ONU: eis as provas contra Assad

No meio da emergência provocada pela “pandemia” do Coronavírus, eis que surge o Primeiro Relatório da Equipa de Investigação e Identificação da OPCW (Organização para a Proibição de Armas Químicas) uma agência da ONU, que acusa o Governo da Síria de ter utilizado gases tóxicos em três atentados contra áreas ocupadas pelos “rebeldes” no ano de 2017.

Dado o pânico gerado pelo Coronavirus, ninguém nestes dias irá prestar atenção ao documento. Mas nos meses e nos anos futuros teremos que ler e ouvir afirmações do tipo “…como demonstrado pelo relatório da OPCW…”, assumindo o documento como uma das provas mais fortes contra Damasco. Afinal, não foi a imparcial ONU a redigi-lo? Então vamos ver esta prova-rainha que acusa sem meios termos o governo da Síria.

O relatório (cuja versão em inglês pode ser encontrada em formado PDF neste link) tem 82 páginas, nas quais as provas são constituídas pelo seguinte material:

  • sete fotografias (páginas 75-79) de fragmentos de alegadas bombas da Força Aérea Síria
  • uma fotografia do Google Earth (p. 80)
  • uma página em branco (p. 81), completada pela menção “Análise Química (Sarin)”.
  • uma página em branco (página 82), completada pelos termos Parágrafos Reajustados.

Assumindo como acto de fé que as sete fotografias tenham sido tiradas em território sírio, é importante realçar como os fragmentos não foram encontrados pelos inspectores da OPCW. Ver, por exemplo, a seguinte declaração na página 36 do Relatório:

Em 19 de Fevereiro de 2018, o FFM recebeu fragmentos metálicos recuperados da cratera como restos de partes de munições relacionadas com o incidente de 24 de Março de 2017.

Quem entregou aqueles fragmentos um ano depois do incidente? Não sabemos.

Fotografias do Google Earth? Realmente? Não existem fotografias aéreas ou de satélite um pouco mais significativas?

Para completar: os anexos “Análises Químicas (Sarin)” e “Parágrafos Reajustados” são completamente censurados.

Nada mal como começo. Mas vamos desviar o olhar desta triste “documentação” para tratar dos três casos em análise, resumidos na página 2 do Relatório:

  • Por volta das 6h00 da manhã de 24 de Março de 2017, uma aeronave militar Su-22 da 50ª Brigada da 22ª Divisão Aérea da Força Aérea Árabe Síria, com partida da base aérea de Shayrat, lançou uma bomba aérea M4000 contendo Sarin no sul de Ltamenah, afectando pelo menos 16 pessoas.
  • Por volta das 15h00 do dia 25 de Março de 2017, um helicóptero da Força Aérea Árabe Síria, partindo da Base Aérea de Hama, largou um cilindro no hospital de Ltamenah; o cilindro partiu o telhado do hospital, libertando cloro que afectava pelo menos 30 pessoas.
  • Por volta das 6h00 da manhã de 30 de Março de 2017, uma aeronave militar Su-22 da 50ª Brigada da 22ª Divisão Aérea da Força Aérea Árabe Síria, com partida da base aérea de Shayrat, lançou uma bomba aérea M4000 contendo Sarin no sul de Ltamenah, afectando pelo menos 60 pessoas.

Obviamente, considerando as provas apresentadas acima, estas declarações também devem ser assumidas com um acto de fé, embora o Relatório (ponto 5, p. 2) assegure que a Equipa de Investigação (TI, Investigation Team) chegou às suas conclusões através de: entrevistas conduzidas directamente pela IT; informações obtidas de “Estados e outras entidades” não especificadas; pareceres de peritos e instituições forenses; análise de munições e outros materiais relevantes. Toda documentação, assegura o Relatório, “avaliada de forma holística e examinando cuidadosamente o seu valor probatório através de uma metodologia amplamente partilhada, de acordo com as melhores práticas dos organismos e comissões internacionais de investigação”.

É pena, contudo, que, como se afirma no ponto 7, página 3, esta equipa de investigação de alto nível não tenha feito qualquer inspecção nas áreas alvos dos ataques acima mencionados:

Os desafios enfrentados pelo IT incluíram a sua incapacidade de aceder ao site dos incidentes, bem como a pessoas e informações localizadas na República Árabe da Síria.

