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A crise no Equador

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Hoje o assunto é: nada, não preparei nada, pelo que não há assunto. Vamos simplesmente ler os diários.

A Turquia ataca os Curdos

O que temos por aqui? A Turquia atacou os Curdos. Tudo normal. Os Curdos foram antes convencidos pelos Estados Unidos a lutar na Síria com a promessa de ajuda na questão da independência, depois Washington disse, “obrigado e até nunca”.

O que espanta nesta história é que ainda haja alguém que consiga acreditar nos Estados Unidos. Mas tudo bem, vamos em frente.

A memória do passado que nunca aconteceu

No passado dia de 19 de Setembro, a mítica, a lendária União Europeia aprovou uma resolução que apresenta uma tese bastante curiosa, tese segundo a qual a Segunda Guerra Mundial foi o resultado directo do notório Tratado Nazi-Soviético de 23 de Agosto de 1939, também conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop.

Lembram-se do romance 1984 de George Orwell, com a ré-leitura histórica compulsiva? É exactamente isso: a União Europeia rescreve a História. Eu não sou nem Comunista nem Nazista, longe de mim a ideia de defender estes dois totalitarismos, mas não é que a União Europeia está a esquecer-se de algo? Por exemplo: a ajuda dos industriais norte-americanos na ascensão do Nazismo? As boas palavras do Primeiro Ministro inglês Chamberlain dirigidas ao líder fascista Mussolini? Vamos esquecer isso e muito mais ainda? Vamos contar que a Segunda Guerra Mundial foi provocada pelo pacto Pacto Molotov-Ribbentrop? Até a Federação Internacional dos Resistentes Antifascistas descreve a reconstrução histórica de Bruxelas como “tacanha, instrumental e sem base científica: […] algo que liga opressores e oprimidos, vítimas e carrascos, invasores e libertadores. A resolução é um texto de propaganda ideológica grosseiro, digno dos piores momentos da Guerra Fria”.

Mas sim, vamos a isso, afinal a História é sempre escrita pelos vencedores. Os Estados-Membros da União Europeia são agora convidados a “comemorar o 23 de Agosto como o Dia Europeu das Vítimas do Estalinismo e do Nazismo” e são chamados a sensibilizar as novas gerações para “promover a capacidade de resistir às ameaças modernas à democracia”. A mítica, perfeita e eterna Democracia que tudo resolve com uma varinha mágica… Mas em frente, tudo isso não passa de pormenores.

Nobel da Paz: Abiy Ahmed Ali

Em frente: o Nobel da Paz. Digam a verdade: estavam à espera da pequena Greta, não é? Mas não, o pequeno emplastre não ganhou e o Nobel foi para Abiy Ahmed Ali. Quem e? Não se preocupem, agora falamos disso. Antes: é um Nobel merecido? Acho que sim. Abiy consegui algo histórico, algo bom: a paz entre Eritreia e Etiópia, dois Países que foram empenhados numa guerra sangrenta durante vinte anos.

Mas Abiy é mais do que isso: Abiy é um maníaco privatizador, de facto privatizou tudo o que era possível privatizar na Etiópia, como televisão, telecomunicação, aviação civil, abriu a primeira Bolsa de Títulos da Etiópia… e tudo isso para pagar a monstruosa dívida externa da Etiópia, algo que deve ter deixado muito felizes os emprestadores de dinheiro internacionais. O que não pode admirar pois Abiy não é um pobre etíope saído do nada: foi formado na universidade inglesa de Greenwich, obteve um master em Administração na Universidade do Ohio (EUA), foi repetidamente premiado pela revista Time, pelo Reino da Arábia Saudita, pelo governo dos Estados Unidos e pelo think tank anglo-saxónico Chatham House. Mesmo assim: o homem conseguiu a paz, acabou com uma guerra, pelo menos algo fez, contrariamente a outros Nóbeis como Barak Obama, que as guerras as fazia.

O Equador: selvagens contra as mágicas receitas do FMI

Pessoal: já ouviram alguma coisa acerca do que está a passar-se no Equador?

