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Cristóvão Colombo e a História para atrasados

Tarde de Domingo, altura de prisão domiciliária decretada pelo Governo de Portugal para travar a diabólica pandemia de Covid-19. Pelo que vou entreter-me com algo diferente, algo que com certeza a maioria dos Leitores de Informação Incorrecta gostaria de evitar: História antiga.

E que fique claro, a culpa não é minha. Ontem assisti a um documentário acerca das viagens de Cristóvão Colombo e após 5 minutos já estava a dizer palavrões. Eu dizia palavrões, entendo, não Colombo. Não é possível no Ano do Senhor de 2020 continuar a contar a História como se o espectador fosse uma criança atrasada. Mas é isso que acontece, tanto na televisão quanto na escola.

Vamos por ordem.

Na Idade Média era conhecida a verdadeira forma da Terra (que, tanto para evitar confusões, é esférica).

Não havia Rei ou Papa que duvidasse disso. O conhecimento da forma esférica do nosso planeta era uma herança da Grécia Clássica. Não sabemos com certeza quem foi o primeiro a pensar nisso mas sabemos quem foi o primeiro a escreve-lo: Pitágoras, no VI século antes de Cristo. Como é que os Gregos tinham percebido isso? De várias formas e forma bastante simples até: por exemplo, ao ver um navio aproximar-se, antes conseguimos observar as velas e só depois o casco. O que é impossível com uma Terra plana.

Parêntesis pessoal: nos frios dias de Inverno, em que domina o vento do Norte (a Tramontana) que limpa o céu até torna-lo cristalino, das alturas de Genova é possível ver a ilha francesa da Córsega. Não as praias de Tollare ou Barvaggio, que ficam debaixo da linha do horizonte, mas o Maciço do Ersa, que fica atrás delas e é mais elevado. E isso porque a Terra é redonda (também entre Genova e a Córsega). Parêntesis fechada, que hoje chove e depois molha-se todo o chão.

Outra prova à disposição dos Gregos eram os eclipses. Os antigos sabiam que a Lua não era um disco de papelão pendurado no céu e sabiam disso porque na verdade nós podemos ver mais do que metade da superfície do satélite: por causa do fenómeno conhecido como “libração”, podemos observar 59% do total. Dado que se a Lua fosse apenas redonda uma tal coisa seria impossível (ficaria visível o rebordo do disco), e dado que os Gregos não eram totalmente idiotas, em 482 a.C. Anassàgora apresentou a ideia pela qual a Lua era uma rocha esférica que reflectia a luz do Sol (em boa verdade Anasságora tinha as ideias um pouco confusas pois achava que também o Sol fosse uma rocha que emitia a luz e o calor, mas enfim, considerando que na altura Wikipedia estava só no início, podemos dar-lhe um desconto…). Os Gregos observaram também que durante os eclipses de Sol a sombra projectada pela Terra na Lua era circular, então fizeram 2 + 2 (que na Antiga Grécia dava 4): também a Terra era aparentemente um disco, tal como a Lua. Pelo que também a Terra era uma esfera.

Mais tarde, Eratóstenes de Cirene (III séc. a.C.) tentou medir a circunferência da Terra, obtendo o resultado de 250.000 estádios egípcios, isso é: 39.375 km, em comparação aos 39.941 km obtidos com os instrumentos modernos. Um erro de 1.4%, conseguido com os meios de 2.500 anos atrás, espantoso.

Todos estes conhecimentos não foram perdidos durante a época romana, bem pelo contrário; e só com a queda do Império a cultura encontrou mais dificuldades para ser difundida. Mas a ideia da Terra esférica sobreviveu. E a prova está debaixo dos nossos olhos, em qualquer livro de história com fotografias. Observem a seguinte imagem:

É uma das muitas representações de Carlos Magno, que reinou até a morte, em 814 d.C., portanto numa altura considerada entre as mais “escuras” da nossa história. Há algumas variações desta imagem: nalgumas Carlos Magno tem uma espada, em outras tem um ceptro. Mas em todas nunca sorri e, na sua mão esquerda, tem sempre um globo com uma cruz por cima: enquanto a cruz representa a Cristandade, o globo é a representação esférica da Terra. Se Carlos Magno tivesse pensado numa Terra plana teria tido na mão um prato.

