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Após o Coronavirus Parte II: Entre Dívida e bail-in

Pergunta Teresa:

O que quer dizer com prestar atenção às contas bancarias?
Acha que vão usar a desculpa do vírus para sacar dinheiros das nossas contas? Como fizeram no Brasil.

Calma Teresa, calma. Antes vamos ver qual será a nossa situação após o fim do psicodrama.

Inútil gastar tempo em rodopios: Portugal e Europa estarão mergulhados numa crise económica. Ainda não sabemos como será a situação na América do Sul, mas é difícil que possa ficar muito melhor.

Crise económica significa níveis de taxação que tentam compensar a falta de receitas fiscais e, ao mesmo tempo, redução da despesa pública (serviços em primeiro lugar) para os níveis mínimos. Desemprego? Em aumento, esta é uma previsão bastante simples. Privatização? Não que tenha sobrado muito para privatizar, mas algo será encontrado: o Estado irá precisar de receitas.

Mas além disso há duas coisas que me preocupam mais: a recente decisão de Bruxelas e a crise do sistema bancário.

3%!!!

A União Europeia decidiu suspender o Pacto de Estabilidade: pelo que, o rácio entre Dívida Pública e PIB (Produto Interno Bruto), fixado de forma idiota no 3% (isso é: a Dívida não pode ultrapassar 3% do PIB), já pode não ser respeitado. Portanto, é provável que os Países afectados pelo psicodrama aumentem a Dívida Pública para fazer frente aos maiores gastos e para incentivar as economias locais. Resultado: o rácio irá saltar bem acima do 3% pois haverá muita mais Dívida. E depois? Qual será a decisão de Bruxelas? Haverá um tempo limite para voltar abaixo do 3%? Isso significaria cortes brutais por parte dos Estados. O rácio do 3% será abandonado? Seria óptimo mas isso significaria abalar de forma irremediável aquela “estabilidade” (leia-se “austeridade”) que é uma das fundamentas sobre a qual foi construída a estrutura do Euro, seria uma drástica marcha-atrás nas políticas económicas da União: muito difícil que isso aconteça, pois isso significaria também pôr em risco a mesma existência da Zona Euro.

Mas voltemos à questão da Dívida. Pode ser aumentada além de 3%, mas este não é dinheiro “de borla”. Poderia ser “de borla” se nos vários Países existisse uma soberania monetária mas, como sabemos, não é assim na Zona Euro: já não há livre criação de dinheiro, este é “criado” apenas através da emissão de Divida. E Dívida significa “juros”. Ninguém nesta altura pode fazer previsões mas é certo que no final do psicodrama uma boa parte dos Países da União Europeia estarão muito mais endividados do que acontece agora: independentemente da questão do rácio que vimos acima (fica ou desaparece?), os juros desta Dívida irão pesar sobremaneira nos orçamentos estaduais. E quando os juros começam a pesar, os governo têm sempre a mesma receita: cortes (nos serviços, nos salários, etc.). E se à questão da Dívida somarmos aquela dum possível e forçado regresso no âmbito do rácio de 3% (que cedo ou tarde regressará, presumo), bom, neste caso o panorama é ainda mais negro.

Os próximos meses (e até algo mais do que isso) terão que parir decisões muito delicadas: para nossa sorte, temos em Bruxelas o creme dos políticos e dos economistas mundiais, pelo que podemos dormir o anjhos, correcto?

A experiência de Chipre

Acabou? Nem por isso: a parte pior começa agora, estas eram apenas as boas notícias. E é aqui que respondemos à pergunta de Teresa.

Nestes últimos dias começam a circular previsões cujo grau de confiança é, no mínimo, duvidoso. Mas uma previsão circula com insistência: a necessidade de ajudar os bancos. E aqui toca uma campainha de alarme, porque ajudar os bancos significa atirar para fora da janela um rio de dinheiro público. O nosso dinheiro.

Começa-se com o dizer que sim, são privados mas sempre bancos são, que se entram em falência sofremos todos, que são essenciais ao funcionamento de todas as empresas, que é uma questão de sobrevivência da economia nacional… Tudo verdadeiro, ora essa: o papel dos bancos privados na nossa sociedade é simplesmente obsceno, é suficiente pensar que quando um banco falir, quem paga a maior fatia da conta são os correntistas (que perdem o dinheiro depositados nas contas) e os cidadãos (cujo dinheiro é utilizado para salvar o que ainda pode ser salvo).

