Joker, Rambo… e o Brasil!

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Segunda-Feira, muito pouco tempo à disposição, pelo que falamos apenas de…cinema!

Joker

Ao longo das passadas semanas, tive ocasião de encontrar várias e pesadas críticas dirigidas contra uma película: Joker ou O Coringa segundo os amigos brasileiros. Criticas por parte dos órgãos de comunicação, como o inglês Guardian que tem dedicado vários artigos ao filme para que ninguém fosse vê-lo, mas críticas também do mundo da informação alternativa, que dum lado exalta-se do outro define Joker como um prato envenenado para semear dúvidas entre quem não gosta da nossa sociedade.

Eu não gosto de homens morcegos, homens aranhas, homens formigas, homens pulgas e homens caraças, não sou fã deste super-heróis como não sou fã das bandas desenhadas que estão na origem deles. Mesmo assim fui ao cinema para ver este Joker. E, com minha surpresa, tenho que admitir: gostei do que vi e gostei muito. Não há banda desenha da por aqui, não há super-poderes ou efeitos especiais; até é quase possível dizer que nem há Batman. A impressão com a qual fiquei é que o realizador utilizou a história do homem morcego como pano de fundo, como uma desculpa, para das espessura a uma personagem que é 100% humana.

Uma obra-prima? Não sei, não sou um crítico cinematográfico. Mas não acho ser preciso um crítico de cinema para reconhecer um óptimo filme e, sobretudo, uma excelente interpretação do actor principal, Joaquim Phoenix. Se o Óscar de Hollywood ainda faz algum sentido, então uma candidatura neste caso é uma obrigação.

Mas que filme é? É um filme anti-sistema? É um filme pró-sistema? É um filme “contra os ricos” e “anti-capitalista” como escreve o Guardian? Acho que Joker é isso: um filme. Ponto final. Se o Leitor tiver mais de 18 anos e ainda espera encontrar o caminho da salvação num filme de Hollywood, então pode ser boa ideia procurar uma ajudinha.

Mais grave ainda é que rios de tinta sejam despejados para atacar o filme ou para defende-lo, sempre na óptica do “politicamente correcto”. Vários artigos dum dos maiores diários mundiais para falar mal dum filme: pode existir um sintoma mais evidente do estado de doença, de paranóia, de propagandismo ao qual chegamos? E do outro lado, do lado dos “anti-sistemas”, dos “alternativos”, as coisas não estão melhores: temos ou aqueles que adoram o filme porque supostamente critico em relação aos poderes fortes, ou aqueles que viviseccionam a película, mostrando através da análises de ínfimos detalhes como afinal o realizador quis condenar a vontade de revolta popular. Tudo isso é paranóico, esta é paranóia pura.

Como disse: vi o filme e gostei muito. O que vi foi um filme que fala de dor porque esta película é essencialmente um drama humano, construído com uma tensão em constante aumento num palco que é a representação bastante realística da nossa sociedade. É uma representação anti-qualquercoisa? Não, é uma representação bastante fiel da nossa sociedade, como por exemplo o papel preponderante dos órgãos de informação, a solidão, a falta de empatia entre os indivíduos.

Mas não podemos esquecer que Joker é uma personagem fictícia, saída duma banda desenhada; e o realizador faz questão de lembrar isso em alguns pontos da película, aliás, as referências ao Batman parecem quase “forçadas”, como se o realizador quisesse lembrar ao público que, de facto, aquela que estamos a ver pode parecer realidade mas não é realidade, é algo fruto da imaginação. As cenas finais, aquelas que indignaram o Guardian, com a multidão aparentemente em revolta, não são um convite à rebelião mas a lógica génesis da personagem que encontramos nas aventuras de Batman.

Como disse, não sou crítico cinematográfico, portanto a minha sugestão de ver ou não ver filme vale o que vale. Eu fiquei muito impressionado com a interpretação de Joaquim Phoenix, isso sim: não era simples vestir a roupa duma figura tão doentia, tão sofrida, evitando o perigo de cair no patetismo. Joaquim Phoenix consegue isso e vai muito além disso, tornando Joker um ser credível e humano.

Rambo?

Contemporaneamente, eis que estreia-se Rambo: The Last Blood. E outra chuva de críticas. Fascista, violento, etc. etc. Não fui ver Rambo e de certeza que não vou. O primeiro Rambo, First Blood, era um filme decente, mas os outros pertencem à categoria do pior lixo alguma vez saído de Hollywood.

Mas o que quero reter aqui é o seguinte: mais uma vez o machado do “politicamente correcto” para estabelecer o que uma pessoa pode ou não pode ver, o que é um filem bom e o que é um filme mau.