Pelo que, a ideia de que os antigos julgassem a Terra como plana é um mito. E sabemos até quando este nasceu: durante o Iluminismo, numa altura em que foi decidido que só o puro raciocínio tem valor enquanto o resto é lixo. E dado que na óptica dos Iluministas a Idade Média foi uma época muito afastada do pensamento puramente racional (o que não é completamente uma mentira), a partir do 1700 podemos observar o surgimento de muitos mitos negativos relativos ao período que vai desde a queda do Império Romano (séc. V d.C.) até o Renascimento (séc. XVI d.c.). É por causa das ideias iluministas que, ainda hoje, definimos a Idade Média como uma época de retrocesso cultural. É verdade que, como afirmado, a troca de informação científica era muito abrandada, mas a conservação e os estudos dos documentos antigos eram práticas bem activas nos mosteiros e nas bibliotecas do Velho Continente. A “época escura” durou pouco: muitos estudiosos britânicos, por exemplo, fixam no ano 1.000 a divisão entre o fim da Alta Idade Média e o começo da Baixa Idade Média, na qual são evidentes os sinais duma forte recuperação tanto económica quanto cultural. É na Baixa Idade Média que são constituídas as primeiras universidades (1088 em Bologna, Italia), é sempre nela que começam a aparecer as catedrais de estilo gótico (Saint Denis, França, 1122) que implicavam profundos conhecimentos não apenas arquitectónicos. No final de 1300, cidades como Firenze, Ferrara, Urbino, Siena, Padova, Perugia, Vicenza, Verona, Mantova, Milano e Napoli começaram a exportar para o estrangeiro uma notável renovação cultural e científica, movimento que continuou até o século XVI. Pelo que, contrariamente a quanto apoiado pelos Iluministas, a Idade Média não foi um época de obscurantismo mas de profundas transformações, e a génese do Renascimento pode ser encontrada já poucos anos depois do ano 1000.

Resumo: é óbvio que Cristovão Colombo nunca teve que convencer alguém de que a Terra fosse esférica, este era um dado adquirido há séculos. A cultura tinha sobrevivido aos curtos séculos obscuros, encontrava-se numa fase de franca expansão, acelerada ainda mais pela invenção da imprensa em 1455 por parte do alemão Johannes Gutenberg.

A reunião dos sábios em Salamanca com os ovos cozidos

Conta a história para atrasados que Colombo teve que reunir-se na cidade espanhola de Salamanca com os sábios nomeados pelo Rei Dom Fernando II de Aragão para apresentar o seu plano: não apenas a Terra era esférica, como também era possível viajar para Ocidente e alcançar as Índias. E temos também alguns pormenores. Narra-se que um dos sábios perguntou a Colombo: “Mas se a Terra é esférica, como é que não rola continuamente até afastar-se do Sol?”. Colombo pegou num ovo cozido (evidentemente nas reuniões dos sábios havia sempre ovos cozidos por perto), apoiou o ovo com força em cima da mesa e este não rolou. Maravilha! Espanto! Aplausos em directo!

A coisa divertida no meio disso tudo é que não há a mínima prova de que Colombo tenha alguma vez encontrado os “sábios” em Salamanca. Sabemos que existia a Universidade (a mais antiga de Espanha, fundada em 1218) e sabemos que o Rei costumava pedir opiniões aos eruditos. Mas de certeza nunca perguntou qual a forma da Terra, porque a resposta mais provável dos sábios teria sido “Majestade, veja de estudar um pouco mais e não perturbe nós sábios enquanto cozemos os ovos”. O que Dom Fernando II eventualmente pediu foi outra coisa.

