Tem o blogueiro o direito de estabelecer hoje qual Dia da Memória? Sim, tem: como Ministro regularmente ordenado da Universal Life Church, o blogueiro pode tudo, não tem limites. Pelo que: voltamos atrás, um ano, um pouco mais. Só para perceber qual a nossa condição, só para lembrar.

Alemanha, cidade de Frankfurt, a sede do Banco Central Europeu. Christine Lagarde é a Presidente do Banco Central Europeu (BCE): responde às perguntas dum europarlamentar italiano. Vamos ler na integra a notícia da agência Reuters:

O Banco Central Europeu “não poderia ir à falência nem ficar sem dinheiro”, mesmo que sofresse perdas multi-bilionárias das obrigações que comprou como parte dos seus programas de estímulo.

“Como único emissor da moeda do banco central denominada em Euros, o Eurosistema será sempre capaz de gerar liquidez adicional se necessário”, disse Lagarde em resposta a uma pergunta de um membro italiano do Parlamento Europeu.

“Portanto, por definição, não irá à falência nem ficará sem dinheiro. Além disso, qualquer perda financeira, caso ocorresse, não comprometeria a nossa capacidade de procurar e manter a estabilidade dos preços”.

Em resposta a uma pergunta, Lagarde acrescentou que não existe base legal para o BCE anular a dívida pública que possui.

Meus senhores, esta é a Bíblia . São as frases mais importantes pronunciadas nas últimas décadas (e estou a ser contido) e deveriam ser repetidas dias após dias em todos os diários e televisões, logo antes do telejornal e do Big Brother. Naquelas palavras está todo o significado do poder monetário e da escravatura à qual estamos submetidos: não é preciso pesquisar mais, está tudo aí.

Nunca sem dinheiro

O Banco Central Europeu “não poderia ir à falência nem ficar sem dinheiro”, mesmo que sofresse perdas multi-bilionárias das obrigações que comprou como parte dos seus programas de estímulo”.

A frase é tão clara, precisa e devastadora que poderíamos parar aqui. “O dinheiro é limitado”, “podemos ficar sem dinheiro”, “vivemos para além das nossas possibilidades”, “a dívida que contraímos terá de ser paga pelos nossos filhos”… Christine Lagarde explica de forma cândida: o BCE pode imprimir todo o dinheiro do qual precisa. Tem só que ligar as  impressoras.

Sempre que há necessidade de construir um hospital, de contratar enfermeiros e médicos, de gastar na educação dos jovens, de construir uma estrada ou uma ponte ou até de baixar as taxas… a resposta que nos é sempre dada é: “não há dinheiro”. O que é falso: há dinheiro, sempre.

É por esta razão que o BCE nunca poderá ir à falência, mesmo que sofresse prejuízos astronómicos, mesmo que não fossem pagas todas as obrigações (os Títulos do Estado) que comprou. Não existe uma lacuna contabilística que em Frankfurt que não possam cobrir. No âmbito dos programas de refinanciamento para o mundo bancário (os chamados LTRO e TLTRO, reforçado durante o período pandémico), o BCE decidiu aceitar como garantia activos com uma notação junk, “lixo”. Ou seja, todos activos que têm uma muito elevada probabilidade de verem o seu valor reduzido. O BCE pode fazer isso, com pleno consciência de que nenhum dano financeiro seria causado em Frankfurt, mesmo que estes Títulos reduzissem o seu valor para zero.

Há dinheiro, e é infinito diz Christine Legarde. Custa acreditar nisso? Claro que custa: porque contraria toda a narrativa à qual estamos habituados, submetidos desde sempre. Mas não esquecemos que esta não é uma teoria nascida entre um grupo de bloguerios delirantes pois há economistas que tratam do assunto desde o começo do XIX século: a iniciar pela Teoria Cartalista (Georg Friedrich Knapp, A Teoria Estadual do Dinheiro, 1905), passando por John Maynard Keyne para chegar até Warren Mosler com a sua Modern Money Theory.

Monopólio

Como único emissor de moeda do banco central denominada em Euros, o Eurosistema poderá sempre gerar liquidez adicional, se necessário.

Neste parágrafo, a Lagarde deixa claro que o BCE é o único emissor de dinheiro denominado em Euros. Por outras palavras, emite moeda num regime de monopólio.

Qualquer pessoa que se tenha sequer ligeiramente aproximado da Modern Money Theory sabe muito bem o que significa ser um monopolista do dinheiro: significa que qualquer pessoa (ou instituição ou Estado) que precise dessa moeda terá de recorrer exclusivamente ao monopolista, nesta caso o BCE, que, como acrescenta Lagarde, é sempre capaz de criar liquidez adicional se necessário.

Lagarde fala de “Eurosistema”, ou seja, o conjunto de Bancos Centrais da área do Euro responsável pela implementação da política monetária única e que inclui o Banco Central Europeu e os Bancos Centrais nacionais dos Países da UE que adoptam o Euro. O problema, porém, é que, através da imposição dos vários tratados, o Eurosistema foi tornado completamente independente dos governos dos Estados-Membros, pelo que o BCE (uma entidade privada, de facto) detém firmemente nas suas mãos todo o poder que caracteriza o monopolista de uma moeda.

