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Rumpelstiltskin

A Aliança Multipolar Induz Autodestruição de Rumpelstiltskin

de Matthew Ehret

 

Há diversas versões do antigo conto folclórico alemão acerca de Rumpelstiltskin. A história começa com rei ganancioso a quem é dito por velho moleiro néscio que uma mocinha (a filha do moleiro) tinha a capacidade de, ao tecer feno, transformá-lo em ouro. Quando a pobre menina é trancafiada numa torre com fardos de palha, um tear e ordens para transformar tudo em ouro sob pena de morte, diabrete mágico aparece do nada e os dois entram num acordo: Ele usará sua mágica para tecer o feno transformando-o em ouro sob a condição de a garota dar-lhe o primeiro filho que tivesse. O rei ganancioso fica satisfeito com a riqueza que aparece do nada, e o pescoço da menina é salvo. Infelizmente chega o dia em que ela deverá entregar ao pequeno demônio o primeiro filho, e o diabrete, em gozo sádico, diante de lágrimas suplicantes dela, oferece a ela três oportunidades de anulação do contrato. Tudo o que ela terá a fazer será adivinhar o nome dele. Para encurtar a história, ela descobre o nome dele e Rumpelstiltskin literalmente desfaz-se em pedaços num acesso de raiva.
Acho que essa história exemplifica muito bem a autocanibalização do deep state(*) ao longo dos diversos últimos anos.

(*) deep state – Rede de pessoas e organizações dentro do governo que, acredita-se, persegue suas próprias políticas e planos de longo prazo independentemente de quem esteja no poder.

Por bastante tempo pareceu que a oligarquia a gerir a partir de cima o sistema financeiro mundial e a comunidade militar-de inteligência conseguia fazer mágica. Se desejava derrubar uma nação, ou matar autoridade eleita, bastava mero estalo de dedos. Ouro a partir de palha? Podia fazer isso também! É só olhar para a massa de $1,5 quatrilhão de dólares de reivindicações de derivativos que apareceu como se do nada no exíguo espaço de 30 anos! Falando sério, em 1990 esses ativos fictícios (formas de apostas em seguro de dívida securitizada) ascendiam a pouco mais de $2 triliões e, 10 anos antes, mal existiam. AGORA… equivalem a mais de vinte vezes o PIB mundial! Como foi isso possível, quando se permitiu que a economia real (capital agroindustrial/de infraestrutura que dá suporte à vida real) se atrofiasse no curso do mesmo período? Mágica!
Tais são os poderes do Rumpelstiltskin de nossos dias.

Nem houve, em nossa história, escassez de reis idiotas. Subiu à preeminência uma cleptocracia, no Ocidente, em escala jamais vista antes na história humana. Especuladores bilionários, gerentes de fundos de hedge e outros novos-ricos inúteis destituídos de qualquer competência produtiva real guindaram-se a posições de poder e prestígio nesse novo sistema de globalização e usaram sua riqueza e influência para tornarem-se robustecedores do sistema que lhes proporcionou dinheiro e status. Os Bloomberg deste mundo ficaram mais do que felizes com aceitarem sem questionar a ideia de terem “earned(*)” seus biliões, e gaiamente tornaram-se celerados/facínoras e tiranetes a serviço da máquina. Foi tudo mágica… mesclada, naturalmente, com boa dose de arrogância.

(*) earned – O verbo to earn significa [nas mais das vezes] receber dinheiro como remuneração por trabalho efetuado. Macmillan

Um dia, porém, a mágica parou de funcionar.
O sistema bancário começou a esgarçar-se e as varinhas mágicas tiveram de ser usadas com maior frequência. Mais socorros financeiros, mais acordos de recompra overnight para especuladores falidos (atualmente batendo na casa dos $100 biliões/noite), mais impressão de dinheiro a partir do nada e mais dívida a ser diferida até o próximo trimestre sem intenção de que seja saldada. Logo depois de a palha ter parado de transformar-se em ouro os poderes divinais de mudança de regime também pararam de funcionar. Na Líbia eles funcionaram otimamente, é óbvio, quando aquele país foi magicamente lançado de volta à idade da pedra juntando-se a Iraque e Afeganistão… mas na Ucrânia foi mais difícil, e na Síria, seguida de Venezuela, foi mais difícil ainda. Por que será que a fórmula mágica parou de funcionar?

A resposta é curta: Rússia e China adivinharam, ambas, o nome.
Uma vez o nome pronunciado em voz alta, o império ficou cada vez mais exposto de maneira a todos poderem ver o blefe do disfarce de Deus que ele sempre foi. Pronunciar o nome do império foi como unção espiritual para muitas pessoas que temiam as criaturas desconhecidas e inomináveis da escuridão absconsa. Como qualquer sombra confrontada com a luz, o diabrete cessou de exercer a influência que desejava manter nos corações e mentes de suas vítimas… e a imagem de onipotência que ele tão duramente trabalhou para projetar sobre o mundo revelou-se ser apenas isso… uma projeção e nada mais.

