Capitalismo: a crise do G-Zero

No seu livro de 2012 Every Nation for Itself: What Happens When No One Controls the World (em Portugal “Cada nação para si: vencedores e perdedores em um mundo G-Zero”), o cientista político Ian Bremmer simula uma espécie de jogo de xadrez entre o Capitalismo globalizado e o resto do mundo, resumindo o jogo em algumas que permitem aos capitalistas livrarem-se de todos os adversários, incluindo os políticos, e muito rapidamente chegarem a dominar o mundo inteiro. Mas o mundo não pára na quinta jogada, por isso Bremmer prevê que isto irá gerar a anarquia e o caos com a mesma rapidez.

Segundo o autor, o mundo já se encontra no ponto G-Zero, ou seja, aquela fase em que nenhuma liderança, nem de uma única nação nem de grupos como o G8, G20, etc., pode continuar a definir um percurso ao qual os outros se conformem. Vamos ver quais são estas cinco jogadas segundo o velho artigo que apareceu nas páginas de MarketWatch (parte do Wall Street Journal) porque se o inimigo for o Capitalismo, então temos que conhecer quais armas utiliza, certo?

1. G-Zero. É esta a primeira jogada do Capitalismo: a impossibilidade de haver uma liderança política global. Aparentemente não faz sentido? Faz, faz: a impossibilidade dum líder político mundial de tomar decisões capazes de determinar a conduta que será seguida pelos parceiros e temida pelos adversários elimina da mesa a possibilidade de ter uma frente política capaz de escolher uma direcção diferente daquela determinada pelo Capital. Faz toda a diferença.

2. Capitalismo de Estado. Nada de regresso comunista: a segunda jogada é a ascensão duma vanguarda do poder mundial de poderes como a China, por exemplo, que embora liderada por um regime comunista basicamente ditatorial, nos negócios copia o sistema capitalista em todos os sentidos, com a única diferença de que o Capitalismo chinês é rigidamente controlado pelo partido único chinês. E depois há as monarquias árabes os as Frágeis democracias como a russa que, embora debaixo dum rígido controlo governamental, deixam aos particulares a possibilidade de ter iniciativas empresariais segundo o modelo capitalista.

Mas, segundo Bremmer, o Capitalismo de Estado é como o cavalo de Troia: se o deixas entras, logo queimará a tua casa e tomará conta de tudo.

3. Liberalismo. O Capitalismo moderno já não é o de Adam Smith, hoje são as ideologias extremas do liberalismo de Milton Friedman, Any Rand e Ronald Reagan que ditam a doutrina capitalista, a que prega o Estado como o principal adversário da “livre” iniciativa, algo que tem que ser demolido tanto quanto possível (salvando, obviamente, as funções de financiador quando as coisas correrem mal).

É sobretudo nesta fase que o Capitalismo encontra o seu crescimento mais rápido e impressionante, determinado a conquista de quotas de riqueza que anteriormente atingiam outros segmentos da população. Bremmer e o economista francês Nouriel Roubini apontam a ganância, a arrogância, o individualismo e o egocentrismo dos novos capitalistas como a principal razão para este crescimento.

4. Caos. Aqui estão as consequência do G-Zero.

Como já não existem lideranças capazes de regular os pequenos e grandes conflitos entre os interesses dos vários sujeitos (pessoas ou Estados), os conflitos aumentarão em número e intensidade e, juntamente com eles, começarão a surgir os primeiros focos de caos. Cada um só cuidará dos seus próprios interesses, independentemente dos efeitos que causará à sua volta.

5. O dinheiro compra tudo. É o quinto passo: a inacção dos governos, incapazes de agir individualmente e/ou através de novos acordos internacionais, abre o caminho às novas conquistas possíveis através da utilização de enormes massas de capital, obviamente manobradas por capitalistas individuais ou grupos deles com o mesmo interesse. Em suma, o mundo já não é controlado por parlamentos e governos nacionais, mas sim por capitalistas, que com o poder da imensa quantidade de dinheiro na sua posse podem controlar governos, bancos, televisões e nações inteiras. A fotografia da actualidade.

Nesta fase a vitória do neocapitalismo libertário será total. Mas será que as pessoas ficarão satisfeitas?

6. Mais ricos, mais caos. O sexto passo é a previsão de Bremmer: o aparecimento em todo o lado de bilionários que drenam a maior parte da riqueza produzida pelos Países ricos já determinou uma forte e crescente desigualdade na distribuição da riqueza. Actualmente (lembro: o livro é de 2012) já existem 1.645 bilionários no mundo, em 2000, havia apenas 322. A distribuição dos bilionários entre áreas geográficas segundo a revista Forbes era a seguinte:

  • EUA 492 bilionários
  • Europa 468
  • China 358
  • Rússia 111
  • América Latina 85
  • Índia 65
  • Canadá 29
  • África 29

Entre os mais ricos encontravam-se portanto 67 bilionários que sozinhos possuíam metade da riqueza do mundo já em 2012. A esta taxa (segundo os dados do banco Credit Suisse), até 2100 haverá 11 super-ricos que terão cada um mais de um trilião de Dólares. Antes daquela data, porém, outros efeitos resultantes do G-Zero e da ausência de lideranças governamentais multiplicar-se-ão: haverá rebeliões, lutas de classe, revoluções, guerras e talvez mesmo o uso de armas nucleares de efeito limitado.

Possível? Sim. Provável? Talvez. Mas não seguro. Bremmer toma como certo que os governos não farão nada para conter estes riscos e darão rédea solta a este desastroso neocapitalismo. Pode não acabar assim, mas isso depende mais de nós do que dos governos.

 

Ipse dixit.

Imagem do livro: Nick Youngson CC BY-SA 3.0 Alpha Stock Images

2 Replies to “Capitalismo: a crise do G-Zero”

  1. Tenho dito várias vezes que a situação terá de ser resolvida ‘na rua’, pois os governos e as instituições dos países estão corrompidos pelo capitalismo global.
    É interessante verificar-se que ‘na rua’ estão a começar a aparecer polos de reacção que são o resultado da contingência que se vive, mas que poderão produzir resultados interessantes, e sobretudo, definir caminhos para o futuro: A titulo de exemplo temos a criação de criptomoedas fora do contolo dos estados (estes estão a reagir criando legislação contrária), a criação de tribunais para investigar e acusar os governantes, a elaboração de listas com os nomes de todos os protagonistas ao serviço do sistema globalista, e por aí fora.
    Sempre que existe uma acção aparece uma reação contrária, por isso é provável que as simulações de Ian Bremmer possam ser complicadas pela imprevisibilidade do meio.

    Só para concluir, li algures que os estados estão vergados ao capitalismo global por força da corrupção das suas instituições, mas também por força de um projecto chamado ‘Samson Option’. Alguém já ouviu falar deste projecto?

  2. Assim espero, Krowler.
    Mas Bremmer pinta um quadro aterrador, mas verdadeiro. É a cara feia do nosso mundo humano.

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