Tudo isso é muito triste, patético e hipócrita: chegamos a um ponto em que não é o público que premia ou chumba, mas é o exército dos críticos pagos que estabelecem o que é bom para o espectador. Críticos que tornam a ficção uma questão com relevância política, cheia de significados que provavelmente em origem nem existem. Duvido muito que Rambo tenha sido gravado para transmitir ideias políticas, tenho a razoável certeza de que Rambo foi gravado para conseguir vender um bom número de bilhetes e realizar lucros, nada mais do que isso.

Take it easy como dizem nos Estados Unidos, calma, nem tudo tem que ter um significado oculto e perverso. Não quero defender Rambo que provavelmente é um filmeco e nada mais, mas aqui estamos no meio duma espiral de paranóia. O cinema sempre foi o espelho dos tempos e se o cinema hoje transmite ideias desagradáveis, talvez não seja por vontade mas simplesmente porque os tempos são desagradáveis. Então é inútil atingir os efeitos, temos antes que tratar das causas. Tentar condicionar a opinião do público com a politização dos filmes que políticos não são é exactamente parte integrante da decadência da nossa sociedade; não reconhecer ao espectador a capacidade de julgar um produto cinematográfico é o sintoma da infantilização do sistema, outra parte integrante da decadência.

O que querem? Querem que o Joker seja mau e ponto final, porque a nossa realidade tem que ser a preto e branco? Querem que Rambo se torne gay com uma filha lésbica e que ajude os imigrantes a entrar nos Estados Unidos? Tentamos não ser soberanamente ridículos.

No Brasil entretanto…

Continuemos a falar de cinema, desta vez para puxar as orelhas dos amigos brasileiros. Em Janeiro saiu um filme italiano, Il Primo Re, que conta o mito da fundação de Roma por parte dos irmãos Romolo e Remo. O filme é muito bem feito sobretudo porque o realizador quis que tudo estivesse muito perto da realidade da época, e lembro que estamos a falar do ano de 800 a.C. mais ou menos.

O filme foi gravado nos pântanos que ainda hoje é possível encontrar na região de Roma e e a partir dos quais surgiu a cidade. Além disso, diria que a principal características do filme é o idioma: o realizador trabalhou com a Universidade La Sapienza para que todos os diálogos fossem traduzidos para proto-latim, o idioma utilizado na altura pelos povos pré-romanos. Pelo que, um filme que conta uma história, neste caso um mito, mas que deseja também ser uma viagem no tempo e que tenta transmitir um pouco de “cultura” (entre aspas porque sempre de cinema estamos a falar).

Depois vi o filme distribuído no Brasil e surpresa: está dobrado. Mas que raio dobraram? Que dizer, houve um trabalho de pesquisa histórica, houve um estudo para que não fosse transmitida apenas uma lenda, uma história estilo Conan O Bárbaro, mas para que o espectador pudesse não apenas ver mas também ouvir a época. E no Brasil dobram?

Este pode parecer um pormenor, mas acho que não é. O que no Brasil quiseram fazer foi “simplificar” a película, para que o espectador não tivesse que esforçar-se. Portanto, o filme foi transformado num produto mais simples, mais fácil de vender, ao estilo de Hollywood. E isso em detrimento de algo que está relacionado com o idioma falado no Brasil, porque o português é filho directo e legítimo do latim.

Não quero abdicar do que disse antes acerca de Joker: ficção é ficção é ponto final. Mas se conseguimos juntar à ficção algumas noções, se conseguirmos tornar o espectador um pouco mais curioso, tudo isso não é positivo? No Brasil a resposta é “não”.

 

Ipse dixit.

9 Replies to “Joker, Rambo… e o Brasil!”

  1. Olá Max:: faz tempo não vou ao cinema, estou longe de qualquer casa de espetáculo que preste. Mas o post afinal me deixou curiosa.
    Não é novidade, aqui se pretende sempre deixar tudo mais simples para fazer o povo entender, essa é a desculpa, e nós ficamos cada vez mais ignorantes, talvez esse seja o objetivo. Não dá para comparar o grau de entendimento da realidade dos uruguaios, argentinos, chilenos, venezuelanos e até equatorianos com o grau de entendimento, a capacidade de raciocinar do brasileiro, e isso não tem nada a ver com escolaridade e sim do estreito horizonte produzido dos acontecimentos, da história minimamente esclarecida. É pena ver tanta gente inteligente , capaz de inventar loucas coisas para sobreviver, e ao mesmo tempo tão ignorante. É doloroso saber da capacidade criativa e cultural de um povo sendo esmagada, é o meu povo afinal.

  2. Foi apenas no Brasil que dobraram? Max, tu precisa visitar este país “único” se o fato de dublarem um filme que jamais deveria ser dublado por respeito a arte te deixou assim, o país te guarda boas surpresas

    1. Não sei se sabe mas as melhores dobragens do Mundo são as brasileiras, e não sou eu que o digo mas sim os peritos ligados a essa área profissional, por alguma razão durante o Século XX, Walt Disney investiu bastante na dobragem dos seus filmes de animação em Português do Brasil.

