Os planos de Washington contra Cuba

Guerra Fria: foi há muito, não foi? Estados Unidos dum lado, União Soviética do outro. E os respectivos aliados. No campo “comunista” havia também Cuba, a ilha que fica a menos de 160 quilómetros do território estadounidense. Não surpreende que o governo dos Washington tenha criado dezenas de planos para desestabilizar o regime de Fidel Castro.

Muitos deles estão agora desclassificados e é possível lê-los. Alguns soam como delírios de fãs das conspirações, outros são simplesmente ridículos. Mas, por incrível que possa parecer, todos foram encarados como possíveis e estudados. Hoje descansam nos Arquivos Nacionais dos Estados Unidos e foram exumados há alguns anos num artigo de Matt Novak.

Preparar um ataque “cubano” a um avião norte-americano

O prato forte da casa: false flag. Washington é especialista nisso e Cuba não poderia ser uma excepção. O memorando ultra-secreto do Brigadeiro-General William H. Craig, datado de 13 de Março de 1962, intitulado Justification for U.S. Military Intervention in Cuba (“Justificação da Intervenção Militar dos EUA em Cuba), mostra isso mesmo: Craig planeou ao pormenor a explosão de navios de guerra dos EUA vazios, falsos motins na Baía de Guantanamo e falsos funerais de soldados americanos.

Um dos planos de Craig envolvia explodir um proto-drone da CIA, fazendo-o parecer um avião civil com estudantes universitários norte-americanos a bordo. Reza o documento:

Um avião de Eglin [Base da Força Aérea, ndt] será pintado e numerado como um duplicado exacto de um avião civil registado por uma organização da CIA na área de Miami. A uma hora pré-determinada, o duplicado será substituído pelo avião civil real carregado com passageiros seleccionados, todos embarcados sob pseudónimos cuidadosamente preparados. O verdadeiro avião será convertido num drone.

O documento explica ainda como o drone da CIA deveria ter emitido um SOS para alertar de que estava a ser atacado por combatentes cubanos. O drone seria então feito explodir através dum controlo remoto no meio da transmissão do pedido de socorro. “Isto permitirá às estações de rádio da ICAO [Organização Internacional da Aviação Civil , ndt] no Hemisfério Ocidental contar aos EUA o que aconteceu ao avião em vez de os EUA tentarem apresentar o incidente”, explica o documento.

Não sei ao Leitor, mas a mim esta coisa do falso avião faz lembrar um episódio bem mais recente, com arranha-céus e coisas assim… bah, casualidades, não pode haver dúvidas.

Castro gordo e feliz

O objectivo da Operation Good Times (“Operação Bons Tempos”) era criar fotografias de Fidel Castro enquanto vivia no luxo. A esperança era provocar a discórdia e incitar a uma revolta interna. Lê-se no documento:

Preparar a fotografia desejada, como um Castro obeso com duas belezas numa situação qualquer, aparentemente numa residência dele sumptuosamente mobilada e com uma mesa transbordante de deliciosa comida cubana.

A foto tinha que ser acompanhada por uma legenda como “A minha ração é diferente”, para dar a impressão de que Castro estivesse a fazer a boa vida enquanto o povo sofria.

Distribuir bilhetes de avião só de ida

Com a Operation Free Ride (“Operação Corrida Gratuita”), o governo dos EUA previu um cenário em que as companhias aéreas teriam emitido bilhetes de ida de Cuba para cidades como Caracas e Cidade do México. A ideia era encenar um êxodo em massa e “criar tumultos entre o povo cubano”. Curiosamente, os documentos do plano declaravam explicitamente que não seriam lançados bilhetes para os Estados Unidos.

Coordenação de ataques terroristas em Miami e Washington

Pouco surpreendentemente, uma das ideias envolvia a encenação de ataques em solo norte-americano. Washington não consegue mesmo resistir: o flase flag tem um fascínio especial.

Oficiais norte-americanos propuseram que os norte-americanos iniciassem uma campanha terrorista para depois incriminar os cubanos, uma campanha completa com bombas e ataques a refugiados nas ruas norte-americanas.

Poderíamos desenvolver uma campanha de terror comunista cubano na área de Miami, noutras cidades da Florida e até mesmo em Washington. A campanha de terror pode ser dirigida aos refugiados cubanos nos Estados Unidos.

O termo “dirigido”, neste caso, significa que os refugiados cubanos teriam sido os visados pela violência, construída para parecer o trabalho de terroristas cubanos leais ao regime castrista.