Colombo em Salamanca perante os sábios numa pintura de William Henry Powell e realizada em 1847. A maior parte destas representações são posteriores ao período iluminista..

Sabemos que Colombo estava em correspondência epistolar com Paolo Toscanelli, geógrafo de Firenze. Toscanelli era convencido de que a circunferência da Terra fosse menor de quanto presumido na altura: e isso poderia significar alcançar as Índias navegando em direcção ao Ocidente num tempo bem mais curto do que imaginado. Sabemos também que Colombo navegou bastante antes de transferir-se para Espanha, tendo tocado Portugal, Grécia, Inglaterra, Irlanda e Islândia; ouviu os contos dos marinheiros e as notícias das descobertas de canas e árvores ao largo das costas das ilhas dos Açores; é possível que tenha ouvido falar também das terras da Gronelândia, até poucas décadas antes alcançáveis com pouco mais duma semana de navegação (a partir de Islândia), o que demonstrava que no Ocidente havia terras: e, dados os conhecimentos da época, aquelas terras só poderiam ser a Ásia. Finalmente, sabemos também que Colombo tinha procurado informações em publicações como Historia rerum ubique gestarum de Papa Pio II (de 1477), o Imago mundi de Pierre d’Ailly (1480) e Il Milione de Marco Polo (não lembro a data), livros que leu enquanto residia em Portugal (provavelmente num recolher obrigatório contra a pandemia, presumo eu).

O caso da Gronelândia

E com a Gronelândia, como é? Afinal a grande ilha, que faz parte do continente americano, era conhecida há muito. Ninguém sabia dela? Ninguém imaginava que além da Gronelândia houvesse um inteiro e novo continente?

No passado os homens já tinham alcançado tanto a Gronelândia quanto a costa do continente americano: isto está fora de questão. Mas as explorações dos Vikings na América do Norte, assim como as possíveis anteriores travessias de Fenícios, Gregos e talvez Romanos mais ao Sul, não tinham deixado rastos na memória colectiva da Europa, com a excepção dos Países Escandinavos que, todavia, na altura ficavam longe dos centros culturais do Velho Continente. Os missionários cristãos (com algumas excepções) não estavam interessados nas tradições escandinavas, muitas das quais apenas orais: o objectivo deles não era a historiografia dos locais mas apagar tudo quanto estivesse relacionado com os costumes (considerados bárbaros), lendas e contos incluídos. A historia de Erik o Vermelho, com os seus primeiros entrepostos no Canada, não proporcionavam nenhuma vantagem nesta sentido.

Restos da aldeia viking de Brattahlid (séc. XI d.C.)

Outro problema é que a Gronelândia, sede das únicas povoações europeias estáveis, ficava no extremo Norte, bem perto do Polo, pelo que era considerada uma espécie de excepção e não parte dum novo continente. Além disso, o objectivo do Velho Continente era, eventualmente, encontrar o caminho mais curto para o Oriente, sem desvios que atravessassem as terras inóspitas do Norte. E, por azar, pouco antes do começo das viagens das Descobertas, a Idade Media abandonava um clima mais quente (conhecido como MWP, Medieval Warm Period, o Aquecimento Global da altura) para entrar num período mais frio que será a causa da Pequena Era Glacial nos séculos seguintes: as rotas do Norte enchiam-se assim de gelo, a Gronelândia tornava-se cada vez mais inóspita e de certeza deve ter havido uma pequena virgem sueca a gritar “Arruinaram o meu futuro! Usem menos os navios que poluem!”. Mesmo assim, ainda em 1448, menos de 50 anos antes da primeira viagem de Colombo, Papa Nicolau V instruía os bispos de Skálholt e de Hólar (as duas sedes episcopais da Islândia) para fornecerem aos habitantes da Gronelândia padres e um bispo.