Não poucos jornalistas conseguiram visitar os locais após acordos com a Turquia ou com os terroristas do Isis. A equipa da ONU não consegue: o máximo que pode fornecer são imagens do Google Earth.

Mas então quem apresentou estas “provas”, dado que não foram recolhidas pela IT? Com quais testemunhas falou a IT? Quais foram as bases deste Relatório? Porque, tendo como base as informações contidas no documento, a agência OPCW da ONU não visitou os locais em análise, recebeu alguns fragmentos de armas um ano depois do acidente por parte de pessoas ou entidades não especificadas, censura os únicos dados que poderiam ter sido minimamente úteis e limita-se a incluir as reconstruções dos ataques que foram fornecidas pelo Ocidente desde a primeira hora. Ah, e como bónus temos Google Earth, holisticamente.

Nos círculos amarelos duas “provas” contidas no Relatório: fragmentos de 04SDS. Como a imagem demonstra além de qualquer possível dúvida, foram fotografados em pleno território sírio e só podem ser a óbvia consequência dum ataque ordenado por Bashar al-Assad.

Lembrem-se: “…como demonstrado pelo relatório da OPCW…”.

 

Nota: Lembramos que em 4 de Janeiro de 2016 a mesma ONU assegurava a “completa destruição de todas as armas químicas declaradas por parte da República Árabe da Síria”.

 

Ipse dixit.

17 Replies to “ONU: eis as provas contra Assad”

  1. “Isso agora não interessa nada”

    Tudo é Covid, o mundo é Covid.
    Os problemas que assolavam a humanidade antes do Covid, desapareceram, assim como que por magia.

    Até os pivots dos telejornais já são de confiança….

    Vou ali vomitar e já venho.

    1. Meu caro JF, agradeço antes de mais os links que me disponibilizou depois do meu sarcasmo no artigo sobre o Bernie Sanders. Obrigado. Eu lanço um sarcasmo… e o meu caro JF responde-me com esmerada educação, admiro isso.

      Relativamente ao seu comentário ” Ao ponto a que chegamos” parece-me que com isto não encontra palavras para descrever a falsidade do relatório, eu também… e isso recordou-me de um conceito ” HiperNormalização” Esta brilhantemente demonstrado num documentário de Adam Curtis de 2016 onde explica de forma magistral como é que a falsidade da politica e na sociedade consegue ser de tal forma avassaladora e tão continuada ao ponto da sociedade se mostrar indiferente.
      Caso não conheça. aqui lhe deixo o link com legendas em português, são quase 3 horas, veja com calma , mas garanto-lhe que será um dos melhores documentativos a que já assistiu .

      https://youtu.be/13ay8wH_kTs

      1. Todo o trabalho de Adam Curtis disponível e legendado em português já assisti, mas obrigado pela sugestão, visto que em Portugal a prisão domiciliário que nos foi decretada vai ser prolongada é uma boa altura para rever esses documentários.

        1. De facto, também estou a rever, até porque o documentário é de tal forma extenso que demora a assimilar e ao rever o documentário acabamos sempre por encontrar novos paralelismos com a realidade, é de todos os documentários de Adam Curtis de longe o melhor, e impossível compreender a panorama actual da Síria e e a hiper…mega… mentira das armas de destruição em massa sem compreender a historia de Hafez Al-Assad , Muammar Al-Gaddafi e a chantagem dos EUA&UK .
          È de tal forma estúpido e ridiculamente falso que nos deixa desarmados perante a realidade. Exactamente a mesma sensação que este relatório provoca.
          É um mecanismo que não consigo compreender , quando uma mentira tão avassaladora é propagada pelo Estado parece que desarma o cérebro das pessoas, como que se houvesse uma hipnose que bloqueasse a compreensão e algo nos convencesse de que é inútil lutar , como que um mecanismo que impede a autodestruição da realidade que nos esta a ser plantada.
          Outro dos paralelismo notado foi as semelhanças e o papel da musica apesar das distancias e diferenças culturais, Yanka Dyagileva acaba por dar a voz a uma geração que não consegue mais suportar a realidade, tal como aconteceu cá com Zeca Afonso, José Mário Branco etc… salvo as devidas diferenças culturais.
          Dá a sensação que apesar de nos vencerem a parte do racional algo em nos continua a resistir através da arte.

