Índia e Paquistão: atómicas e religião

Ohhhhh, finalmente! E basta falar das intervenções americanas, de israel, de Síria ou Venezuela. Agora podemos tratar dum assunto novo: a guerra entre Índia e Paquistão. Que, inclusive, é uma guerra entre duas potências nucleares, o que acrescenta uma boa dose de ansiedade. Ok, para sermos sinceros não é uma guerra novinha em folha: os conflitos entre os dois Países foram já quatro e começaram logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. Mas é sempre melhor do que nada, não é?

Causas

Com o fim da II Guerra Mundial, a pressão económica e política indiana levaram a Grã-Bretanha a apoiar a vontade daqueles que queriam a independência dos muçulmanos na Índia Britânica com a criação de novos Estados independentes. A divisão entre Índia e Paquistão, de acordo com os políticos, era para ser realizada através de relações pacíficas. No entanto, a divisão da Índia Britânica na Índia e no Paquistão (em 1947) não respectou a linha religiosa: quase um terço da população muçulmana da Índia britânica permaneceu na Índia e a violência interna entre hindus, sikhs e muçulmanos deu origem às quatros guerras. Pelo que as coisas correram mal desde logo, o que é esquisito porque a divisão entre Índia e Paquistão foi efectuada segundo a vontade de Mohammed Ali Jinnah, líder da Liga Muçulmana Pan-Indiana (All India Muslim League), e Jawaharlal Nehru, líder do Congresso Nacional Indiano.

Os primeiros quatros embates: resumo

Vamos seguir a síntese apresentada por Wikipedia:

Guerra Indo-Paquistanesa de 1947 (ou Primeira Guerra da Caxemira): O conflito durou mais de um ano e cada uma das partes lucrou de maneira significativa no território da outra. Na altura do cessar-fogo determinado pela ONU, a Índia havia assegurado pouco menos de três-quintos da Caxemira, inclusive o fértil Vale da Caxemira.

Guerra Indo-Paquistanesa de 1965 (ou Segunda Guerra da Caxemira): Começou com uma infiltração instigada pelo Paquistão, que provocou uma rebelião em Jammu e Caxemira contra o governo indiano. Em retaliação, a Índia desfechou um ataque contra o território paquistanês. A guerra terminou num impasse.

Guerra Indo-Paquistanesa de 1971 (como resultado da Guerra de Independência de Bangladesh): Esta guerra não envolveu a Caxemira e sim o Paquistão Oriental (o futuro Bangladesh). Após meses de conflito interno ali, a Índia decidiu apoiar os bengaleses e, em quinze dias, o exército indiano havia derrotado as tropas paquistanesas, com a ajuda dos rebeldes, e levado o Paquistão à rendição.

Guerra Indo-Paquistanesa de 1999 (ou Guerra de Kargil ou Conflito de Kargil): As hostilidades são consideradas um conflito menor, embora tenha causado perturbação fortes em ambos os lados, numa época de maior cobertura de mídia. A guerra terminou com a Índia de posse de Kargil (um distrito do estado indiano de Jammu e Caxemira).

Além destas quatro guerras oficiais, há também uma série de conflitos permanentes e de acidentes entre os dois Países (podem ler o resumo completo na página de Wikipedia portuguesa). E, por enquanto, aquele das últimas horas faz parte do grupo dos “incidentes”, apesar da seriedade dos confrontos.

As duas versões

Até agora ataques e contra-ataques, apenas nos céus. Islamabad anuncia ter derrubado dois jactos indianos que entraram no seu espaço aéreo, após uma sucessão de ataques aéreos devido aos contínuos confrontos na Caxemira paquistanesa. Nova Delhi, por sua vez, alega ter derrubado um jacto paquistanês, admitindo ter perdido um caça e o relativo piloto. Mas a situação não é clara pois os dois Países fornecem versões diferentes. O exército indiano lançou um ataque contra uma base da milícia Jaish e-Mohammad, a várias milhas da fronteira que separa a Caxemira indiana e da paquistanesa, é a versão de Islamabad. Segundo as autoridade indianas, estas teriam recebido informações confiáveis ​​de que JeM estava a planear mais ataques suicidas na Índia e, diante do perigo iminente, era necessário um ataque preventivo.

