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Cadê Benito?

No dia 11 de Dezembro de 2013 apareceu nestas páginas o artigo com o título de Obsolescência programada: nós, Benito e a lâmpada. O resumo é simples: o espanhol Benito (que até tem um apelido: Muros) inventou uma lâmpada “eterna” (ou quase), que tem a peculiaridade de ser muito resistente, funcionar ao longo de dezenas de milhares de horas e com um consumo negligenciável de electricidade.

Muros tinha tido a intuição alguns anos antes quando, de visita aos EUA, ouviu a história de uma lâmpada que brilhava continuamente desde 1901 num posto de bombeiros em Livermore, Califórnia (esta lâmpada foi também protagonista dum episódio do programa Mythbusters, no Discovery Channel). “Naquele momento, decidi tentar fazer uma lâmpada sem obsolescência programada”, diz Benito Muros, que considera o fim da vida planeado uma prática “indecente e até mesmo fraudulenta”.

Ora bem: a boa notícia é que Benito está vivo e vegeto. Talvez só um pouco infeliz (e sem dinheiro) porque até hoje não conseguiu pôr em produção a lâmpada por falta de meios financeiros. E não é difícil entender a razão: a sua invenção seria uma autêntica revolução pois vender algo que nunca deixa de funcionar (e que pode ser reparado sem muitas dificuldades) é  o fim da nossa economia.

É a obsolescência programada que permite continuar a vender produtos que os consumidores já adquiriram. Paradoxalmente, foram mesmo os fabricantes de lâmpadas (o chamado Cartel Phoebus) que em 1924 criaram uma lobby para impor um fim de vida aos seus produtos, “normalizando” a produção de lâmpadas para uma duração de 1.000 horas de funcionamento. A expressão “obsolescência programada” apareceu só mais tarde, em 1932, quando foi sugerido que se tornasse uma lei para que o consumo nos Estados Unidos pudesse ser impulsionado durante a Grande Depressão.

Sempre na décadas dos ’30, os investigadores da empresa química DuPont conseguiram criar o nylon, uma nova fibra sintética muito forte utilizada para criar meias femininas que eram muito mais difíceis de partir do que as meias existentes. Logo a DuPont instruiu os seus técnicos para enfraquecer a fibra que tinham criado enquanto prejudicial para o negócio. Mais tarde, o designer americano Brooks Stevens reinterpretou o conceito de obsolescência programada, dando-lhe a nova definição de “o incutir no comprador o desejo de comprar algo um pouco mais novo e um pouco mais cedo do que é necessário”.

Hoje em dia, com a sua “invenção”, Muros poria de novo fim a este consumo contínuo e ininterrupto, com um tipo de lâmpada que poderia poupar 70% a 95% da energia normalmente utilizada e que não se tornaria quente ao toque se fosse ligado repetidamente. A parte assinalável é que na realidade Muros não teve que “inventar” nada: limitou-se a adaptar ou substituir componentes que danificam a lâmpada. Além disso, a lâmpada seria reparável (trata-se da primeira lâmpada patenteada no mundo que pode ser reparada), coisa não possível com os sete mil milhões de lâmpadas vendidas no mundo todos os anos.

A empresa de Muros, a Light & LifeTechnology sediada em Barcelona, foi certificada pela agência alemã TüvRheinland como uma empresa que concebe e desenvolve lâmpadas sem obsolescência programada. O produto é mais caro (cerca de 25 Euros), mas consome menos energia, é reparável e dura uma média de 85.000 horas. A base desta “tecnologia” é o alumínio, ao contrário das lâmpadas normais que utilizam plástico térmico (que provoca uma redução na vida útil).

Embora seja possível encomendar as lâmpadas, na realidade a Light & LifeTechnology não as produz pois não dispõe dos meios económicos: portanto, o que é pedido é uma espécie de crowfunding com o qual antes o cliente paga a lâmpada e depois a empresa tenta produzi-la. “Tenta” porque não é simples: em 2016, duas empresas catalãs estavam interessadas na ideia, mas nenhuma cadeia estava disposta a vender uma lâmpada que não estivesse sujeita a desgaste e o projecto acabou.

Finalmente, há um par de anos, planos que pretendem lançar uma espécie de “Amazon sem obsolescência programada” com a qual os produtos vendidos têm uma garantia mínima entre 5 e 10 anos e são reparáveis. E, incrivelmente, há três pequenos distribuidores (mas todos em Espanha).

 

Ipse dixit.

Imagem: Arek Socha em Pixabay