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Os EUA e o Tribunal Penal Internacional

Do Atuar Fora do Estado de Direito: Washington Pressiona o Tribunal Penal Internacional

de Philip Giraldi

 

Aparentemente não há qualquer limite para o que Estados Unidos – U.S. e Israel possam fazer sem arcar com quaisquer consequências. Os Estados Unidos estão conduzindo guerra econômica devastadora contra Irã e Venezuela enquanto ao mesmo tempo culpam a China por crise global de saúde à qual não pretendem ajudar a amenizar, uma vez que se retiraram da Organização Mundial da Saúde. Entrementes Israel planeja anexar ilegalmente significativas partes da Cisjordânia em julho, com luz verde da Administração Trump, e ninguém na Europa ou alhures está sequer interessado em deflagrar sanções sérias que possam levar ao adiamento de tal decisão. O Primeiro-Ministro israelense Benjamin Netanyahu até declarou peremptoriamente que os palestinos remanescentes anexados não se tornarão cidadãos israelenses – serão, antes, “súditos” do estado judaico sem qualquer garantia de direitos ou privilégios.

O American Establishment(*) está totalmente solidário com o princípio segundo o qual os Estados Unidos e Israel devem ter “carta branca” no lidar com outras nações, em suas respectivas esferas de influência. Isso, na prática, significa controlar a narrativa segundo a qual os U.S. e o estado judaico sempre apareçam como vítimas do comportamento desonesto ou iníquo de outras nações; e significa, também, criar ambiente no qual não haja questionamentos legais/jurídicos eficazes referentes a ação agressiva.

(*) The Establishment é termo geral para aquelas pessoas, em finança, negócios e profissões, em grande parte do Nordeste, que detêm a principal medida de poder e influência neste país, independentemente de quem ocupe a Casa Branca. News & Courier, in ‘The American Establishment’,

Com efeito, a única organização especificamente criada para lidar com questões tais como guerras de agressão e limpeza étnica, International Criminal Court (ICC) [Tribunal/Corte Penal Internacional], em Haia, vem sendo especificamente visada tanto por Washington quanto por Jerusalém no intento de ser-lhe negada qualquer jurisdição em situações em que qualquer dos dois países esteja envolvido. Nem Israel nem os Estados Unidos reconhecem o ICC, pelo motivo óbvio de serem fontes eminentes de violações flagrantes de direitos humanos e lei internacional. Israel está particularmente preocupado, por causa de seus numerosos crimes de guerra, entre os quais aqueles relacionados com violação da Quarta Convenção de Genebra que proíbe “transferência, direta ou indireta, por Potência Ocupadora, de partes de sua própria população civil para o território que ocupe, ou a deportação ou transferência de toda ou de partes da população do território ocupado internamente ou para fora de citado território.”

O ICC foi, de fato, recentemente visado como alvo tanto pela Administração Trump quanto pelo Congresso. Há duas semanas grupo bipartidário de 69 senadores dos Estados Unidos submeteu ao Secretário de Estado Mike Pompeo carta condenando a “perigosa politização do tribunal” que “iniquamente visa Israel.” Os senadores urgiram com Pompeo para que continue seu “vigoroso apoio a Israel, pois o país defronta-se com crescente possibilidade de investigações e processos por parte do International Criminal Court.” A carta incluiu a afirmação de que “ações atualmente em andamento poderão levar a processos contra cidadãos israelenses…” embora “o ICC não goze de jurisdição legítima nesse caso.”

A assertiva de que o ICC não tem jurisdição é, na melhor das hipóteses, questionável, visto que o “Estado Palestino” goza da condição de observador e é membro de órgãos internacionais nas Nações Unidas. É também signatário do Estatuto de Roma que criou o ICC. A própria carta do Senado foi escrita, previsivelmente, por Ester Kurz, diretora legislativa da American Israel Public Affairs Committee (AIPAC) [Comissão de Assuntos Públicos Estados Unidos – Israel], o principal grupo de defesa dos interesses de Israel nos Estados Unidos. Carta similar também circulou na House of Representatives [Câmara dos Deputados], que acrescentou “questão estadunidense” mediante criticar a intenção do ICC de investigar crimes de guerra dos Estados Unidos no Afeganistão. Recebeu 262 assinaturas.

