A história da SPARS

Baltimora, 09 de Janeiro de 2030,

No ano de 2025, o mundo tinha-se tornado simultaneamente mais conexo mas mais dividido. O acesso quase universal à Internet sem fios e às novas tecnologias – incluindo a nova Internet Accessing Technology (IAT, “Tecnologia de Acesso à Internet): ecrãs finos e flexíveis que podiam ser temporariamente fixados a pastas, mochilas ou vestuário e utilizados para transmitir conteúdos a partir da Internet – tinha proporcionado os meios para uma rápida partilha de notícias e informações. No entanto, muitos optaram por auto-limitar as fontes a que recorriam para obter informação, escolhendo muitas vezes interagir apenas com aqueles com quem concordavam. Esta tendência tinha isolado cada vez mais os cidadãos uns dos outros, tornando a comunicação através e entre estes grupos cada vez mais difícil.

Do ponto de vista governamental, a Administração era liderada pelo Presidente Randall Archer, que tinha tomado posse em Janeiro de 2025. A maioria dos quadros superiores do Presidente Archer, incluindo a Secretária do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, Dra. Cindra Nagel, foram transferidos da Administração anterior. Na altura do surto inicia de SPARS, Nagel ocupava este cargo há pouco mais de três anos. No que respeita mais especificamente à comunicação, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA (HHS), os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), a Food and Drug Administration (FDA) e outras agências de saúde pública tinham vindo a adoptar cada vez mais uma gama diversificada de tecnologias de redes sociais, incluindo plataformas há muito existentes, tais como Facebook, Snapchat, e Twitter, bem como plataformas emergentes como ZapQ, que permitia aos utilizadores agregar e arquivar conteúdos seleccionados de outras plataformas e partilha-los com grupos sociais baseados no cloud, com base em interesses comuns. Organizações federais e estatais de saúde pública também desenvolveram aplicações específicas e intensificaram os esforços para manter e actualizar websites.

No entanto, a diversidade das novas plataformas de informação era desafiava pela velocidade com que a comunidade dos media sociais evoluia. Além disso, embora tecnologicamente conhecedoras e capazes, estas agências ainda estavam atrasadas em termos de competências “multilingues”, culturais e capacidade de estarem presentes em todas as formas da comunicação social. Também estas agências enfrentavam limitações orçamentais consideráveis, que complicavam ainda mais os seus esforços para expandir a presença através das plataformas acima mencionadas e melhorar a aceitação por parte do público.

Em meados de Outubro de 2025, foram relatadas três mortes numa igreja em St. Paul, no Minnesota. Dois membros da igreja tinham recentemente regressado de uma viagem às Filipinas. Enquanto inicialmente pensava-se que as suas mortes tivessem sido causadas pela gripe, mais tarde os resultados laboratoriais refutaram esta teoria.

Os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) confirmaram que os três pacientes tinham sido infectados com um novo coronavírus, conhecido como Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda de São Paulo (SPARS-CoV, ou simplesmente SPARS).

Curiosamente, as estimativas acerca da mortalidade tinham sido inflacionadas, uma vez que o CDC tinha estimado uma taxa de mortalidade de SPARS em 4.7% enquanto a OMS tinha relatado 14-15% e mais de 50% entre as pessoas com idade superior aos 64 anos. Estudos subsequentes teriam fornecido uma estimativa mais precisa de apenas 0.6%.

Os sistemas de saúde pública e os profissionais médicos não conseguiram travar a propagação da SPARS. A transmissão tinha sido acelerada com a chegada do Dia de Acção de Graças e da Sexta-feira de Halloween, à medida que as pessoas assintomáticas se deslocavam. Em meados de Dezembro, foram relatados casos de SPARS em 26 Países, como por exemplo México, Canadá, Brasil, Japão e vários Estados europeus.

Finalmente, uma vacina animal foi vista como uma potencial solução. Nas Filipinas, os agricultores tinham utilizado a vacina para tratar uma doença respiratória provocada por coronavírus e semelhante à SPARS em vacas e porcos. O fabricante da vacina, a GMI, alegava que a vacina ajudaria mas os ensaios clínicos mostravam efeitos secundários, incluindo pernas inchadas, dores severas nas articulações e encefalite que provocava convulsões ou até morte. Não havia dados disponíveis sobre os efeitos de longo prazo da vacina da GMI. Apesar desta controvérsia, a CynBio, uma empresa farmacêutica americana, desenvolveu uma vacina SPARS baseada na tecnologia GMI.

