Joseph Schumpeter e a Destruição Criativa

Já encontrámos Joseph Schumpeter, num artigo que tinha como foco a democracia. Mas Schumpeter era principalmente um economista e do máximo nível.

Só como exemplo: o programa de inovação da União Europeia e o relativo plano de desenvolvimento, a Estratégia de Lisboa, são fortemente influenciados por Schumpeter. Um dos economista de topo das últimas décadas como John Kenneth Galbraith foi influenciado pelas teorias de Schumpeter, assim como o antigo presidente da Federal Reserve, Alan Greenspan. O Prémio Nobel Robert Solow foi um seu aluno em Harvard e expandiu as teorias do seu mestre. Hoje em dia, Schumpeter é estudado em áreas como a política económica, os estudos de gestão, a política industrial e a inovação. Isso porque, entre as outras coisas, Schumpeter foi provavelmente o primeiro estudioso a desenvolver teorias sobre o empreendedorismo.

Então, vale a pena espreitar com mais atenção as teorias do economista alemão (mas checo de nascimento).

Primeira pergunta: Schumpeter pode ser classificado como um “neoliberal”? Se por neoliberalismo entendemos a corrente de Milton Friedman e Von Hayek, das várias escolas de Chicago ou austríaca, então a resposta é não. É certamente um liberalista, se por liberalismo entendemos a teoria segundo a qual o Capitalismo e o mercado conseguem sempre ultrapassar todas as crises encontrando um equilíbrio mais avançado.

Contudo, deve dizer-se que a Grande Depressão de 1929 e as subsequentes recessões dos anos ’30 fizeram Schumpeter mudar de ideias, levando-o a reconsiderar a sua teoria. Estamos a falar do texto de 1942 Capitalism, Socialism and Democracy (“Capitalismo, Socialismo e Democracia”, no link uma versão Pdf em português), no qual Schumpeter recupera a principal profecia de Karl Marx segundo a qual o Capitalismo está destinado a declinar e a ser substituído pelo Socialismo. Uma conclusão alcançada em 1931 pelo próprio J. M. Keynes também.

Capitalismo dinâmico: a Destruição Criativa

A principal contribuição de Schumpeter para a teoria económica é ter explicado os mecanismos que fazem do Capitalismo um sistema dinâmico e em constante mudança. Pode parecer incrível mas as teorias económicas anteriores descreviam sistemas essencialmente estáticos, nos quais as empresas produzem sempre os mesmos bens e utilizam as mesmas tecnologias de produção. Neste esquema, a concorrência para conseguir novos clientes acontece na frente dos preços: toda a competição é uma batalha entre empresas travada exclusivamente através de reduções de preços.

Mas o mundo real é bem diferente. No mundo real, observa Schumpeter, as empresas nem sempre produzem os mesmos produtos com técnicas iguais, mas de vez em quando introduzem novos produtos, melhoram a qualidade dos existentes, adoptam novas tecnologias de produção, bem como novos modelos de organização do trabalho. A introdução de produtos inovadores ou de processos de produção mais eficientes são precisamente os instrumentos mais frequentemente utilizados pelas empresas para competir no mercado. Os clientes não só são conquistados com preços mais baixos mas, sobretudo, são conquistados pela produção de bens mais atractivos e pelo desenvolvimento de técnicas de venda mais sofisticadas. No mundo de Schumpeter, os empresários lutam não só com os preços mas também com outras armas, como a inovação e o marketing.

O termo normalmente utilizado para resumir a visão de Schumpeter sobre o Capitalismo é Destruição Criativa. No centro desta visão está a figura do empresário. O empresário é aquele que arrisca tanto os seus próprios recursos como o dinheiro emprestado para investir na inovação. A inovação, por sua vez, assume diferentes formas. Em alguns casos, é a introdução de um produto em que nenhum outro empresário tinha pensado antes; noutros casos consiste na introdução de máquinas e técnicas de produção que reduzem os custos de produção; outras vezes a inovação consiste na adopção de novas formas de organização do trabalho que permitem uma reacção mais rápida às mudanças do mercado.

Quando o esforço de inovação for bem sucedido, pode-se dizer que o empresário mudou o panorama económico, criou um novo mercado ou introduziu um novo método de produção. Este é o lado criativo da inovação. Mas se esta criação gera lucro para o criador, é também verdade que gera perdas para aqueles que sofrem as consequências negativas: estes são os empresários cujos bens e técnicas são suplantados por novos produtos e novos métodos de produção, sendo os seus negócios condenados ao declínio e ao encerramento. Este é o lado destrutivo da inovação.