Antecipando-se a ameaça a interesses israelenses o Congresso dos U.S. de há muito tornou assistência de segurança e de outros tipos à Autoridade Palestina condicional, suspendendo todo apoio se “os palestinos tomarem a iniciativa de investigação judicialmente autorizada do International Criminal Court (ICC) ou apoiarem ativamente investigação da espécie, que sujeite cidadãos israelenses a investigação por alegados crimes contra palestinos.” Como Donald Trump já cortou quase toda assistência, inclusive ajuda humanitária concedida a refugiados, a punição por ir ao ICC está praticamente caduca e os palestinos, consequentemente, foram em frente com sua reclamação/queixa em tentativa de subverter o cronograma da anexação por Israel.

A carta dos senadores surgiu simultaneamente a advertência emitida por Pompeo ao ICC a qual concentrava-se em Israel, mas claramente visava a obstar quaisquer tentativas de investigar crimes de guerra estadunidenses no Afeganistão. Ele asseverou que o ICC é órgão político, não instituição judical legítima, e acusou a promotora-chefe Fatou Bensouda de investigar de má-fé “crimes de guerra israelenses em Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental.” A reclamação faz paralelo com a carta senatorial, o que talvez não seja coincidência, no afirmar que o tribunal não tem jurisdição e os palestinos não são “soberanos” e portanto, para começo de conversa, não têm legitimidade para recorrer ao tribunal.

E Pompeo concluiu com ameaça: “Tribunal que tente exercer seu poder fora de sua jurisdição é instrumento político que escarnece da lei e do estado de direito. Se o ICC continuar a trilhar seu curso atual, exigiremos/infligiremos(*) consequências.”

(*) exact – 1. Exigir e obter algo de alguém. ‘Ele exacted promessas de que outro Watergate jamais ocorreria.’ 2. Infligir (vingança). ‘Ele exacts cruel vingança contra o candidato vencedor.’ Lexico powered by Oxford. / Em português encontro exação, por exemplo ‘extremo rigor em exigir o pagamento de contribuições, dívidas etc.’ no Priberam, mas não encontro verbo por exemplo ‘exacir’. N. do T.

Israel também vem afirmando, como o fazem também os Estados Unidos, não estar sujeito ao “julgamento” do ICC porque tem sistema já existente de tribunal capaz de punir criminosos de guerra. Obviamente, o fato é que Israel não o faz e os U.S. o fazem apenas quando constrangidos. O mais recente criminoso de guerra estadunidense foi condenado por tribunais militares e em seguida perdoado pelo Presidente Donald Trump. Foi até homenageado na Casa Branca.

Bensouda anunciou, em novembro de 2017, que prosseguirá com investigação de alegados crimes de guerra dos U.S. no Afeganistão. A Administração Trump expressou sua ira mediante criticá-la em tweets, cancelar o visto dela para os Estados Unidos, e ameaçar processá-la juridicamente, e a equipe dela, e até juízes do ICC. A Casa Branca advertiu que se o ICC sequer ousar deter cidadão estadunidense, os Estados Unidos usarão força militar para libertá-lo. O Presidente Trump, Pompeo e John Bolton todos chamaram o ICC de “político, corrupto, irresponsável, infenso a prestação de contas e falto de nitidez/clareza/transparência e, portanto, ilegítimo.” A crítica soou curiosamente como descrição exata da própria Administração Trump.

Bensouda, que no passado revelou-se reticente quanto a confrontar Israel, está agora, noticia-se, dando seguimento à reclamação palestina. Foi também autorizada a ir em frente com sua investigação de crimes estadunidenses no Afeganistão. Se houver efetivamente julgamento, políticos, autoridades e oficiais militares de alto nível tanto de Israel quanto dos U.S. poderão ser intimados para depor. Se as intimações forem ignoradas, o que é provável, a promotora poderá então emitir mandados de detenção internacionais, significando que as pessoas poderão ser detidas e extraditadas para o Tribunal se viajarem para qualqur dos 123 países partes no Estatuto de Roma.

Portanto, é de esperar que tanto Estados Unidos quanto Israel continuem sua difamação do ICC, com inclusive ameaças de resposta/reação armada oriundas de Washington. Ataque a Haia poderia ser inimaginável no mundo real, mas os três últimos anos mostraram que Donald Trump é capaz de quase tudo. Até então, a esperança é que Bensouda continue sua obra de trazer à tona os crimes que continuam a ser cometidos tanto na Palestina quanto no Afeganistão. Constranger os Estados Unidos e Israel em fórum público altamente respeitado poderá ser a única maneira de acordar os cidadãos dos dois países para as coisas terríveis que têm sido e continuam a ser feitas em seu nome.

 

Nota: Os pontos de vista de cada contribuinte não necessariamente representam os de Strategic Culture ou de Informação Incorrecta.

Artigo original: Strategic Culture Foundation

Tradução by zqxjkv0