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A Esquerda: contra os trabalhadores e contra o ambiente

Para Paolo Barnard

Hoje o bom Max estava a conduzir no seu carrinho quando de repente aparece um cartaz. Não na frente do carro, um pouco à direita, na berma. Mas deu para ler. Rezava o anúncio: “Horário de trabalho mais justo!”. Nem sei se era do Bloco de Esquerda o do Partido Comunista, tanto faz. Só sei que eu disse “Malandros!”. O que é falso, pois a expressão foi italiana, um pouco mais complexa e abrangia a actividade pública desenvolvida pelas antepassadas de quem criou o cartaz. Mas vamos em frente: por qual razão o bom Max reagiu desta forma? Talvez ele não deseje um horário mais justo para os trabalhadores? Será que vendeu-se ao Capital? Ahi que horror!

O tema está intimamente ligado a outro assunto, algo que ainda consegue surpreender-me: a maioria dos Leitores de Informação Incorrecta é de Esquerda. Não sei qual a a razão: eu não sou de Esquerda e nem de Direita, acho ter deixada clara ao longo dos anos a minha adversão acerca destes infames rótulos. Infames porque traiçoeiros.

Mas combinamos os dois assuntos: por qual razão um “não” perante um “horário mais justo”? Pela simples razão que reivindicar uma diferente carga horária significa implicitamente aceitar e endossar o actual sistema de escravidão. Não é que ao trabalhar menos duas horas o escravo fique um pouco menos escravo: sempre escravo é. A escravidão dele está gravada na sua mente, não nos horários.

E aqui entra o pensamento da Esquerda clássica (nota: neste artigo utilizo o termo “Esquerda” para falar das ideologia socialistas e comunistas). O pensamento de Esquerda é, na minha óptica, uma traição até pior daquela perpetrada pela Direita em relação aos trabalhadores: porque a Direita clássica (não aquela de Bolsonaro, não aquela dos actuais liberals) cuida dos trabalhadores, reconhece-os como força motriz do País. No geral, quem afirma que a Direita não cuida dos trabalhadores e premia apenas os interesses do “patrão”, simplesmente não sabe do que fala e limita-se a repetir algo que ouviu dos doutrinadores.

Seria aqui possível falar da teoria segundo a qual o Comunismo foi outra invenção dos Illuminati sionistas que, além do fogo, da escrita, da Descoberta das Américas, da Revolução Francesa, do Grupo Bilderberg e da pasta dentífrica ao sabor de menta, tiveram tempo também para criar um falso inimigo do Ocidente que dividisse a sociedade etc. etc. Não estou interessado nestas visões demasiado cultas, vamos manter o discurso no nível mais básico, observando os princípios da Esquerda. E vamos analisar a Esquerda apenas dum só ponto de vista, algo que é terrivelmente importante, além de estar na moda por outras razões: o meio ambiente. Mas depois porque ser forreta? Vamos falar do ambiente todo, não apenas de meio!

O meio ambiente e o Industrialismo

Aprofundando os ideais dos clássicos Socialismo e Comunismo, por exemplo, é incompreensível como haja pessoas que se declaram ao mesmo tempo “de Esquerda” e “ambientalistas” (ou “ecologista” etc.). As duas opções estão em completa antítese, são uma o contrário da outra. Isso porque o Comunismo (e o seu predecessor cronológico, o Socialismo) são duas doutrinas industrialistas, ou seja, reconhecem na produção industrial o foco central de toda a sociedade, a fonte do bem estar. No Comunismo ou no Socialismo não há uma economia sustentável pela simples razão que não pode haver: o proletariado e a sua luta de classe existem apenas até quando existirem as indústrias com o conceito de trabalho ao serviço do “patrão”. A luta do proletariado nunca foi em prol duma economia de decrescimento ou, aos menos, de manutenção do status quo: a luta verte toda no conceito de posse dos meios de produção e, portanto, da sucessiva produção.

Ao espreitar o site do Partido Comunista Português (PCP), os duros e puros marxistas-leninistas do burgo aqui, em lado nenhum podemos encontrar algo relacionado com a recusa do sistema industrialista; sistema que, ao contrário, é defendido ao defender o trabalhador “proletário”. A única diferença entre Esquerda e Direita fica toda na posse dos meios de produção: nas mãos do povo segundo a Esquerda, nas mãos dos privados e do Estado segundo a Direita. Mas é aqui que a Esquerda clássica choca com o meio ambiente: a ecologia nunca poder ser industrialista, a salvaguarda do planeta não pode passar pela produção massiva.