A concorrência e a inovação

Uma outra crítica de Schumpeter acerca dos esquemas tradicionalmente utilizados para julgar uma indústria como competitiva ou não é a ideia segundo a qual a competitividade depende unicamente do número de empresas que operam num sector. Se houver um grande número de empresas, o sector é muito competitivo; se houver um pequeno número, o sector é pouco competitivo. No limite, se houver apenas uma empresa, estamos nos antípodas da concorrência, uma vez que o sector é um monopólio.

Para Schumpeter, contudo, o grau de competitividade de um sector não pode ser identificado e medido apenas com base no número de operadores. De facto, mesmo um monopolista robusto pode ser destinado a um rápido e inesperado declínio se um inovador minar a sua posição. Schumpeter argumenta que, para além da concorrência real, também é preciso ter em conta a concorrência potencial de novos jogadores que possam entrar no mercado com novos produtos ou técnicas. Neste contexto, mesmo uma empresa que parece estar numa posição forte deve comportar-se como se tivesse concorrentes igualmente fortes e tentar evitar as “jogadas” de potenciais concorrentes futuros. Um método de prevenção válido consiste precisamente em antecipar as inovações dos outros para que o impulso inovador da empresa mais forte possa ser igual se não maior daquele das empresas mais expostas às pressões competitivas.

As instituições

A Destruição Criativa é o principal mecanismo que rege a evolução dos sistemas capitalistas. Para Schumpeter, as guerras, revoluções e, mais geralmente, factores exógenos de ordem social, política, demográfica, etc., podem ser a causa da mudança económica. Mas estes são factores de importância secundária em comparação com a Destruição Criativa estimulada pela procura de lucro. É como se o Capitalismo, pela sua própria constituição, tivesse um mecanismo endógeno de renovação.

Este mecanismo de renovação, contudo, não actua com a mesma eficiência e rapidez em todos os sistemas económicos reais. De facto, em algumas economias, as inovações são introduzidas mais rapidamente enquanto noutras são introduzidas mais lentamente. Por conseguinte, é tarefa dos economistas descobrir quais os factores responsáveis por estas diferentes dinâmicas e, em última análise, explicar o que determina o sucesso ou o fracasso de um País em termos de desenvolvimento económico.

A resposta de Schumpeter a esta pergunta baseia-se principalmente no papel dos bancos e da Finanças. Para Schumpeter, bancos e Finança desempenham um papel essencial na canalização dos recursos da economia na direcção dos investimentos destinados a produzir inovação. Por um lado, permitem mobilizar o capital necessário para inovações particularmente dispendiosas e, por outro, estão em melhor posição do que qualquer funcionário público para julgar se uma determinada ideia empresarial merece ou não ser financiada.

A taxa de desenvolvimento económico de um País está assim directamente ligada ao bom funcionamento do seu sector financeiro e de crédito.

A excepcional dinâmica tecnológica dos últimos vinte anos oferece uma série incrível de exemplos que confirmam a análise de Schumpeter. E nas universidades, nos cursos introdutórios de economia, nunca o exemplo do gravador de vídeo derrotado pelo dvd e aos antigos filmes fotográficos varridos pelos sensores ópticos digitais. Contudo, muitas vezes não se pensa o suficiente nas consequências finais destas pequenas histórias de vencedores e perdedores: o vencedor não é o sensor óptico digital mas as empresas e as pessoas que o produzem; e o perdedor não é o filme fotográfico mas todos aqueles que participaram na antiga cadeia da fotografia, desde os produtores de filmes até às pequenas lojas onde as fotografias eram reveladas. Nos últimos 5-10 anos, por exemplo, quase todas as fábricas que produziam filmes foram encerradas e muitas pessoas perderam os seus empregos. Este é o aspecto mais dramático da Destruição Criativa.

A capacidade de descrever a dinâmica capitalista de forma tão convincente tornou Schumpeter muito popular no seio da profissão económica durante as últimas décadas: a teoria do crescimento moderno deve muito ao seu legado intelectual. Em particular, os economistas tomam agora como certo que o crescimento do bem-estar nas economias avançadas é o resultado da capacidade de inovação das empresas. Os esquemas utilizados por grande parte da teoria do crescimento nada mais são do que os esquemas originais de Schumpeter, integrados e enriquecidos para ter em conta o facto de que, em última análise, a inovação é impulsionada pelo objectivo do lucro mas não pode ser alcançada sem o desenvolvimento do conhecimento científico e sem leis e instituições que funcionem bem.

