A defesa de Xi e do totalitarismo chinês

Após o discurso do Presidente chinês Xi Jinping ao encontro do World Economic Forum em Davos, no mundo da informação alternativa criaram-se duas facções: a primeira vê na intervenção de Xi a prova de que a China está a ser parte do projecto Great Reset; a segunda defende Xi, realçando as diferenças entre Pequim e o mundo ocidental.

Exemplo destes dois pontos de vista são o editorial de 22 de Janeiro em LaRouche PAC, que acusa Xi; os artigos de Pepe Escobar e aquele de Matthew Ehretm, que defendem Xi.

Apesar de pessoalmente, no geral, apreciar as reflexões tanto de Escobar quanto de Ehretm, não é possível não observar como ambos, na defesa de Xi, estejam a esquecer-se dum pormenor: a nossa função (nossa enquanto Leitores, autores, pesquisadores, cidadãos, etc.) deve ser a pesquisa para uma sociedade melhor do que a nossa ou a defesa duma orientação política? Se a resposta for “uma sociedade melhor do que a nossa”, é muito difícil entender a defesa de Xi e, consequentemente, da China.

China: o totalitarismo do PCC

A China não é um País democrático: a China é um totalitarismo governado por uma oligarquia socialista.

Eu sei que a “democracia” não passa duma quimera, sobretudo nos dias de hoje. Mas é também verdade, como dizia Winston Churchill, que a Democracia é a pior forma de governo com excepção de todas as outras. O que o infame Churchill queria dizer era que, entre as formas de governação actualmente concedidas no planeta, a Democracia continua a ser aquela onde o cidadão ainda tem algumas hipóteses de intervir nos acontecimentos sem recorrer à violência. Hipóteses mínimas, quase irrelevantes, na maior parte das vezes ignoradas ou até anuladas pela classe no poder: mas mesmo assim são hipóteses e a Democracia é única forma de governação (repito: entre aquelas concedidas) que permite isso.

Num regime totalitário gerido por uma oligarquia, qual é a China, esta hipótese não existe. Não é possível criar uma representação dos cidadãos e utiliza-la para entrar no Parlamento nacional para tentar participar na gestão do País. Não há órgãos de informação que podem eventualmente desenvolver um papel de denuncia e de controle. Não há e nem podem existir cidadãos que, através de meios de comunicação alternativos, questionam as actividades dos privilegiados no poder.

Um País que recusa a Democracia (mesmo a nossa versão doentia e corrupta) abdica até destas migalhas de poder popular.

Na China, o Partido Comunista Chinês (PCC), que exerce o controle total sobre a sociedade. O PCC gere por completo a política, controla a imprensa e a informação alternativa só é possível a partir dos Países estrangeiros. O PCC actua em regime de partido único, no interior do qual prospera uma oligarquia de dignitários políticos que não têm oposição. O resultado é que os cidadãos não apenas não podem participar na vida política nacional como até têm que ter muita atenção para não ser vítimas dos inúmeros sistemas de controle que actuam no País.

Embora os controlos do Estado sobre a economia e a esfera social tenham sido grandemente reduzidos desde 1970, a liberdade política ainda é severamente restringida. A Constituição da República Popular da China declara que os “direitos fundamentais” dos cidadãos incluem a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, o direito a um julgamento justo, a liberdade de religião, o sufrágio universal e os direitos de propriedade. No entanto, estas disposições não proporcionam uma protecção significativa contra acções judiciais por parte do Estado. Embora algumas críticas às políticas do governo e do PCC sejam geralmente toleradas, a censura da fala e da informação política, particularmente na internet, é rotineiramente utilizada para prevenir acções colectivas.

O governo está habituado a suprimir à força manifestações e protestos populares considerados uma potencial ameaça à estabilidade social, como foi o caso durante o protesto da Praça Tiananmen (天安门广场) de 1989. Mais recentemente, na sequência de uma manifestação em grande escala em Pequim em 1999, o PCC lançou uma campanha para eliminar a prática espiritual do Falun Gong (法轮功) que resultou em detenções em massa, detenções ilegais e incidentes com tortura e mortes na prisão.

O governo chinês responde às críticas estrangeiras argumentando que o direito à subsistência e ao desenvolvimento económico são um pré-requisito para outros tipos de direitos humanos, e que o conceito de “direitos humanos” deve ter em conta o actual nível do desenvolvimento económico de um País. Este e um ponto deveras importante: apesar da Constituição chinesa prever uma série de direitos, nos factos o PCC subordina tudo aos princípios do direito à subsistência e àquele do desenvolvimento económico: todos os outros direitos dependem destes dois últimos.