Poderíamos afundar um carregamento de cubanos a caminho da Florida (real ou simulado) […] Poderíamos encorajar ataques contra refugiados cubanos nos Estados Unidos, até ao ponto de ferir nos casos a serem amplamente divulgados. Explodir algumas bombas de plástico em locais cuidadosamente escolhidos, prender agentes cubanos e libertar documentos preparados para provar o envolvimento cubano também seria útil para projectar a ideia de um governo irresponsável.

Um afundamento “real ou simulado”. Aqui vê-se o coração de manteiga de alguns oficiais.

O Programa Espacial dos EUA como arma de propaganda

O início do programa espacial dos EUA foi, no mínimo, difícil. A primeira tentativa dos americanos de colocar um satélite em órbita correu mal. Os americanos esperavam responder aos soviéticos e aos sucessos deles, mas cada vez que tentavam havia pouca confiança de que iria funcionar.

Assim, os militares surgiram com duas ideias contra Cuba que teriam utilizado as falhas como vantagem. A primeira chamava-se Operation Cover-Up (“Operação Encobrimento”, nome não particularmente original) que destinava-se a convencer os funcionários cubanos de que o programa espacial dos EUA era uma cobertura para outra coisa qualquer. Mas um encobrimento para quê? Mesmo os estrategas militares dos EUA não se importaram muito com isso: queriam apenas agitar as coisas e deixar os cubanos acreditar no pior.

A segunda ideia foi chamada Operation Dirty Trick (“Operação Truque Sujo”). Se elementos do programa espacial tivessem falhado, como a próxima órbita de John Glenn, os americanos teriam feito parecer que a culpa fosse dos cubanos. Como explica o documento:

O objectivo é ter provas irrevogáveis de que se o voo tripulado da Mercury falhar, os comunistas e Cuba serão os culpados. Isto deve ser conseguido através da produção de várias pistas que mostrem a interferência electrónica por parte dos cubanos.

Destruir a confiança no petróleo soviético em Cuba

O objectivo da Operation Full-Up (“Operação Enchimento”) era destruir a confiança no combustível fornecido pelos soviéticos. Após a revolução cubana ter estabelecido o Estado socialista em 1959, a União Soviética enviava petróleo para Cuba. No início, as refinarias petrolíferas ligadas aos norte-americanos recusaram-se a refinar este petróleo, mas isso não durou muito tempo. Castro simplesmente tomou conta das refinarias.

Assim, a ideia dos norte-americanos era fazer os cubanos acreditarem que o petróleo que lhes chegava fosse defeituoso.

Isto deve ser conseguido através da introdução de um conhecido agente biológico nas instalações de armazenamento de combustível para aeronaves. Este agente floresce no combustível do jacto e cresce até consumir todo o espaço no tanque.

Fingir um ataque à Baía de Guantanamo

Sim, exacto: outro false flag. A Operation Bingo (“Operação Bingo”) era a ideia de fingir um ataque contra soldados americanos em Guantanamo como um pretexto para a guerra.

O objectivo é criar um incidente que pareça ser um ataque às instalações dos EUA em Cuba, fornecendo assim a desculpa para o uso da força militar para derrubar o actual governo de Cuba.

Mas como preparar um falso ataque dos cubanos? Com sons de guerra, espalhados com altifalantes para fazer crer num combate. Este ataque simulado seria ouvido em Guantanamo e os homens ali estacionados deveriam ter pensado num ataque verdadeiro. E isso, nos planos, deveria ter levado a um contra-ataque seguido de ataques em outras zonas do País. Acreditava-se que um tal plano poderia “derrubar o governo cubano numa questão de horas, desde que o plano fosse implementado nos próximos seis meses”.

Dado que este documento foi escrito em Março de 1962, essa estimativa de que as coisas fossem insustentáveis após seis meses era bastante exacta: a União Soviética enviaria mísseis nucleares para Cuba, o que teria culminado na crise de Outubro de 1962.

Causar acidentes de carro e de avião em Cuba

Outra ideia foi aquela de sabotar barcos, carros e aviões cubanos para que as pessoas perdessem a confiança. Chamada Operation Break-Up (“Operação Quebra”), o plano era “contrabandear materiais corrosivos para causar acidentes de aviões, carros ou barcos”. Não uma grande ideia.

Aterrorizar os cubanos com estrondos sónicos

O objectivo do plano Operation Invisible Bomb (“Operação Bomba Invisível”) era atingir Cuba com estrondos sónicos para criar confusão e danos. No início, os cubanos teriam sem dúvida acreditado num ataque conduzido por bombardeamentos isolados. Mas, com o tempo, o boom sónico tornar-se-ia simplesmente uma presença opressiva como um terror prolongado.