Schumpeter: hoje e amanhã

E aqui que encontramos um grande problema, hoje muito bem conhecido: o que acontece quando leis e instituições não funcionam? Acontece uma coisa simples: o mercado deixa de funcionar, a concorrência deixa de existir. Há um grupo de poucas empresas que conquistam uma posição de monopólio e os consumidores não têm um verdadeiro poder de escolha.

Exemplo prático: em Portugal ou em Italia (as duas realidades que conheço melhor), comparem o custo da gasolina entre as várias companhias; comparem as tarefas dos planos de comunicação móvel ou aquelas dos “pacotes” da televisão. As diferenças são absolutamente residuais, quando existem, e fala-se em “cartéis” de empresas.

Mais: a tecnologia serve estes grupos de empresas para aprimorar ainda mais o controle sobre o mercado, através das indústrias mas também das instituições bancárias e financeiras (nem vamos aqui falar do controle sobre as massas).

Este é ainda Capitalismo? Não, este deixou de ser Capitalismo. É uma fase de transição que Schumpter previu.

Na segunda parte do citado Capitalism, Socialism and Democracy, o autor coloca uma pergunta: poderá sobreviver o Capitalismo? Para depois responder:

O capitalismo pode sobreviver? Não. Não creio que possa.

Schumpter entendeu que o sucesso do Capitalismo teria conduzido até o domínio dos grandes grupos empresariais (mais ou menos o que tinha previsto Marx), prevendo também o crescimento de facções hostis ao Capitalismo, especialmente entre os intelectuais. A primeira parte da análise é perfeita, pois os monopólios são hoje uma realidade. A segunda parte, infelizmente, não tem em conta a completa corrupção dos intelectuais, rendidos e vendidos ao poder. É verdade que ainda não estamos numa fase de total monopolização, mas o caminho é este e, por enquanto, o mundo intelectual está longe de ser um adversário dos grandes grupos.

Então, o futuro é socialista? Cada um pode fazer a sua previsão, como é claro: e, dado que ninguém tem a bola de cristal, qualquer previsão pode ser válida. Pessoalmente acho que não, que o destino não será o Socialismo, pelo menos não na forma como hoje é identificada tal ideologia. Claro, o Capitalismo irá ruir com todos os seus dogmas, como o crescimento infinito: é natural que assim seja pois o mesmo Schumpter demonstra quanto cruel possa ser (e é) o nosso sistema. Mas esta queda anda fica longe e, entretanto, muita água terá de passar debaixo das pontes. Na altura de substituir o Capitalismo, provavelmente terá madurado outra(s) doutrina(s) num mundo que, felizmente, já não conhecerá a distinção entre Esquerda ou Direita; não esquecemos que estes são “valores” muitos recentes, nunca tinham existido antes de 1789. Tentar enquadrar tanto o passado como o futuro com os olhos de hoje é um vício danado que produz sempre erros crassos.

Parafraseando Schumpter: o Socialismo pode sobreviver? Não. Não creio que possa. A sua sobrevivência estaria a indicar uma total paralisia na evolução da teoria política: tudo ficaria ainda parado ao 1789. Mas eu não tenho uma bola de cristal e o Homem é capaz tanto de coisas maravilhosas como de particularmente estúpidas.

 

Ipse dixit.

2 Replies to “Joseph Schumpeter e a Destruição Criativa”

  1. Muito boa reflexão do autor. Coisas tem acontecido tal qual.
    Meu palpite é que uma espécie de neo capitalismo vai sobreviver aos escombros do capitalismo financeiro, sempre na direção da concentração do poder e da riqueza.
    E depois de muitas e muitas décadas, séculos talvez, em meio a desgraça total da maioria, uma memória coletiva talvez vivifique em meio à humanidade, e os poderosos serão atacados e alguns destruídos. Terá chegado o momento da guerra total, o final dos tempos para nós, humanidade, ou um verdadeiro reinício sem hierarquias, sem dominação.
    Infelizmente aposto mais no fim dos tempos para a humanidade.

  2. Mas fora do capitalismo, o que há realmente ? igual a democracia digital, no fim vemos quem manda realmente e forma a opinião dos tolos. Concordo com a esclarecida Maria, do cometário acima.

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