O Departamento de Saúde e Serviços Humanos concordou em fornecer uma renúncia de responsabilidade ao fabricante da vacina CynBio no caso de alguém ficar prejudicado pelo produto. Alguns entre o corpo médico eram contrários à administração da vacina: como teria sido possível para as autoridades sanitárias federais responder aos críticos que acreditavam que a imunidade dos fabricantes das vacinas SPARS punha em risco a liberdade e o bem-estar individuais? Pelo que  a discussão acerca do uso da vacina continuou por muito tempo ainda.

Paralelamente as pesquisas continuaram e foi desenvolvido um tratamento conhecido como Kalocivir enquanto um número crescente de indivíduos começava a contestar o uso de medicamentos e promovia “curas naturais como alho e vitaminas”.

As preocupações com o Kalocivir aumentaram quando, em Fevereiro de 2026, um vídeo viral mostrou uma criança de três anos de idade num estado precário que vomitava após ter tomado uma dose do medicamento. O vídeo foi partilhado nos Estados Unidos com os hashtags #NoKalocivir e #NaturalIsBetter. Os activistas dos meios de comunicação social começaram a utilizar grupos ZapQ para partilhar o vídeo e até a colocar ecrãs IAT na parte de trás dos seus casacos e mochilas enquanto as imagens da criança eram continuamente repetidas. Durante o Verão, o vídeo foi o “Zap clip” mais partilhado entre estudantes do ensino médio e secundário.

Apesar dos casos de SPARS começarem a diminuir, o ruído persistente das redes sociais em torno da pandemia significou que a ansiedade pública permanecia elevada.

Em Maio de 2026, o CDC admitiu que a SPARS era fatal em apenas 0.6% dos casos nos Estados Unidos. Esta realidade reflectiu-se nas redes sociais, onde grande parte do público começou a aperceber-se de que a SPARS não era tão perigosa como lhes tinha sido dito. Com a incerteza contínua sobre o Kalocivir e uma vacina ainda não disponível, a nova estimativa de uma taxa de mortalidade mais baixa do que antes comunicado levou o público a tornar-se cada vez mais hostil. CDC, FDA e outras agências governamentais continuavam a trabalhar com peritos dos meios de comunicação social para desenvolver campanhas de sensibilização sobre SPARS, Kalocivir, e a próxima vacina, o assim chamado Corovax.

O público não reagiu bem às campanhas e utilizou os meios de comunicação social para expressar a sua desaprovação. Até os principais media começaram a questionar a narrativa do governo e a segurança do Corovax. A oposição à vacina fundiu-se com o crescente movimento anti-vacinação que emergiu nas redes sociais. Estes grupos consistiam maioritariamente em muçulmanos que se opunham à vacina, afro-americanos que não confiavam no governo por receio da experimentação na comunidade negra, comunidade da medicina alternativa e, obviamente, comunidade anti-vacinação. Estes opositores espalhavam informação afirmando que o Corovax não tinha sido devidamente testado e que teria efeitos secundários desconhecidos.

As sondagens nacionais realizadas em meados de Agosto de 2026 mostraram que 68% dos cidadãos dos EUA tinham lido um artigo ou um comentário de alguém que expressava crenças anti-Corovax. O governo japonês também rejeitou a vacina, partilhando vídeos de palestras informativas contrárias ao Corovax.

Em resposta a esta oposição, o governo dos EUA começou a trabalhar com os meios de comunicação social e de pesquisa para enviar anúncios direccionados a pessoas à procura de páginas internet anti-vacinas. O CDC também começou a extrair dados dos meios de comunicação social para partilhar histórias positivas a fim de promover a imagem do sistema de saúde. O governo dos EUA pediu aos profissionais de saúde que concedessem acesso aos registos de saúde electrónicos dos pacientes, num esforço para determinar quantas pessoas encontravam-se nas faixas de maior risco.

Finalmente começou a administração do Corovax mas à medida que a vacinação avançava surgiam também os efeitos secundários negativos. Os pais alegavam que os seus filhos apresentavam sintomas neurológicos semelhantes aos observados em animais injectados com a vacina do GMI e, em Maio de 2027, algumas famílias começaram a intentar acções judiciais exigindo que a cláusula de responsabilidade para proteger as empresas farmacêuticas que tinham desenvolvido o Corovax fosse retirada.

No final de 2027, novos sintomas neurológicos começaram a aparecer nas pessoas que tinham tomado o Corovax. Após a ausência de efeitos secundários adversos durante quase um ano, vários indivíduos vacinados começaram a experimentar sintomas tais como visão turva, dores de cabeça e dormência nas extremidades. Ainda hoje, em 2030, não está claro se as vacinas foram as responsáveis por estes efeitos secundários.