O Presidente Putin mostrou como isso é possível com um décimo das despesas da instituição militar dos Estados Unidos – US no destruir o ISIS na Síria mediante simples aplicação de intenção de destruí-lo de fato. Essa intenção sempre esteve ausente das mentes de geopolíticos do Ocidente que, na verdade, preferiam ter crescente rede de terroristas a espalhar-se por todo o Oriente Médio e África. Terroristas não apenas desestabilizavam estados-nações como forma de guerra assimétrica como, também, davam azo a pretexto conveniente para bombardeio de governos selecionados como alvo para mudança de regime.

A China seguiu o exemplo ao investir maciçamente no setor de desenvolvimento – exatamente como o Ocidente fizera por anos – mas com uma diferença muito grande: INTENÇÃO. A China fez seus investimentos em África, Ásia, Oriente Médio e alhures com a intenção de realmente criar prosperidade, infraestrutura e independência econômica naqueles países que tomavam os empréstimos. Não usou seus investimentos para fazer mágica, e sim simplesmente cuidou de assegurar que seu dinheiro fosse investido em projetos de genuína construção de nação desconexos de quaisquer condicionalidades usurárias.

Com o importante ingrediente de intenção de com efeito acabar com terrorismo, fome, doença e pobreza infundida na formulação de políticas globais por Rússia e China, os Rumpelstilskin perderam mais de seu poder. O império sempre dependeu da ilusão de objetivos nobres, sem nunca, contudo, aportar substância ou os meios de tais objetivos serem alcançados. Tal substância está localizada inteiramente no domínio da intenção.
No Ocidente, a criatura das trevas recebeu nome (deep state) e, ao ser-lhe dado tal nome, uma identidade, e um modus operandi, foram identificados.
Com essa identificação começou a surgir organicamente resistência, à medida que nações criavam coragem para tomar posição explícita – preferindo trabalhar com parceiras honestas como Rússia, China e a Belt and Road Initiative(*) a agarrarem-se ao Titanic em processo de naufrágio do sistema do Ocidente.

(*) Belt and Road Initiativa – Iniciativa Cinturão e Rota. Política transcontinental de longo prazo e programa de investimento visante a desenvolvimento de infraestrutura e aceleração de integração econômica de países ao longo da trajetória da histórica Rota da Seda. https://www.beltroad-initiative.com/belt-and-road/

Dentro dos Estados Unidos, Rumpelstiltskin entrou em espasmos de fúria e movimentou-se em desespero para defender-se quando, surpreendentemente, líder subiu ao poder exaltando relações amistosas com Rússia e China. Isso foi feito, primeiro, com a manufatura azambrada do Russiagate(*) e, depois, com a manufatura mais avacalhada ainda do Ucraniagate… mas também não funcionou. Quer tomando a forma de socialistas de esquerda ou a de capitalistas alaranjados, a mágica usada no passado para destruir com facilidade manifestações de patriotismo nos Estados Unidos consideradas problemáticas parou de funcionar, tão depressa quanto os poderes de socorro financeiro ou o hocus-pocus(**) de mudança de regime.

(*) Russiagate – Nome de acusação e controvérsia acerca de Trump e sua administração terem conspirado com Vladimir Putin a partir da campanha para a presidência em 2016 e nas primeiras semanas da nova presidência. Ver Urban Dictionary
(**) hocus-pocus – Atividade ou crença que você considere sem valor/ineficaz e visante a enganar/engrupir/enrolar as pessoas. Macmillan

Quando vemos hoje debates relacionados com as primárias Democráticas e caçoamos da pasmaceira fanática dos campeões da esquerda de Rumpelstiltskin a canibalizarem-se mutuamente (e a si próprios) no processo, ou quando ouvimos Rumpelstilskins de direita espumarem de raiva por causa do tirânico “império” da Belt and Road da China, tenhamos em mente que the game, as they say, is really up(*). O nome foi pronunciado em voz alta, o diabrete está atarefado a esfrangalhar-se em pedaços e para surpresa de muitos que haviam perdido toda esperança há apenas alguns anos, a história poderá ter final feliz afinal de contas.

(*) the game, as they say, is really up. O jogo, como se diz, está realmente up. A expressão é ‘the game is up.’ Em Shakespeare, a ideia significada por essa expressão é a de que o jogo está acabado, tudo está perdido, não há mais o que fazer. Mais modernamente, porém, the game is up significa algo como ‘já percebemos sua trapaça, você está desmascarado, não adianta tentar continuar fingindo.’ Ver p. ex.
https://www.phrases.org.uk/meanings/360600.html

 

O autor pode ser contactado ao endereço matt.ehret@tutamail.com

Nota: Os pontos de vista de cada contribuinte não necessariamente representam os de Strategic Culture ou de Informação Incorrecta.

Artigo original: Strategic Culture Foundation

Tradução by zqxjkv0