O dinheiro, sempre o dinheiro…

Pelo que, a ideia de Colombo era simples: a Terra é mais pequena do que suposto, portanto a viagem até Oriente passando pelo Ocidente é possível. E, eventualmente, este foi o motivo do encontro na Universidade de Salamanca (se é que alguma vez aconteceu).

Do seu lado, o que pode ter perguntado Dom Fernando II aos sábios de Salamanca? Só duas coisas: 1. é possível que a circunferência da Terra seja mais pequena de quanto pensado até agora? 2. quanto custaria esta brincadeira? Porque o factor dinheiro era extremamente importante. Foi por esta razão que João II, Rei de Portugal, tinha recusado financiar a expedição de Colombo; e foi pela mesma razão que a primeira resposta de Dom Fernando II tenha sido negativa também. Ao ignorar a existência do continente americano, a hipótese mais provável era ver desaparecer numa viagem sem regresso Colombo, os marinheiros e os navios todos: não era propriamente um grande investimento. Paciência no caso de Colombo e dos tripulantes, mas três navios eram valiosos.

Réplica da caravela Pinta

A Espanha da altura não era como é conhecida hoje: as terras de Castilha e Aragão tinham sido unificadas um par de décadas antes e os últimos árabes foram derrotados só em Janeiro de 1492, com a queda do Emirado de Granada. Portanto, um País jovem, com tensões sociais (os muçulmanos ainda presentes e os hebreus não gostavam da ideia de converter-se obrigatoriamente ao Cristianismo), ainda com um certo de grau de instabilidade e necessidades várias mas urgentes. A última coisa em que pensava Fernando II era gastar dinheiro em viagens duvidosas.

Mas a hipótese de poder ter acesso às riquezas do Oriente sem ter que passar pelos intermediários árabes deve ter convencido o soberano espanhol: e isso sem esquecer a insistência da Rainha Isabel sob a influência do Bispo Alessandro Geraldini, confessor da Rainha e amigo pessoal de Colombo. Pelo que, o tesoureiro da Corte Espanhola encontrou metade das verbas necessárias para os célebres três navios (a Niña, a Pinta e a Santa Maria), enquanto a outra metade foi financiada por Colombo através dum empréstimo do Banco de San Giorgio de Genova (cidade da qual Colombo ainda era cidadão) e de Giannotto Berardi, mercante de Firenze, amigo e sócio de Colombo.

Colombo estava errado?

Dúvida: mas Colombo estava convencido das suas ideias ou inventou a teoria da Terra mais pequena só para alcançar riquezas algures? Neste caso a resposta pode ser dada com absoluta certeza.

Em primeiro lugar porque Colombo escrevia no diário os relatos das suas viagens e nunca teve dúvida de que as terras alcançadas fizessem parte da Ásia. Toda a seu quarta viagem, na qual arriscou morrer com os tripulantes nas praias de Costa Rica e Panamá, foi finalizada na procura duma passagem que consentisse deixar para trás as primeiras ilhas descobertas (ilhas do Extremo Oriente na óptica dele) para alcançar o mítico Catái (como era conhecida a China na altura), que “tinha” de ficar aí perto. Colombo morreu (em 1506) convencido de ter alcançado o Oriente e nunca lhe passou pela cabeça o facto de ter embatido num novo continente.

Em segundo lugar porque todos, até um ano depois da morte de Colombo, continuavam a pensar que as novas terras fizessem parte das ilhas orientais, perto de China e Japão. Só em 1507, com uma expedição que alcançou o Brasil e a Argentina, o navegador fiorentino Amerigo Vespucci intuiu que aquelas terras deveriam ser algo mais de que o extremo Oriente: eram um continente novinho em folha (e é por isso que hoje a América tem este nome, em honra de Amerigo Vespucci).