Equador, o pequeno Pais da América do Sul atravessado pelo equador. Já reparam nesta curiosidade? O País é atravessado pelo equador e tem o nome de Equador. São as coisas estranhas da vida. Mas o que se passa no Equador? Nada de grave: austeridade e dura repressão por parte do governo de Lenin Moreno, sucessor de Rafael Correa ao comando do País. Fim da Revolución Ciudadana, um fim imposto pelo Fundo Monetário Internacional, o FMI, e pelas suas práticas neoliberais.

Resultado: motins de protesto explodem tanto em Quito, a capital, quanto na cidade de Guayaquil. É esquisito mas parece que os cidadãos não conseguem apreciar devidamente as receitas de dor e sofrimento que tanta felicidade espalharam pelo mundo fora.

Estes miseráveis cidadãos ainda lembram de Rafael Correa, o Presidente que nos seus três mandatos, entre 2007 e 2016, conseguiu reduzir a taxa de pobreza do Equador de 37% para 22.5%. Como conseguiu isso? Cedendo os direitos da extracção de petróleo já não aos Estados Unidos mas à China, mais generosa ou menos ladra, pontos de vista.

Tudo isso conseguiu aumentar o Producto Interior Bruto (o nosso PIB), dinheiro para o sistema de saúde e de educação, a manutenção de um empreendimento privado e cooperativo. Mas quando os preços do petróleo caem, eis que começa a crise económica, o que tem muitas semelhanças com o que se passou na Venezuela.

Então eis que aparece Lenin Moreno, o novo Presidente com o seu novo modelo, retirado direitinho do manual do FMI. Um autentico massacre social, juntamente com a renovada submissão aos EUA. E com o FMI e os Estados Unidos chegam os empréstimos internacionais. Agora, chama-los de “empréstimos” é um eufemismo, pois sabemos que o dinheiro “emprestado” é carregado de altos juros que enriquecem quem empresta e empobrecem quem recebe. Meus senhores, estas são as regras do jogo neoliberal democrático, todos jogam, todos conseguem diverti-se. Mas os equadorenhos não. Gente estranha esta, deve ser o efeito negativo do equador que passa pelo Equador, estraga o divertimento todo.

Resultado: um estado de emergência que leva à repressão violenta e prisões em massa. Até agora 7 mortes, incluindo um recém-nascido, 95 feridos graves, mais de 500 feridos ligeiros, 85 pessoas desaparecidas, mais de 800 detidos, 57 jornalistas atacados pela polícia, bombas de gás lacrimogéneo até nos abrigos da Pontifícia Universidade Católica. E tudo isso num País tranquilo, onde nunca tinha havido uma repressão tão violenta.

Mas afinal o que querem os equadorenhos? Ora bem, querem que o Fundo Monetário Internacional saia do Equador. Estes terroristas querem subverter a ordem internacional. Enquanto isso, o Tribunal Constitucional validou o estado de emergência imposto pelo Presidente Moreno. E o mesmo Presidente acusa o seu antecessor, Rafael Correa, de estar por trás das agitações que “desestabilizam o governo e a ordem democrática”.

A ordem democrática. Ao ouvir esta expressão, qualquer ser humano deveria fazer-se o sinal da cruz e agradecer por ter nascido numa época tão feliz onde o FMI pode ignorar a vontade popular, filha do irracional, e enriquecer, mas democraticamente, os melhores fundos de investimento que a nossa espécie alguma vez conseguiu criar. Esta é evolução, esta é Democracia.

Mas não, os equadorenhos não percebem, exaltam-se e até obrigam o Presidente Lenin (cujo nome já é uma garantia) a mudar a sede do governo da capital Quito para a cidade de Guayaquil. Selvagens, meus senhores, estes não passam de selvagens. E bem fazem os principais órgãos de comunicação internacional a ignorar o que se passa no pequeno, revoltoso e revoltante Equador.

Cambada de delinquentes…

 

Ipse dixit.

Fontes: Europarlamento: Resolução do Parlamento Europeu, de 19 de Setembro de 2019, sobre a importância da memória europeia para o futuro da Europa , FIR

Imagem: The Wall Street Journal

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