Mas num cenário no qual a economia estiver deprimida, com receitas fiscais abaixo do esperado e com banco em forte sofrimento (e, talvez, com Bruxelas que grita “Corta!”), onde pode ser encontrado o dinheiro?

Para responder voltamos atrás, até o ano de 2013. Estamos na alegre ilha de Chipre e os bancos estão em sofrimento. Problema deles? Não, problema de todos os Chipeses. Ou Chiprinos. Ou Chípricos. Olhem, não sei. Para boa sorte deles (por assim dizer), pouco tempo antes o genial Eurogrupo tinha imaginado um mecanismo para enfrentar mesmo este tipo de crise: o nome é bail-in. O bail-in é fácil de explicar: tu, cidadão, abres uma conta no banco e aí depositas as tuas poupanças. O banco entra em crise? Simples: tu, cidadão, pagas a crise do banco com o dinheiro depositado.

É um pouco como ir ao padeiro e pedir pão: a funcionária informa não só que não há pão para ninguém mas que temos também que pagar o arranjo do forno. O conceito é o mesmo. Na vida real, no caso das padarias não funciona assim, no caso dos bancos sim.

Em Chipre o bail-in foi aplicado no caso das contas com mais de 100.000 Euros depositados, mas Chipre foi uma espécie de prova geral (bem sucedida). No prazo de poucas horas, acções e depósitos acima de 100.000 euros foram cancelados, totalizando 9.5 biliões de Euros. Como cereja no topo do bolo, o Banco de Chipre passou para as mãos de Josef Ackermann, ex-presidente da Deutsche Bank. Famílias, empresas e correntistas ficaram à beira de uma crise sem precedentes, a ilha toda ficou próxima da desestabilização social. Houve prisões, feridos e até alguns mortos nas ruas, mesmo que os media nunca tenham falado sobre isso para não despertar muitos alarmes ao nível continental.

Temos de lembrar que o modelo de Chipre foi olhado com simpatia por parte de outros Países. E vou aqui lembrar também quanto afirmado em 2013, na altura do bail-in na ilha:

Isso significa que os governos do mundo estão a observar o nosso dinheiro como parte da solução de eventuais futuras falências de grandes bancos.

Dito de outra forma: não há mais nenhum lugar realmente “seguro” para colocar o nosso dinheiro. E nem é preciso ser milionário para correr riscos: é suficiente ter mais de 100.000 Euros, o que na Europa, por exemplo, podem significar as poupanças duma vida, com as quais adquirir uma casa (pequena).

Claro, esta técnica acarreta riscos: em primeiro lugar, uma total perda de confiança dos depositantes nos bancos. Mas por enquanto funciona, cúmplice também a falta de alternativas para quem deseje guardar dinheiro em segurança (como vimos, não são atingidos apenas bancos, mas também fundos de pensões privados).

Taxas e impostos aumentados; cortes nos salários e nas reformas; perdas das poupanças bancárias: fica claro quem é que te de pagar os problemas dos bancos?

Por enquanto a do bail-in é só uma das hipóteses que circula. Mas esta seria a melhor altura para implementa-la: a culpa de tudo não pode ser atribuída aos bancos, não pode ser atribuída ao Estado, não houve uma crise provocada pela ganância das Bolsas, foi só e unicamente culpa do vírus. Então, perante uma calamidade “natural”, com qual coragem iremos dizer “não”?

Se isso acontecer, será ainda mais evidente a artificialidade do psicodrama Coronavirus: o mundo dos grandes investidores terá conseguido camuflar uma crise económica incumbente como pandemia e fazer pagar as contas aos contribuintes com um bail-in na verdade programado desde o início da crise.

Solução?

Como evitar os efeitos dum possível bail-in? A resposta reside no limite que será escolhido para actuar. Se isso for 100.000 Euros, tal como foi no recente passado (Chipre), a melhor solução será retirar das contas tudo quanto ultrapassa o tal limite e deposita-lo num nova conta, possivelmente com um nome diferente (isso para evitar eventuais controlos cruzados).

Para os mais “navegados”: há sempre a possibilidade de investir o que sobrar em depósitos à prazo, desde que não se ultrapasse o limite dos 100.000 Euros ou o eventual novo limite escolhido pelas autoridades.

É o caso de retirar o dinheiro já? Não sei. Acho um pouco cedo. Mas é bom ficar atentos e espreitar qualquer sinal dum iminente bail-in: no caso do anúncio, haverá filas nos bancos para retirar dinheiro e já poderia ser tarde demais.

 

Ipse dixit.

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