O Socialismo Global

Tudo isso tem razão e ser na óptica política chinesa: o PCC já não defende o antigo Comunismo de Mao e ainda menos o Marxismo. O PCC implementa o Socialismo, não aquele revolucionário marxista mas o mais tranquilo Socialismo de Estado: um sistema totalmente centralizado onde é viabilizado um “livre” mercado que, no entanto, continua a ser apertadamente controlado pelo Estado. Nada de “social-democracia” portanto e nada também de Socialismo como antecipação do Comunismo, mas um sistema que tem como objectivo final a implementação do Socialismo Globalista.

Poluição, Saúde e Ambiente

É necessário lembrar que a primazia da subsistência e do desenvolvimento económico têm enormes custos também ao nível ambiental. Não se fala aqui do “bicho-papão” do dióxido de carbono, fala-se mais simplesmente de verdadeira poluição e de destruição dos ecossistemas. Décadas de industrialização selvagem, sem o mínimo cuidado ambiental, transformaram as cidades chinesas: Pequim, por exemplo, é um dos centros mais poluídos do planeta e idêntica situação pode ser encontrada em muitas outras cidades chinesas.

No passado mês de Novembro, a capital chinesa teve que bloquear as auto-estradas e proibir actividades nos parques infantis escolares devido à péssima qualidade do ar. De acordo com o Gabinete Nacional de Meteorologia, um denso manto de smog envolveu partes do norte da China, uma espessa camada de poluição que reduziu a visibilidade para menos de 200 metros. Na capital, a poluição atingiu uma concentração de micropartículas Pm 2.5 de 300, enquanto a Organização Mundial de Saúde recomenda níveis máximos de 15. Na mesma altura, o PCC anunciou o aumento da produção diária de carvão em mais de um milhão de toneladas para aliviar a escassez de energia que obrigou as fábricas a fechar nos últimos meses.

E nem falamos aqui das condições miseráveis dos animais, como é o caso dos milhares de ursos mantidos em cativeiro em jaulas de dimensões mínimas para que possa ser possível extrair-lhes uma substancia depois utilizada na farmacologia e na cosmética também ocidental. Nem vale a pena referir quantos daqueles ursos tentem o suicido ao recusar a comida, incapazes de suportar aquele desumano cativeiro.

O jogo sujo e a exploração dos trabalhadores

Fala-se muitas vezes do “milagre económico chinês” mas demasiadas vezes não é sublinhado como este “milagre” seja possível só com uma massa de trabalhadores mantidos em condição de mera subsistência, cuja exploração por parte de multinacionais estrangeiras sediada na China é não apenas permitida como até procurada pelo PCC.

A política comercial da China tem procurado enormes prejuízos no resto do Mundo através dum custo da mão de obra irrisório em Pátria e a consequente facilidade na exportação e na invasão dos mercados. Neste aspecto, temos que lembrar que Pequim “joga sujo” mantendo o valor da sua moeda artificialmente baixo: um jogo “sujo” que, paradoxalmente, favorece também as multinacionais estrangeiras que produzem na China. Multinacionais que encontram na China a melhor maneira de amplificar os lucros: e são aquelas mesmas multinacionais contra a cuja arrogância temos que lidar também no resto do planeta.

Covid?

A China é o País onde surgiu o vírus SARS-CoV-2 e donde este saiu para infectar o planeta todo. Sem entrar em pormenores acerca da alegada “pandemia” e das reais causas dela, vale a pena perguntar: o que acontecia no laboratório de Wuhan? Como é possível que o PCC autorizasse delicadas pesquisas biotecnológicas financiadas pelos “inimigos” norte-americanos em território chinês? Qual era o papel do PCC nisso? Que tipo de acordos existiam? Quem controlava nos factos o que acontecia no laboratório? Sabemos da supervisão por parte do exército chinês, mas nenhuma explicação adicional foi fornecida até hoje.

