A inutilidade das sanções e o posśivel suicido europeu

Pessoalmente não tinha muitas dúvidas: a Europa prepara-se para apresentar algumas sanções contra a Rússia e entre elas há a exclusão de Moscovo do sistema SWIFT. Não uma exclusão total mas uma medida selectiva.

Logo após a invasão por parte da Rússia, a mentecapta Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tinha tido uma conversa telefónica com o Presidente dos EUA Joe Biden. Ou seja: recebeu as ordens. O resultado foi o anuncio de ontem, com o qual a simpática Ursula apresentou o “seu” plano:

Vou propor aos líderes europeus que uma série de bancos russos sejam excluídos do sistema SWIFT. Estes bancos serão desligados do sistema financeiro internacional, o que prejudicará a sua capacidade de operar a nível mundial.

Mas afinal ou é que este SWIFT? O SWIFT (acrónimo de Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication ou, como diria Camões, “Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais”) é um sistema fundamental para as transacções financeiras em todo o mundo. Criado em 1973 e com sede na Bélgica, SWIFT gere a maioria das transações interbancárias internacionais, como ordens de pagamento e transferências bancárias, que são realizadas por meio da rede SWIFT. Esta rede permite a troca de mensagens electrónicas supostamente seguras (mas não é verdade: sabemos que o Departamento do Tesouro dos EUA e a CIA utilizavam um software para traçar os pagamentos no âmbito da “luta ao terror”) entre mais de 11.000 organizações financeiras e bancárias em mais de 200 Países. Para mais informações acerca do sistema SWIFT pode ser consultado o artigo O Leviatã publicado nestas páginas em 2014.

A medida apresentada pela simpática Ursula será aprovada (ninguém nesta altura tem a coragem de responder com um “não” sob pena de ser rotulado qual amigo de Putin) mas ainda não sabemos quais bancos russos serão excluídos e este é um “detalhe” bastante importante. A Europa, por exemplo, paga o gás e o petróleo russos através do sistema SWIFT, pelo que bloquear os bancos envolvidos nestas transacções significaria criar enormes problemas no fornecimento energético do Velho Continente.

Não se trata apenas do aquecimento das casas, o problema abrange toda a economia: a perspectiva certa, se será decidido dar à Europa tal trauma, é uma redução drástica do nível de vida de centenas de milhões de pessoas, o encerramento de muitas empresas, um empobrecimento geral da classe média, um reset económico em nome da luta contra a agressão militar conduzido por Países que nos últimos anos têm sido agressores (nunca arrependidos) de Países que invadidos e destruídos.

Não podemos esquecer alguns aspectos:

  1. a Rússia, como é óbvio, estava à espera das sanções, portanto tem um programa para limitar ao máximo os danos.
  2. a Rússia já está a ser alvo de sanções que não impediram o ataque contra a Ucrânia
  3. historicamente, as sanções são inúteis: nunca funcionaram no passado e acabam por exacerbar ainda mais as relações entre os Países.

As sanções inúteis

As sanções contra a Rússia decididas após a anexação da Crimeia em 2014 (mais uma medidas adicionais impostas em 2016 e em 2020) estão em vigor há oito anos, mas não temos ideia de quais têm sido os seus verdadeiros efeitos. De acordo com uma revisão interna dessas acções conduzidas pela Casa Branca nas últimas semanas, as sanções da administração Obama prejudicaram a economia russa e levaram a uma desvalorização da sua moeda, mas falharam no seu objectivo estratégico central: causar custos tão elevados que Vladimir Putin fosse obrigado a mudar de rumo. Hoje a Rússia continua a ocupar a Crimeia e não tem a mínima intenção de abandona-la.

Agora, a bateria de sanções que EUA e os seus servos europeus estão a conceber inclui três tipos de medidas: tecnológicas, militares e económicas. Mas as sanções impostas unilateralmente e com custos económicos limitados tendem a ser ineficazes porque são mais facilmente contornadas recorrendo a Países dispostos a apoiar os sancionados. De facto, qualquer regime de sanções permanece vulnerável aos Estados que, atraídos pelos potenciais benefícios ou lucros, frustram o efeito global.

As sanções obrigam frequentemente os Estados sancionados a encerrar e a substituir as importações, tentando desenvolver as suas próprias indústrias para se tornarem auto-suficientes: foi este oo caminho escolhido por Moscovo nos últimos anos. No longo prazo, isto tem o efeito de tornar o Estado sancionado mais auto-suficiente e menos dependente de importações e bens de outros Países. Portanto, os efeitos das sanções tendem na prática a tornar-se “zero” ao longo do tempo.

Hoje, a crescente relação económica com a China dá à Rússia a confiança necessária para suportar um maior endurecimento das sanções. As duas economias complementam-se naturalmente uma à outra: tal como a China, a Rússia tem uma enorme dotação de recursos naturais (excepto os energéticos), mas precisa de tecnologia e capital. Moscovo tem a primeira e o segundo. O comércio entre com o maior e mais populoso País do mundo cresceu de 10.7 mil milhões de Dólares em 2001 para quase 140 mil milhões de Dólares em 2021 e deverá expandir-se ainda mais com projectos já em curso, tais como o oleoduto Power of Siberia, atingindo uma capacidade total de 36 bcm/ano, e o lançamento de novas iniciativas como o Power of Siberia 2, com 50 bcm/ano de capacidade. Pequim quer assegurar o acesso às matérias-primas transportadas em rotas terrestres seguras a partir de um Estado amigo, enquanto Moscovo quer diminuir a sua dependência dos mercados europeus e rentabilizar os recursos naturais antes que a transição energética global atinja os preços dos hidrocarbonetos nas próximas décadas.