O boom sónico pode ser empregado de muitas maneiras, como explosões simples em pontos seleccionados ou estrondos contínuos executados em altas ou baixas altitudes. Causará não só apreensão mas também vários danos, quebrando as janelas nas ruas de Havana.

Vantagens: era “relativamente certo” que não teria deixado “nenhuma prova tangível” de que fosse obra dos americanos e “pode ser planeado e executado com o mínimo esforço e despesa”. Além disso, teria partido as janelas, o que num golpe dá sempre jeito.

Chuva colorida sobre Cuba

Tal como a sementeira de nuvens realmente realizada anos mais tarde no Vietname, a Operation Raindrop (“Operação Gota de Chuva”) incluía um plano para controlar o clima sobre Cuba. Os Estados Unidos queriam “semear nuvens ao largo de Cuba para que produzissem fortes chuvas durante a época da colheita da cana de açúcar”. O autor do estudo explicou que a opção mais eficaz “vai permitir que a chuva seja colorida (vermelho/verde)”, embora não esteja claro como este pormenor deveria ter facilitado a queda do governo cubano.

Invadir rádio e televisão com mensagens anti-comunistas

A ideia por detrás da Operation True Blue (“Operação Verdadeiro Azul”, expressão esta que significa “genuíno”) era interromper as emissões de rádio e televisão cubanas com propaganda anti-Castro. As ideias para as mensagens a serem transmitidas eram na realidade bastante engraçadas mas não muito sofisticada:

    • Cuba Sim, Rússia Não.
    • O Comunismo explora as massas.
    • O Comunismo é um totalitarismo impiedoso.
    • Castro e o seu reinado de terror.
    • Castro é um louco e deve ser expulso.
    • Castro é a causa de todos os nossos problemas.
    • Levante-se contra o porco Castro

Se aprovada, tal operação poderia ter-se tornado um plano contínuo, talvez sob o controlo da USIA, como é possível ler no documento. A USIA era a Agência de Informação dos EUA, o braço operacional da propaganda estrangeira dos EUA.

Hoje em dia, embora a USIA já não exista, os EUA criam falsas contas nos meios de comunicação social para influenciar as conversas online: o conceito é o mesmo.

Insultar os pilotos cubanos

A Operation No Love Lost (“Operação Nenhum Amor Perdido”) era provavelmente o ponto mais alto da estratégia militar americana. O objectivo era assediar os pilotos cubanos através de comunicações via rádio, insultando-os. Explica o documento:

A discussão deveria ser ‘Vou apanhar-te, seu filho da mãe vermelho’, chamando-o pelo nome, se for útil. Isso seria um verdadeiro problema para os pilotos de Castro em condições meteorológicas reais.

Sim, de facto teria criado fortes problemas, sobretudo em caso de chuva (colorida?). Infelizmente, esta técnica letal não foi adoptada.

Sabotar o equipamento de comunicações cubano

A ideia da Operation Smasher (“Operação Esmagador”) era apenas ligeiramente mais séria: introduzir válvulas defeituosas em Cuba para que tudo, desde as comunicações militares até os rádios caseiros, deixasse de funcionar. O plano era aquele de pagar os vários fornecedores e semear o País com válvulas “modificadas de forma a provocar um curto-circuito”.

Nada de revolucionário, mas afinal poderia ter provocado alguns estragos na infra-estrutura de comunicações do País.

E as consequências?

Esta lista está longe de estar completa, mas dá uma ideia de quanto os EUA quisessem ver Castro derrubado. E não eram ideias de burocratas mas de militares e dos serviços secretos.

Então, porque é que apenas algumas destas operações foram realizadas, tanto quanto sabemos? Porque os Estados Unidos estavam bem cientes de que teria parecido mau aos olhos do resto do mundo. Como explicou um memorando da CIA de 1962, “[…] as reacções a uma dada tentativa dos EUA de derrubar Castro iriam desde a ausência de simpatia ou apoio até à expressão e acções de oposição”.

Após o fiasco da Baía dos Porcos em 1961, os funcionários norte-americanos pensavam que a única resposta fosse sabotar o regime de Castro com tácticas que não pudessem ser rastreadas até às comunidades militares e de inteligência norte-americanas. Um memorando do Brigadeiro-General William H. Craig, de 13 de Março de 1962, deixou amplamente claros os objectivos do Plano Cuba:

Este plano, incorporando planos seleccionados a partir das sugestões em anexo ou de outras fontes, deverá ser desenvolvido para concentrar todos os esforços num específico objectivo final para dar uma justificação adequada à intervenção militar dos EUA. Tal plano permitiria combinar uma acumulação lógica de incidentes com outros eventos aparentemente não relacionados para camuflar o objectivo final e criar a necessária impressão da imprudência e irresponsabilidade de Cuba.