Resumindo, a China é um sistema totalitário e qualquer consideração acerca do País não pode evitar este que é um obstáculo intransponível: realmente desejamos viver num sistema totalitário? Realmente desejamos trocar a nossa podre Democracia por um sistema onde o cidadão nem sequer tem hipóteses de participar na gestão do País, onde qualquer forma de protesto é sufocada, onde é o Estado que decide o que podemos ver na internet ou quantos filhos podemos ter? Se vivessem na China, os vários Escobar ou Ehretm teriam a mesma possibilidade de criticar a classe no poder, como fazem hoje a partir da nossa corrupta sociedade “democrática”?

Xi e o WEF

Seria possível continuar com outros exemplos, mas o que é preciso realçar é que, apesar dos esforços por parte dos simpatizantes, a China não é uma Terra Prometida e, em qualquer caso, não pode representar uma válida alternativa à doentia Democracia ocidental. A China é uma totalitarismo e isso deveria fechar qualquer discurso.

Portanto, é inútil e até enganoso analisar ao microscópio as vírgulas e as parêntesis do discurso de Xi em Davos: o Presidente chinês nem deveria ter participado no Word Economic Forum que, lembramos, não passa duma instituição privada gerida pelas maiores multinacionais do planeta.

Analisar o quê? Xi foi bastante claro até: o Presidente chinês afirmou apoiar o ambientalismo “holístico”, a neutralidade do carbono, e uma “transição completa para uma economia verde”. Apoia a Parceria Trans-Pacífica, louvou a Globalização e condenou o proteccionismo. Manifestou efusiva admiração pela agenda da COP26, bem como pela OMC (Organizaçao Mundial do Comércio) e OMS (Organização Mundial da Saúde). E elogiou (duas vezes no mesmo discurso) a política genocida das Nações Unidas para o “desenvolvimento sustentável”. Não há nada que tenha que ser analisado: é tudo muito claro.

A tentativa de ambos os comentadores Pepe Escobar e Matthew Ehretm em pegar nestas afirmações de Xi e transforma-las num discurso que apenas os eleitos conseguem interpretar e entender da forma mais correcta é uma operação soberanamente patética e choca de forma clamorosa com as palavra efectivamente proferidas pelo Presidente chinês.

Já agora…

Se Pepe Escobar e Matthew Ehretm quisessem prestar um bom serviço aos Leitores deles, poderiam começar com uma investigação acerca das ligações entre a família Biden e o regime de Pequim.

Por qual razão os Biden receberam 31 milhões de Dólares em cinco lucrativos negócios com a China? Como explicar as ligações directas entre a família presidencial e os mais altos níveis da inteligência chinesa? Tudo isso (e ainda mais) é contido no último livro de Peter Schweizer, Red-Handed: How American Elites Get Rich, acabado de sair na livrarias.

Se as alegações apresentadas por Schweizer forem falsas, não será difícil desmenti-las, sobretudo tendo em conta a assinalável experiência de Escobar como jornalista de investigação. O que não pode ser feito é defender os discursos oficiais do máximo exponente da oligarquia chinesa enquanto são ignoradas as eventuais ligações entre a Presidência dos EUA e o regime de Pequim.

Qual o relacionamento entre os Bidens e o magnata Che Feng, filho de um soldado do Exército de Libertação do Povo, cujo sogro era o governador do Banco Popular da China e cujo parceiro comercial era o vice-Ministro da Segurança do Estado, Ma Jian?

O que é o Bohai Harvest Trust (BHR), financiado pelas maiores instituições financeiras apoiadas pelo governo chinês e na qual aparecem os nomes dos Bidens e dalguns parceiros americanos?

Qual o relacionamento entre Hunter Biden (filho do Presidente Joe) e Zhao Xuejun, antigo secretário-geral do CCP na Gestão do Fundo das Colheitas e proprietário da Harvest Global Investments, co-fundada com a nora de um membro do Comité Permanente do Politburo, Jia Liqing, cujo pai (Jia Chunwang) é o antigo Ministro da Segurança do Estado? E por qual razão a Harvest Global Investments transferiu 5 milhões de Dólares para um negócio de Hunter Biden chamado Burnham Financial Group?

Como é que a família Biden está envolvida na gestão das centrais nucleares chinesas? E que dizer dos dados contidos no computador portátil de Hunter Biden, que revelaram contactos de tipo comercial entre a família presidencial americana e o Presidente Xi Jinping?

Se estes (como outros) “detalhes” não forem esclarecidos, não faz sentido dedicar tamanhos esforços à análise gramatical, sintática e semântica dos discursos de Xi nas reuniões privadas das multinacionais globais: o problema é bem maior do que isso e parece estar relacionado com uma realidade, aquela chinesa, perfeitamente integrada na agenda da elite global.