      Em Portugal (durante as Décadas de 1980/1990 do Século XX) todos os filmes de animação da Walt Disney e de outros produtores norte-americanos, eram dobrados em Português do Brasil, e disponibilizados em formato VHS para venda ou para alugar nos saudosos Clubes de Vídeo que no Brasil se chamam de locadoras.

      Mais tarde, devido ao preconceito de uma facção da sociedade portuguesa para com o Português do Brasil, variante da Língua Portuguesa, começaram a ser feitas dobragens em Português de Portugal, sendo as mesmas de fraca qualidade, direi mesmo medíocres, onde as personagens ficam com vozes que não se enquadram com a estatura e faixa etária que representam, tornando-se extremamente desagradável e insuportável assistir às películas.

      Você refere:

      «…o fato de dublarem um filme que jamais deveria ser dublado por respeito a arte…»

      Não concordo, porque um filme estrangeiro dobrado (dublado em Português do Brasil) vai permitir a quem é analfabeto ou possui elevado indicie de iliteracia, compreender o conteúdo que lhe é apresentado na tela.

      1. Exactamente, nivela-se uma sociedade pelos seus seres mais fracos… A isso se chama evoluir, não sei é a direcção correcta.

  3. Olá Max e amigos.

    Por força do trabalho, me ausentei das visitas ao universo II . Sorte do Max, que não teve que ler as besteiras que escrevo. Só que sorte, não dura a vida inteira.

    Ainda estou lendo ( ou escutando ) os artigos anteriores. Tem até um deles falando do Lula. Saudades do tempo do Lula. Como autônomo, hoje trabalho o dobro do tempo, para ganhar metade do que ganhava naquela época.

    Mas, o assunto é cinema. Também perdi o hábito de frequentar , desde o tempo em que o video cassete acabou com as salas de cinema, que foram fadadas a se transformarem em igrejas evangélicas ( na verdade o principio continuou o mesmo, a pessoa paga um valor e alguém te propõem um final feliz ou sai angustiado por saber que tem um “encosto”, feito um filme de terror ).

    Hoje , os Shopping Centers, com suas salas com cadeiras sem pulgas, refrigerante com gelo e pipocas quentinhas em copos gigantes , reergueram o cinema. Para mim, perdeu a graça , não só pela nostalgia, mas pela falta de criatividade, que é filha da mesmice. Hoje só frequento cinema em ocasiões muitos especiais ( exemplo: sobrinho implorou para ver Toy Story 4 ) ou quando o filme tem a assinatura do Quentin Tarantino. Digam o que quiserem, sua mente dita insana já proporcionou os melhores diálogos de Hollywood. As cenas do “impasse mexicano” juntamente com a do jogo de cartas , em “Bastardos Inglórios” ( titulo no brasil) foi coisa de gênio , isso só para citar uma delas. Tarantino é a cara, o resto é clichê do clichê.

    Quanto ao fato de dublar um filme que poderia ser só legendado, garanto que foi por outros motivos, porque acontece com quase todos os filmes exibidos no brasil.
    O primeiro deles é que o brasileiro tem pouca pratica de leitura. Conheço pessoas capacitadas que não conseguem acompanhar a leitura da legenda ( minha esposa é uma delas, estou dizendo isso sem receios de represálias , pois sei que ela não vai ler isso. Já cansei de recomendar o II , mas até hoje ela nunca acessou ).
    Outro motivo , até uns tempos atrás , filme dublado era coisa de tv aberta. Com o crescimento econômico das classes D e E as tvs por assinatura e cinema, passaram a exibir mais programações dubladas, justamente para que as pessoas com menos escolaridade pudessem acompanhar. Apesar de hoje essas classes sociais terem voltados aos níveis de pobreza do período pré-Lula, as TVs fechadas, mantem grande parte de sua programação dublada ate hoje.

    Abraço Max, o podcast está maravilhoso. Como diz o manezinho ( figura tipica da minha cidade ): ” Dás um banho !! ”

    PS: Como o Max recomendou , vou assistir ” O Coringa” . Mais pela pipoca.

  4. Ahem…eu li o artigo sobre “Joker” no Vigilant Citizen e o que lá diz é que o filme só foi vaiado por ser o oposto de um blockbuster: ou seja, é uma pequena produção que não tem nada a favor de nenhuma ideologia por detrás do sistema, e ainda tem alguma coisa contra.
    Quanto ao último Rambo, vou fazer o mesmo que faço há anos em relação a qualquer filme: espero que dê na televisão, e se me apetecer, gravo.
    A propósito: se ninguém viu, das milhentas vezes que deu, “Demolition Man”, também com Stallone, aconselho a ver. Aquele filme passou vez após vez, talvez com o intuito de endoutrinar para o que aí vinha, e por isso deve ser visto como uma denúncia, um alerta.

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