O resultado desejado, portanto, era aquele de colocar os Estados Unidos na posição aparente de vítima perante os métodos irresponsáveis de Cuba. Outros tempos, em que os políticos de Washington ainda tinham a esperança de defender a imagem deles.

 

Ipse dixit.

Imagem: Jeso Carneiro

2 Replies to “Os planos de Washington contra Cuba”

  1. Bom dia Max: oportuno artigo para provar a psicopatia “infantil” dos funcionários de segurança, defesa e informação dos EUA.
    As estratégias tocam o ridículo, e provam que a governança yanque sempre esteve nada preocupada com a vida humana inclusive dos seus compatriotas..
    Agora, sobre Cuba e os cubanos, devido à disparidade e antagonismos de opinião, nada como estar lá. Estive várias vezes na década de 90, e não foi exclusivamente viagens de turismo. Viajava com alunos a fazer pequenos estudos e investigações in loco.
    Não sei hoje, porque nossas observações datam da década de 90. Faz em torno de 30 anos, mas acho que têm sua validade.
    A precariedade era o traço fundamental da época, atribuídas às sansões brutais e duradouras dos EUA. A época coincidia com a débacle da União Soviética e consequente perda de apoio material do país bolchevique.
    Nossa escalada começava com os aviões das aerolineas cubanas que provocava um choque nos alunos que, enquanto tapavam com toalhas a água que “chovia” dentro do avião, debaixo de fortes chuvas do exterior, exclamavam: “A Maria ainda vai nos matar”, “Não estou achando engraçado”. Quando acontecia, era uma experiência interessante porque iam se acostumando e se fixando nos objetivos que tinham, sem choradeiras.
    Notável a diferença de ruído que faziam para aterrar comparada ao avião da Jall (Japão), que aterrava ao lado.
    Entrando nos primeiros contatos se percebia diferença de opiniões relativas à política de austeridade a moda cubana que viviam: consumismo zero, atendimento à saúde e educação ( a moda soviética) máximos, alimentação suficiente, sem nenhum exagero, de acordo com o disponível na ilha, nada de vendas, substituídas por cupons para tudo, roupas muito pobres, confeccionadas na ilha
    Isto era colhido por inúmeras constatações no terreno.
    !. Vários jovens se oferecendo para casar, para sair de Cuba, sem saber que fora da ilha tudo é pago (água, energia elétrica, transporte, facilidades caseiras ) sendo que em Cuba não o é. Não sabiam que no nosso mundo há imposto para tudo, e quem não arranja um jeito de dispor de dinheiro, não importa como, é menos que nada.
    2. Pessoas maduras, que nos confundiam com norte americanos, e que, quando fotografávamos, prédios em péssimas condições, elevadores que não funcionavam, reformas e pinturas que não podiam ser feitas por falta de cimento e tinta no país, nos confrontavam furiosas, nos mandando fotografar o que é bonito em Cuba.
    3. Crianças extremamente felizes, com brinquedos de todos tipos que a imaginação cubana inventava, (não existe menor de rua ou abandonado em Cuba), fazendo todo tipo de esportes, dança clássica e folclórica, canto. Bem alimentadas, saudáveis, cheias de vida e alegria.
    4. Namorados que fazem os próprios móveis, e também obras de arte (certa vez troquei uma escultura de cubana feita por um rapaz sentado na calçada por uma calça jeans de um dos alunos) para a casa (precária) que o Estado vai fornecer-lhes.
    5. Comércio legal só nos hotéis para visitantes, onde objetos de arte cubana são negociados pelo Estado, com uma contribuição para quem fez.
    6. A falta de variedade de comidas nos hotéis era visível. Tínhamos ovos cozidos de 2,3, 4 e 5 minutos no café da manhã
    7. Bibliotecas repletas de livros vindos da URSS, e cubanos dentro dos cânones da ideologia socialista.
    8. Muitos taxistas disponíveis para turistas dos anos 50 e funcionando muito bem. Parece que os cubanos são hábeis em transformar 2 que não funcionam em 1 que funciona. Até naquelas motos com cadeira ao lado, da segunda guerra eu andava.
    9. Andávamos por ruas escuras, altas horas da noite, sem a menor preocupação com segurança. Não existe ladroagem em Cuba. As máquinas fotográficas e de filmagem podiam andar dependuradas nos pescoços, e nada.
    Vou parar por aqui, senão vai longe, A minha conclusão pessoal era ser preciso muito amor aos objetivos da revolução para aguentar uma vida tão cheia de limitações. Mas isso era visível no povo, a sua força de resistência, a sua esperança no amanhã, a crença no potencial criativo do povo.

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