Os cálculos de Paolo Toscanelli não batiam certos, a Terra era realmente maior. Se por absurdo não tivessem encontrado o novo continente, os tripulantes das três caravelas não poderiam ter sobrevivido perante a imensa extensão do Oceano Pacífico. A verdade é que Colombo estava redondamente errado já antes de partir. Portanto: Colombo, um génio de Genova, tal como eu….

Mas Colombo era genovês?

Para acabar: são vários os Países que afirmam ser a pátria do navegador.

França – A França afirma que Colombo era da Córsega, em particular da cidade de Calvi.

Espanha – A Espanha fala dum Colombo nascido na Catalunha mas de origem aragonês. Segundo Simon Wiesenthal, célebre espalhador de ódio e perseguidor dos nazistas, Colombo era um sefárdico (judeu espanhol) que navegou para o Novo Mundo não tanto por causa das suas crenças geográficas, mas sim por causa da sua fé nos textos bíblicos, especialmente no Livro de Isaías. Jane Francis Amler afirmou que Colombo era um “marrano” (judeu espanhol convertido ao Cristianismo).

Portugal – Segundo autores portugueses, Colombo era de Cuba (no Alentejo) e o seu verdadeiro nome era Salvador Fernandes Zarco, filho de Fernando Duque de Beja e neto materno de João Gonçalves Zarco, descobridor da Madeira. Outros historiadores acrescentam que Colombo teria trabalhado em Espanha como espião português, para desviar a atenção da coroa espanhola da África. Uma teoria mais recente afirma que Colombo era na realidade o pirata português Pedro de Ataíde.

Polónia – E depois temos a Polónia, segundo a qual Colombo era de facto o Príncipe Segismundo Henriques, filho do Rei Ladislau III da Polónia, que vivia na Madeira com a sua esposa, Senhorinha Annes de Sá Colonna, descendente de Cecília Colonna, filha ilegítima de Giacomo Sciarra Colonna. Segismundo Henriques teria mudado o nome para Christopher Colon para proteger a identidade do seu pai.

Grécia – Segundo outros, Colombo era um nobre grego bizantino: neste caso teria sido Georges Paléologue de Bissipat (também conhecido como Georges le Grec), um nobre bizantino exilado que vivia em França desde 1460 e que prestava um valioso serviço ao rei francês. Os pesquisadores Du Cange e Renet afirmam que na verdade Georges de Bissipat era Georgios Palaiologos Dishypatos, descendente de uma antiga família nobre bizantina que fugiu para França algum tempo após a queda de Constantinopla em 1453 e, até à sua morte em 1496, prestou importantes serviços aos reis franceses Luís XI (1423-1483) e Carlos VIII (1470-1498), inclusive como vice-almirante.

Noruega – Os noruegueses Svein Grodys e Torch Sannes salientam a ascendência escandinava de Colombo. Neste caso, Iohannes Colon, o avô de Cristóvão Colombo, era Johannes Bonde, neto de Tord Bonde e, portanto, primo do rei Carlos VIII da Suécia/Carlos I da Noruega (cujo nome era Karl Knudsson Bonde), e primo em segundo grau de Erik Johansson Vasa. Colombo também tinha conhecidos próximos chamados Galli, quase como o nome de outra importante família nobre norueguesa da época, os Galle. Com base nisso, Sannes esboça um cenário em que Colombo poderia ter nascido em Nordfjord e visitado a Ilha Devon em 1477. Pelo que um monumento a Colombo foi erguido em Hyen, lugar de origem da família Bonde.

Escócia – O engenheiro espanhol e historiador Alfonso Ensenat de Villalonga afirma que Cristóvão Colombo era “o filho de comerciantes e não de tecelões e foi baptizado Pedro não Cristóvão” e “o seu nome de família era Scotto, e não era italiano mas de origem escocesa”.