Portanto, Nova Delhi motiva o seu ataque aéreo em resposta ao ataque que, há duas semanas, causou a morte de cerca de quarenta seus soldados. Segundo o Paquistão, pelo contrário, não foi uma operação militar preventiva mas algo feito para uso interno, pois a Índia encontra-se em plena campanha eleitoral.

A coisa não promete bem: a Índia já está a construir mais de 14 mil bunkers adequados para famílias que vivem ao longo da fronteira com o Paquistão, em Jammu e na Caxemira, na esperança de mantê-los seguros em vez de evacuá-los. Após os incidentes, o Paquistão informou ter fechado o seu espaço aéreo, enquanto a Índia suspendeu temporariamente as chegadas e partidas de alguns aeroportos no norte.

Os moradores do lado indiano da fronteira afirma que estão cansados ​​de fugir das suas casas quando houver incidentes, que na zona são frequentes. Alguns já viram membros da família serem mortos e o custo de deixar para trás o gado e as colheitas é muito pesado para muitos dos pobres agricultores locais.

Os trabalhos terão um de 60 milhões de Dólares, gastos em estruturas subterrâneas de aço e cimento: centenas deste bunkers subterrâneos, com paredes e telhados três vezes a espessura de uma casa normal, já foram construídos ao longo dos anos.

No lado paquistanês da fronteira, a maioria das casas construídas após um cessar-fogo em 2003 não tem bunkers, embora o governo tenha um programa para construi-los: várias pessoas foram mortas e feridas pelos ataques indianos dos últimos dias enquanto outras fugiram das áreas.

Bombas atómicas e a religião

Seja como for, estamos a falar de dois Países que no total dispõem aproximadamente de 250 testadas atómicas, mais do que suficientes para a destruição total de ambos os envolvidos.

É possível vislumbrar neste novo acidente a longa mão do Ocidente na tentativa de penetrar o espaço Euroasiático? Bom, tudo é possível como é óbvio, mas a hipótese parece ser remota: estamos perante um conflito que tem mais de 70 anos de vida, já viu quatro guerras e um sem número de acidentes. Na verdade, Índia e Paquistão nunca conseguiram uma situação de paz, em regiões como a Caxemira vive-se constantemente num estado de elevada tensão: basta um nada para reavivar os velhos rancores e torna-los algo mais sérios. É uma situação confusa, na qual até é difícil ter a conta das vítimas: fala-se de algo entre 500 mil e um milhão de mortos desde 1947, frutos do ódio religioso, mas são estimativas bastante optimistas.

Além disso, nenhum dos dois Países está numa situação de confronto com o Ocidente: a influência de Washington em Islamabad enfraqueceu nos últimos tempos e o Paquistão abriu o diálogo com a China, mas não é possível falar de roptura. Nova Delhi olha para Moscovo como um parceiro militar e comercial, mas permanece próxima dos EUA para conter o expansionismo chinês na região do Indo-Pacífico.

Os problemas entre Índia e Paquistão têm origens antigas e uma base comum, sempre a mesma: a religião.

 

Ipse dixit.

Fontes: Wikipedia (versão portuguesa), Reuters India.

5 Replies to “Índia e Paquistão: atómicas e religião”

  1. Seguindo o rastro do dinheiro, algumas breves conjecturas para procurar entender toda esta confusão:

    1) A China tem enorme necessidade de petróleo (pra variar sempre o bendito petróleo).

    2) Em dezembro de 2018, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, mui diplomáticamente, rotulou A China como “a maior ameaça aos Estados Unidos”. Por sua vez, o presidente chinês Xi Jinping, mui sutilmente, declarou que suas forças militares estão prontas para lutar.

    3) Irã e Venezuela são, hoje, os principais inimigos dos EUA e “coincidentemente”, os principais fornecedores de petróleo para a China que, por sua vez, continua injetando muita grana nestes países apesar das $ançoe$ impostas pelos EUA.