Alternativa?

Mas mesmo ao ignorar as ligações entre os dirigentes políticos chineses e aqueles ocidentais, o problema fica.

Não quero saber se Xi em Davos disse uma coisa quando na verdade entendia outra: nada disso muda o facto de Xi ser o Presidente dum regime oligárquico e repressivo. Como é possível que alguém, no seu perfeito juízo, possa desejar substituir a nossa “democracia”, mesmo que corrupta e moribunda, por um totalitarismo? Se tivermos que mudar (e temos), parece-me lícito aspirar a algo mais. Porque nas actuais condições, Pequim pode tornar-se o principal dos nossos perigos, sendo o protótipo dum “novo” modelo político, social e produtivo que as multinacionais desejam alcançar para que depois possa ser exportado nas restantes parte do globo (com as inevitáveis adaptações locais, como é óbvio).

Entendo o fascínio que termos quais “popular”, “socialista” ou “comunista” possa exercer em determinadas franjas da população. Mas um totalitarismo oligárquico, base dum processo globalizador para a optimização dos lucros das multinacionais, é a nossa máxima aspiração?

 

Ipse dixit.

4 Replies to “A defesa de Xi e do totalitarismo chinês”

  1. Como sempre, observação muito lúcida do que para aí em.
    Falando em liberdades, fiquei também a saber recentemente, que o governo chinês tem plenos poderes (ou pula simplesmente por cima deles), para resgatar á força para a China, cidadãos chineses que vivam em qualquer um país do mundo e mesmo outros que sendo naturais de outros países, basta apenas também para o mesmo efeito que essas pessoas sejam de etnia ou de descendência chinesa.
    Maravilhas do Socialismo Global…

  2. ” Porque nas actuais condições, Pequim pode tornar-se o principal dos nossos perigos, sendo o protótipo dum “novo” modelo político, social e produtivo que as multinacionais desejam alcançar para que depois possa ser exportado nas restantes parte do globo (com as inevitáveis adaptações locais, como é óbvio).” Como dizia um amigo, agora “Inês is dead”, já era, o golpe já foi dado.

  3. Resumindo … a China não é uma sistema nem um modelo … é um pântano politico governado por um um bando de criminosos sem escrúpulos que paga a palhaços e atrasados mentais como o Pepe e o Mathiew para fazerem propaganda e escrever umas merdas a louvar a china … e o que me espanta é como é possível falar desses anormais como se o que eles dizem tivesse algum valor ? Não compreendo …juro que não compreendo …

  4. iMPÉRIO É SEMPRE IMPÉRIO. O que atrapalha a análise justa das situações nos EUA e na China são os apelidos. No primeiro, democracia. No segundo socialismo. Nem um nem outro. Império é sempre sinônimo de tirania.
    Quando os interesses de ambos seguem juntos para o globalismo, temos o que está em curso: tirania global, onde ambos impérios ora se unem, como no caso da “pandemia”, ora competem para assumir o protagonismo.
    Infelizmente sairemos de um para cair no outro, e ambos continuarão o trabalho de colonização dos países com fracos governos e escravização de seus povos.
    A Rússia tenta por todos os modos ressurgir da colonização e escravidão, e está pouco a pouco garantindo sua independência dos impérios atuais, um em decadência, outro impondo-se. Para isso estar garantido sabe que precisa voltar territorialmente ao que era a URSS, ou algo parecido. Trabalha com inteligência estratégica, e suponho que seu poder garantirá sua soberania.
    Quanto a nós, brasileiros, só acreditando na máxima pentecostal: deus salva.
    A velha Europa, ou recupera inteligência, ou dependerá da mesma máxima que nós.
    Num futuro ainda aposto na América do Sul, como resistência à submissão.
    Quanto ao Pepe Escobar, tive grande admiração por ele metade da minha vida. Hoje reconheço que ele deveria de aposentar.
    Estou certa que abusou das doses de ópio. Sabia tanto quanto eu sei que as chamadas drogas ilícitas não passam de um negócio que os EUA, como sempre, inventaram para extorquir dinheiro e poder. Todas elas foram remédio vendido nas farmácias não faz muito tempo em todo o mundo e, nas doses corretas, só ajudaram. Infelizmente o Pepe deve ter abusado, e muito. Os investigadores quando deixam de investigar, mas querem continuar na berlinda, começam a dizer bobagens.

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