MIR

Financeiramente, a Rússia criou o seu próprio sistema de pagamento por cartão (o MIR, Мир em russo) em 2014 exactamente porque temia que as sanções americanas e europeias contra alguns bancos e homens de negócios russos depois da anexação da Crimeia bloqueassem as transacções feitas com Mastercard e Visa, sediados nos EUA. Evitando as sanções ocidentais, a lei obriga actualmente os funcionários públicos a receberem os seus salários em cartões MIR e os pagamentos de pensões, bem como os abonos de família e os subsídios de desemprego, serão também pagos apenas com cartões MIR para atingir uma quota de mercado de 30% nos próximos dois anos. Os cartões MIR também estarão operacionais em bancos em doze Países estrangeiros.

São precisamente estes canais financeiros paralelos ao sistema do Dólar que são o novo factor que poderia transformar as sanções ocidentais num boomerang.

A víctima

Portanto, a primeira víctima das sanções será a Europa. E, entre todos os Países europeus, Alemanha e Italia estarão na fila da frente. Não admira. Contrariamente a quanto circula em páginas alternativas, não acho que o Velho Continente seja o verdadeiro objectivo da guerra. Mas sem dúvida oferece uma maravilhosa ocasião, entre os outros benefícios, para:

  • os EUA eliminar até a mais pequena ideia de autonomia política (Alemanha) que possa surgir na Europa
  • ligar indissoluvelmente o fornecimento energético europeu ao Ocidente, cortando os laços com o principal fornecedor euro-asiático
  • reduzir o nível de vida dos 723.000.000 cidadãos europeus

As sanções que a simpática Ursula apresentará e, sobretudo, as reacções dos representantes dos vários Países europeus irão fornecer a justa medida da traição instalada em Bruxelas. E não, não estou nada optimista.

 

Ipse dixit.

2 Replies to “A inutilidade das sanções e o posśivel suicido europeu”

  1. Enfim, citando parcialmente o blogueiro…
    “a perspectiva certa, se será decidido dar à Europa tal trauma, é uma redução drástica do nível de vida de centenas de milhões de pessoas, o encerramento de muitas empresas, um empobrecimento geral da classe média, um reset económico…”

    Para dizer que o enunciado, dito como exposição de uma opinião, constitui de facto a resposta.
    Não cito o restante do mesmo parágrafo, não porque o considere incorrecto, muito pelo contrário, mas porque conclui o cenário abrangente sobre o imediatista, pese embora este seja muito relevante.

    Com isto, pretendo alertar que as diversas conjecturas que tenho aqui visto nos comentários, perdem-se na realidade do atual dia a dia. Está mais que na altura de olharem os acontecimentos pela que são e não pelo que deveriam ou gostaríamos que fossem. A guerra acontece, muito para além da cinética e da propaganda disseminada sobre a mesma.

    Não é a Ucrânia, nem a invasão russa da Ucrânia que nos deve e tem de preocupar intensamente.
    O malévolo plano continua em andamento e o som do conflito armado encobre o seu desenvolvimento.
    A instituição na Europa do novo regime fascista avança a passos largos e nem um só protesto se ouve.

    Morre gente na Ucrânia? Morrem também por aqui e muitos mais irão ainda morrer por este mundo.
    As gentes que morrem agora na Ucrânia, não são diferentes das que morrem agora no Yémen.
    Nem só com armas se matam os povos.

    Não se deixem distrair, cegar, com o “Nevoeiro da Guerra”.
    Através dele, algo se move… Atentai.

  2. Muito bem pensado Alfbber.
    Por traz da guerra visível sempre há outra guerra
    Não é só o Iêmen há a Somália, há a eterna Gaza e só muito recentemente o Mali se livrou dos custos do colonialismo francês.
    A escalada da guerra na Ucrânia está sim impulsionada pelos EUA e UE, levando cada vez mais a Rússia ao limite da não volta, coisa que o palhaço manobrado Zelensky ( judeu nazi, coisa mais comum do que muitos pensam) oscila entre a diplomacia e a incitação ao conflito e a posar de heroica vítima
    Os pacifistas poderiam lançar o seu apoio também para estes outros lugares.
    Falando em pacifismo, lembrei do meu pai, um velho francês ( Quando eu nasci ele tinha 60 anos), que obrigado a participar como soldado na Argélia, ainda na primeira guerra mundial.
    Como estava determinado a não matar ninguém, deu um tiro em si próprio. Foi considerado desertor, enviado para o cárcere na Guiana Francesa (tinha o número de identificação na prisão tatuado no braço), fugiu e veio parar no sul do Brazil.
    Graças a esses anônimos e pequenos acontecimentos, eu estou aqui, abrilhantando os salões de II.
    Meu velho era um pacifista, sempre foi, até os seus últimos dias.

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