Tudo muito interessante (e espero não ter esquecido outras hipóteses) mas que choca com os testemunhos dos contemporâneos e com a quantidade de documentos que demonstram a origem inequivocamente genovesa do navegador. O qual também escreveu em 1488 “Siendo yo nacido en Genova… de ella salí y en ella naci…”.

Relatar todos os testemunhos contemporâneos (quase uma centena de primeira mão, para não falar dos indirectos) seria tarefa morosa, também como examinar toda a documentação oficial da época guardada nos Arquivos do Estado de Genova (mais de trezentas actas oficiais da República de Genova que seguem o percurso da família Colombo desde o séc. XII d.C.). Mais vale falar apenas da última descoberta, aquela de Junho de 2010 efectuada por Aldo Agosto, Director dos mesmos Arquivos. Agosto recolheu outros cento e dez documentos notariais na maioria inéditos (e apresentados oficialmente numa conferência de estudo em Valladolid, Espanha) que testemunham a origem do navegador com uma árvore genealógica que remonta a cerca de sete gerações, a  partir de Guglielmo Colombo ao serviço do Arcebispo de Genova em 1172.

Genova: a casa adquirida por Domenico Colombo, onde nasceu Cristoforo.

Em particular, a família de Colombo teria vivido na Riviera de Levante da Liguria, naquele que hoje chama-se Golfo Paradiso, mudando a sua residência com uma certa frequência (por exemplo entre Bogliasco e Sori), de acordo com o conflito entre o partido dos Guelfos (ao qual pertenciam os Colombo) e dos Gibelinos, em cuja proscrição aparece frequentemente o nome dos Colombo. Tais estudos apresentam a hipótese de que os antepassados de Colombo vieram da cidade de Sori (uns 15 km de Genova); o seu avô chamava-se Giovanni e o documento que prova este facto data de 1198. Mais tarde, a família Colombo, sempre por causa da guerra entre Guelfos (apoiantes do Papa) e Gibelinos (apoiantes do Imperador), teve de fugir para a Val Fontanabuona (no interior da Liguria) para escapar à violência dos seus opositores. Com o fim do séc. XIV acabaram as guerras entre as duas facções e os Colombo voltaram a viver perto da costa.

Domenico Colombo, o pai do navegador, nasceu em 1418 e durante os primeiros anos trabalhou na oficina do pai Giovanni como tecelão (em particular no âmbito da lã), até tornar-se Maestro Lanaiolo (Mestre Tecelão de Lã) e abrir uma loja. Os negócios de Domenico prosseguiram com altos e baixos e por esta razão, enquanto continuava a tratar de tecidos, abriu também uma taberna em Savona (cidade vizinha de Genova), comercializando vinho e outros alimentos.

Domenico Colombo era também aquilo a que hoje se chamaria de “activista político”, envolvido na luta entre as poderosas famílias genovesas dos Doria, Spinola e Fieschi. Mesmo por causa destes conhecimentos políticos, Domenico conseguiu o lugar de guardião numa das portas de Genova, a Porta de Olivella, vendendo a taberna de Savona e alugando uma casa no bairro de Portoria (hoje em pleno centro de Genova), num terreno pertencente aos monges de Santo Stefano (casa que ainda existe). Um pormenor importante este do pai para também afastar uma possível origem judaica da família Colombo: na altura, Genova era uma cidade próxima do Papa e fortemente antissemita, pelo que nenhum judeu, mesmo que convertido, teria obtido um emprego ao serviço da República (e ainda menos um serviço para a defesa duma das portas das cidades). Foi naquela casa que Cristoforo nasceu em 1451.

Pronto, missão comprida: a verdade foi reposta, a Justiça triunfou, mais um dia glorioso de Informação Incorrecta. Agora em frente: de volta ao terrível Covid.

 

Nota: na imagem de abertura, a cara de Colombo está deturpada em honra dos movimentos Black Lives Matter! e Red Tomatoes Matter!

 

Ipse dixit.