  2. “A normalidade como conhecíamos antes não vai voltar totalmente até que recebamos uma vacina para isso. Isso estará muito longe”, disse Trudeau a respeito do SARS-CoV-2 e a volta da rotina dos canadenses. “Teremos que vigiar por pelo menos um ano”.

    http://www.jornalnorthnews.com/noticia/4183/primeiro-ministro-diz-a-verdade-normalidade-so-apos-a-vacina-para-covid-19.html?fbclid=IwAR0D6XD3j0-XziXyv9pNAg5_srw3_Anxy4rsYA0PtS6nKD4DIV3-N0klyMM

  3. Dois pontos, no meu ponto de vista para assegurar a existência de documentos como este: em primeiro lugar o respeito e a autoridade advindas das agências institucionais dos países e, especialmente as internacionais. Não se põe em dúvida qualquer m. chancelada pelas instituições “democráticas” Em segundo lugar a força da propaganda operada pelas mídias majoritárias para manter esse mito de veracidade que parte de instituições como ONU, UNICEF, OMS etc, essa ideia estúpida que nesses órgãos rege a não influencia da política. Se fosse disseminada a origem e as circunstâncias históricas em que foram criadas, e quem as patrocina (assim como recente artigo do Max, referido à OMS ), a luta para minar o neocapitalismo, muitos falam o neoliberalismo, acabaria comprometendo o mito. Enquanto isso não penetrar entre as populações, o pessoal que opera nestas instituições e suas produções continuarão a passar como limpos, e última instância de justiça internacionais. Cá com os meus botões, me diverte nos discursos do Putin essa busca pela palavra-ação dos órgãos internacionais: o urso russo deverá acreditar tanto nelas como eu, mas faz uso do que acontece de acordo com seus interesses.

  4. Max, deixei aqui um comentário com vários links, e o seu blog censurou-me. Seria por serem do site de David Icke?

    1. Olá Anónimo!

      Apesar de eu não gostar de David Icke, nem me passa pela cabeça de censurar eventuais links.

      O que acontece é que o sistema anti-spam de Wordspress bloqueia qualquer comentário com mais do que um link, pois suspeita ser spam. VIce-versa, os comentários com até um link passam logo (como aconteceu aos seus seguintes). Importante realçar como os comentários bloqueados não ficam apagados mas suspensos. Logo que eu me conectar, vejo-os e desbloqueio, como aconteceu hoje.

      Lamento o incómodo mas se eu deixasse passar todos os comentários com mais de um link o espaço para os Leitores seria um caso total, pois há spam e muito.

      Caso resolvido 🙂

      1. OK.
        Observação: eu também não escrevi que tinha sido você a censurar, mas o seu blog, ou, melhor dizendo, o sistema que corre por detrás. Julguei que tivesse sido isso, e era para você estar atento.
        Mas os links lá não são necessariamente respetivos só ao próprio David Icke, mas a muita informação que ele encontra e publica no site dele.
        Bom fim de semana.

  5. Primeiramente muito obrigado pelas informações! Mas, uma correção… “Nota: Lembramos que em 4 de Janeiro de 2016 a mesma ONU assegurava a “completa destruição de todas as armas químicas declaradas por parte da República Árabe da Síria”.”
    Na verdade, a notícia original informa que uma parte importante de armas químicas foi desativada, ao passo que lê-se no último parágrafo: “Commenting on this development, the Director-General of the OPCW, Ambassador Ahmet Üzümcü, said: “This process closes an important chapter in the elimination of Syria’s chemical weapon programme as we continue efforts to clarify Syria’s declaration and address ongoing use of toxic chemicals as weapons in that country.” Fonte: https://www.opcw.org/media-centre/news/2016/01/destruction-declared-syrian-chemical-weapons-completed
    Mais uma vez obrigado pelas informações. Concordo com 70% do que tem em seu site e indico para muita gente.

Obrigado por participar na discussão!

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