Embora a pandemia tenha acabado oficialmente em 2028, ainda existem casos em 14 Países da Europa, África e Ásia. Os peritos da OMS prevêem futuros surtos, a não ser que os Países mantenham uma extensa cobertura vacinal. Mas os efeitos da SPARS foram muito além da saúde.

Quando foi finalmente possível voltar à vida normal, as pessoas começaram a concentrar as suas frustrações nos políticos e nos representantes das instituições, culpados de exagerar a gravidade do evento. Vários altos funcionários do CDC e da FDA foram obrigados a demitir-se. Mas, mesmo assim, ainda parece haver uma falta de verdadeira responsabilização, uma vez que há pouco desejo de reelaborar os acontecimentos dos últimos anos.

E as teorias da conspiração continuam a proliferar através dos meios de comunicação social, sugerindo que o vírus foi sido criado e introduzido de propósito na população por parte de empresas farmacêuticas ou que fugiu de um laboratório governamental que estava a testar secretamente armas biológicas.


Como os Leitores terão percebido, esta história foi inventada, mas não por parte de Informação Incorrecta. Está contida na simulação SPARS Pandemic 2025 – 2028, que é apenas uma das várias simulações que foram preparadas ao longo dos últimos anos e que tinham como objectivo o estudo de possíveis cenários em caso de pandemia.

SPARS Pandemic é de 2017.

Clade X é de Maio de 2018.

Crimson Contagion é de 2019.

Event 201 é de 2019 também.

O SPARS Pandemic foi conduzido pelo Johns Hopkins Center for Health Security; o Clade X foi também do Johns Hopkins Center for Health Security mais Facebook e uma miríade de outras empresas privadas; o Crimson Contagion foi obra da Administração dos EUA enquanto o Event 201 foi da Fundação Gates, do World Economic Forum e do omnipresente Johns Hopkins Center for Health Security.

A propósito deste último, é importante realçar tanto a sua função de think tank na órbita Rockefeller quanto o facto dos seus financiamentos terem origem no dinheiro público e ainda mais no sector privado: Bill and Melinda Gates Foundation, Rockefeller Foundation e Open Philanthropy Project, uma organização sem fins lucrativos iniciada por um dos fundadores de Facebook (Dustin Aaron Moskovitz) atrás da qual podemos encontrar uma panóplia de outras organizações e empresas públicas ou privadas, como numa matriosca.

Só para fazer um exemplo: membro do Open Philanthropy Project é Open AI, financiada pela Microsoft; outro membro é a organização Give Directly, financiada por Google, USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, que por sua vez recebe fundos da Unilever) e Center for Disaster Philantropy (financiado, entre outros, por AstraZeneca, JPMorgan Chase & Co., Northrop Grumman, The Coca-Cola Foundation e Verizon); membro é também Evidence Action, na qual administração encontramos dois elementos da Billl and Melinda Gates Foundation (e fundos do Banco Mundial, da Silicon Valley Community Foundation e do mesmo Open Philanthropy Project). Acho que chega para ter uma ideia do que e de quem está envolvido neste Johns Hopkins Center for Health Security.

Voltando aos estudos, é interessante notar a cronologia: apesar de terem existidos ante pesquisas com o mesmo objectivo (por exemplo o Darkest Winter de Junho de 2001), não deixa de ser curioso o facto de ter havido quatro delas no espaço de três anos; e três destes estudos viram a participação do Johns Hopkins Center for Health Security, acerca do qual já temos uma ideia suficientemente clara. Feitas as contas, estes estudo privados foram realizados em 2017, 2018 e o último em 2019, o mesmo ano em que surgiu o actual Coronavirus no mercado do peixe de Wuhan. Trata-se duma coincidência, não há dúvidas: de certeza que ninguém quer abraçar teorias da conspiração.

No entanto, estes estudos forneceram valioso material aos pesquisadores: vários cenários que, uma vez analisados, poderiam ter moldado um roteiro útil para gerir uma situação de emergência real, evitando determinados erros em prol de escolhas com resultado devidamente predeterminados para salvar milhões de vidas.

Pena que assim não foi. O vírus chegou e as organizações de saúde pública foram apanhadas de surpresa. Uma série de estudos aparentemente inúteis. Para boa sorte, houve alguém com uma visão suficiente para preparar em tempo de recorde uma vacina totalmente inovadora e ao mesmo tempo absolutamente segura.

 

Ipse dixit.

2 Replies to “A história da SPARS”

  1. Surpresas à parte, ainda não está claro como termina o guião desta história.
    Será que o bem vai ganhar, como sempre? Ou, desta vez, as forças do mal vencerão, também como sempre?

  2. Parece que esse SPARS Pandemic 2025 – 2028 é o plano B.

    Pelo jeito não estão botando fé na eficiência do “grande reset”.

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