    Também temos o governo do Paquistão que admitiu, anos atrás, que cientistas do país deram ilegalmente ajuda técnica ao programa de armas nucleares do Irã no final dos anos 80. Por outro lado, o Presidente do Irã, Hassan Rohani, literalmente declarou, há poucos anos, que “A segurança do Paquistão é a nossa segurança e a segurança do Irã é a segurança do Paquistão”, acrescentando que “os dois países devem fazer frente ao extremismo e à violência”

    4) A Índia é apoiada pelos EUA. Os principais destinos de exportação da Índia são o Estados Unidos – U$44,3 Bilhões em 2017. Já o Paquistão é apoiado pela China (ver próx. ítem); e isso não é de hoje. Além disso, como já sugerido anteriormente, as relaçõs entre EUA e Paquistão não estão nada bem. EUA já cancelou, esta semana, US$ 300 milhões em ajuda ao Paquistão e outros cortes virão.

    5) As obras do gasoduto da Gazpron (Rússia) para a China ainda não estão prontas.

    6) Corredor econômico Paquistão-China (CEPC): O maior beneficiado deste projeto é a China. Além de exportar seu excesso de capacidade em construção, o governo chinês busca a facilitação do transporte da matéria-prima que necessita para manter sua economia crescendo: o petróleo. Um porto próximo ao Golfo Pérsico permite que a China encontre uma alternativa ao estreito de Málaca, por onde passa a maior parte do petróleo importado pelo país. Gwadar é porto de águas profundas, ultra estratégico, no Mar da Arábia, no Baloquistão paquistanês, não distante da fronteira com o Irã e a apenas 520 km do ultra estratégico Estreito de Hormuz.

    Através desse projeto e da promoção do desenvolvimento econômico do Paquistão, a China procura conter a influência de grupos militares paquistaneses em Xinjiang. O projeto faz parte de um planejamento de diplomacia chinesa que vai muito além da Ásia; pode-se levar em consideração o fato de que a maior parte das importações chinesas da América do Sul passa pelo canal do Panamá, lugar onde o custo do transporte aumentou ao longo dos anos. Uma alternativa para escoar os bilhões de dólares em minério de ferro e soja do Brasil para a China pelo Pacífico reduziria os custos de uma forma significativa.

    Já a parte paquistanesa considera o Corredor Econômico China-Paquistão um projeto/conceito estratégico de “um cinturão e uma rota” e que o corredor está se tornando questão “chave” para o aprofundamento da colaboração econômica entre os dois países. Autoridades do Paquistão já declaram que o Corredor Econômico irá fortalecer os intercâmbios e contatos entre os dois países e que será parte da construção de uma “comunidade de destino comum” entre a China e o Paquistão. Portanto, apesar do maior beneficiado do projeto ainda ser a China, o CEPC ainda irá beneficiar consideravelmente o Paquistão.

    Por essas e por outras, a China não arreda pé da idéia de que o ocidente “deve respeitar a soberania do Paquistão”.

    7) Assim sendo, vemos que os jogadores neste tabuleiro (outros atores existem mas não foram considerados nesta análise) tem gigantescos interesses nas regiões mencionadas. Podemos imaginar então, como probabilidade futura, um acordo entre EUA e China do tipo: China cai fora da Venezuela (e leva Rússia na mala) e EUA cai fora do Paquistão e tvz de alguma outra área que incomode a China.

    Aliás, a meu ver, esta tem sido a principal estratégia/luta do Trump, isto é, fazer o Oriente ficar em sua casa e manter o Ocidente dentro de sua guarda no estilo ‘Old West Again’…indo até a beira do precipício para atingir suas metas.

    ps: Outra possibilidade se este acordo não sair? bem….foi um prazer conhecê-los.

    Enfim, tentei (em 10 minuto não é fácil :p ). Agora só o poderoso Max para destrinchar essa perigosa massaroca.

    1. É muito conveniente justo agora. Até dá tempo para os porta-aviões e destroyers em Miami e mais a norte e San Diego se aproximarem do alvo (humanitário).

      N

    2. Final do ano passado Pequim e Moscou já haviam sugerido que a Coréia do Norte suspendesse novos testes com mísseis em troca de que Washington interrompesse os exercícios militares em grande escala na península coreana. No entanto, os Estados Unidos haviam rejeitado essa proposta.

      Na coletiva de imprensa, realizada nesta quinta-feira (28/fev) após o encontro com o líder norte-coreano em Hanói, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse que parou os exercícios militares na península coreana, “porque são muito caros”.

      EUA cai fora do oriente e oriente – especialmente China e Rússia – saem do ocidente. Assim parece ser o movimento das peças neste tabuleiro. Aguardemos a próxima jogada.

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