Quem estabelece o valor do Euro? Os Estados-Membros através da tributação, sem a qual o Euro não passaria de papel ou dígitos num computador. Ironicamente somos nós, os escravos, que, ao aceitar o Euro como meio de pagamento, damos forças às correntes que nos prendem.

Assim, para recapitular: os Estados-membros concedem poder absoluto a uma entidade privada, ou seja, o poder exclusivo de emitir dinheiro sem limite e de gasta-lo à vontade, sem provocar prejuízos que não possam ser cobertos pela mesma entidade. Por outro lado, os próprios governantes dos Estados não estão autorizados a gastar para o bem do povo que os elegeu “democraticamente” e que, ao utilizar o Euro, conferem valor à moeda. É um sistema muito bem pensado, disso não há dúvida.

Cancelar a Dívida

Mas vamos directamente para o último paragrafo porque deveras interessante. Em resposta a uma pergunta, Lagarde acrescentou que não existe base legal para o BCE cancelar a Dívida Pública que detém.

Atenção: Lagarde não diz que isto não é possível ou que seria um disparate. Nada disso: apenas afirma que não existe uma base legal para avançar neste sentido. O que é lógico: se o BCE pode criar todo o dinheiro do qual precisa, não tem nenhuma necessidade de ver pagos os Títulos da Dívida emitida pelos vários Países.

Apagando toda a Dívida em circulação, toda a riqueza do sector privado seria completamente monetizada dum dia para outro. Esta última é uma frase um pouco complexa? Sim, é. Mas pensamos desta forma: todos nós (cidadãos, empresas) somos os (infelizes) donos duma parte da Dívida Pública do nosso País. Costumamos saldar esta dívida em prestações através de taxas e impostos: o Estado encaixa o dinheiro da tributação e destina uma parte dele ao pagamento da Divida Pública (o que nem é verdade: taxas e impostos servem apenas para pagar os juros, mas adiante…). Agora, imaginemos que a Dívida seja cancelada: o resultado imediato é que ninguém já tem dívida; então todo o dinheiro possuído fica livre de dívida; então toda a riqueza que cidadãos e empresas detêm fica livre de dívida e disponível para ser utilizada (por exemplo em investimentos). Isso é “monetizar” completamente.

Porque não fazem isso? Porque não apagam a Dívida? Porque chegam ao ponto de massacrar um inteiro País (a Grécia) na altura em que este não consegue pagar as suas obrigações se o BCE poderia fornecer liquidez dum dia para outro? Por qual razão em todo o planeta a Dívida Pública é mantida qual bicho-papão que assusta grandes e pequeninos?

O poder monetário

Simplesmente: porque contrariar o actual sistema seria o fim do poder monetário.

Porque seria uma catástrofe: a nossa sociedade económica, tal como a conhecemos, deixaria de existir. Tudo deveria ser repensado com base num novo relacionamento entre cidadão, Estado e dinheiro. E este “repensamento” teria como base o fim do poder monetário. Ou seja: o fim da nossa escravidão.

Acontecerá? Não, fiquem descansados. O poder monetário é a arma mais poderosa alguma vez implementada na nossa sociedade: não existe algo que tenha o mesmo potencial. Mayer Amschel Rothschild, banqueiro hebraico-alemão do século XVIII e fundador do império bancário da família Rothschild, afirmou um dia:

Dê-me controlo sobre a moeda de uma nação e não me preocuparei com quem faz as suas leis.

E tinha toda a razão. Pelo que, um minuto de silêncio neste Dia da Memória para lembrar da nossa condição. E já agora, que a liberdade é nada sem a o conhecimento. Ámen.

 

Para celebrar dignamente este Dia da Memória, eis alguns links:

MMT – Parte I, Parte II, Parte III, Parte IV

Warren Mosler: as 7 Inocentes Fraudes Mortais da Política Económica

Um mundo sem taxas

A moeda social

 

Ipse dixit.

Imagem: Max Pixel CC0 Public Domain

4 Replies to “O nosso Dia da Memória”

  1. O pessoal tem de fazer alguma coisa e sem a necessidade de trabalhar, isto ia parecer uma bandalheira tremenda. Os gajos apenas estão zelando pelo nosso bem estar

  2. O monopólio da moeda remonta aos templos da Antiguidade onde os judeus eram seus cambistas monopolistas, e que serviria de modelo inicial para os tão distantes futuros bancos centrais…
    Séculos antes dos Rotschild, os judeus já controlavam o comércio monetário, assim como uma imensa rede que detinha informações privilegiadas que circulavam em off hebraico. Restava como cereja do bolo, o controle da narrativa, que foi desencadeada com Gutemberg no fim do século 15.

  3. Há uns anos atrás, 2008 ou 2009, não me lembro bem, um amigo meu foi em trabalho aos EUA e trouxe uma nota de 1 Dóllar que me ofereceu, a propósito de uma conversa que tínhamos tido umas semanas antes.
    A imagem que está no inicio deste post é de uma das faces dessa nota.
    Ando com a nota na carteira desde então, e funciona como um avivar de memória permanente.

  4. Krowler; eu vou fazer isso para ver se a minha memória melhora.

    Max: extremamente necessário esse dia da memória por ti inventado. Não sei o resto do pessoal de II, mas para mim…eu preciso muito!
    Porque a gente não poderia inventar um banco central dos amigos de qualquer coisa, instituir-se banqueiros, e tal qual, ter dinheiro infinito!? Digam que essa quimera não seria boa!

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