A nossa actual sociedade mostra a todos as consequências dum industrialismo levado ao extremo: os recursos estão a ser consumidos com uma velocidade que não permite a natural reposição. Extraímos os metais raros para os nossos preciosos smartphones, mas a Natureza não trabalha segundo os ritmos das empresas, portanto estamos obrigados a cavar cada vez mais, destruindo (literalmente) ilhas, esburacando o terreno como um queijo suíço, provocando terramotos que de natural têm pouco, com enormes quantidades de resíduos (bem maiores do que a matéria prima extraída). E somos obrigados a gastar cada vez mais energia neste processo, óbvio sinal de que algo não bate bem.

Podemos pensar que numa sociedade de Esquerda as coisas estariam bem melhores, sem dúvida diferentes. Mas por qual razão pensamos uma coisa destas? Como vimos, a sociedade ideal de Esquerda é uma sociedade fundada no mesmo princípio neoliberal: a industrialização, conduzida pelo proletariado mas sempre industrialização. Talvez, uma sociedade de Esquerda poderia racionalizar a produção, adequa-la às efectivas necessidades dos cidadãos. Talvez. Mas a diferença não está no fim da história, apenas no tempo. O fim da história numa sociedade industrializada é sempre obrigatoriamente o mesmo: a população aumenta, as necessidades aumentam, são precisos cada vez mais recursos. Ponto. Não há outras “saídas”. Poderia haver uma mais justa distribuição da riqueza e um tempo de “esgotamento” dos recursos maior: a nossa actual sociedade é profundamente injusta e tem tempos frenéticos, tudo é consumido com pressa e a pressa nunca parece ser suficientemente rápida. Admitimos, por amor de discussão, que numa sociedade socialista ou comunista a exploração frenética dos recursos possa ser atingida com mais tempo, também recorrendo às fontes de energia renováveis (é uma mera suposição que, todavia, não tem bases pois a história ensina que quando as condições duma sociedade forem favoráveis, a taxa de natalidade dispara: mais pessoas, mais exigências, mais recursos utilizados): mas sempre de industrialismo falamos, isso é, duma sociedade que devora recursos naturais não renováveis.

Pelo que repito: como pode uma pessoa ser “de Esquerda” e ao mesmo tempo afirmar que se preocupa com o meio-ambiente? Não pode. O industrialismo é uma doutrina que tem como fim a exploração dos recursos naturais: e este fim é o mesmo, visto de Direita ou visto de Esquerda.

(nota: nesta altura o bom Comunista extrai o trunfo. Que consiste em afirmar que numa sociedade comunista as pessoas rendem mais porque não escravas, pelo que alcançam sucessos tecnológicos com mais rapidez e sempre em favor da comunidade toda. Isso permite descobrir e explorar novas formas de energias, que não poluem, não prejudicam o meio-ambiente etc., etc., etc.. Outro trunfo é a utilização de energia renováveis e seria engraçado ver uma demonstração duma internet global que funciona apenas com as energias renováveis, seria divertido mesmo. Mas é claro que em ambos os casos entramos no campo da psicopatologia ou, na melhor das hipóteses, dos contos de fadas).

As verdadeiras perguntas

Portanto, a verdadeira pergunta não é “Esquerda ou Direita?”, mas deve ser “Industrialismo ou não?”. Porque as duas principais correntes ideológicas dos últimos duzentos anos têm exactamente o mesmo objectivo: a produção industrial. Que raio de “alternativa” é esta? Como é que ainda hoje a ideia de “crescimento” constitui o metro para medir a saúde duma sociedade? Por qual razão ambas as doutrinas abominam e lutam contra as verdadeiras alternativas (como o Anarquismo)? Como é possível que nenhuma força política presente nos vários Parlamentos repudie um sistema que já mostra amplamente todos os seus limites, sendo algo que destrói o ambiente no qual vivemos? Como é que ambas as doutrinas de maior “sucesso” preveem a existência de escravos?

Estas são as únicas perguntas que actualmente contam. E responder com um “Ehhh, mas não há alternativas, tu tens uma alternativa?, não? então é inútil falar disso, fica contente com aquilo que tens e deixa de sonhar” não vale porque é falso. Clamorosamente falso. O Leitor tem internet? Então toca mexer os dedinhos e procurar porque há alternativas. Esperar que chegue alguém com um modelo de sociedade já pronto, perfeitinho, que tem só que ser implementado, não é apenas infantil, é doentio mesmo. E esperar que sejam sempre “os outros” a apresentar propostas é doentio e irresponsável.

Resumindo: pessoal acordem. Saiam duma vez por todas da gaiola “Esquerda-Direita”, tentem ver o mundo como ele é, não apenas com os olhos das doutrinas: as doutrinas são letras mortas, boas para os cadáveres. Nem falo dos casos-limite como o PCP português, com a sua “política patriótica e de Esquerda!” (sic!!!), falo aqui da Esquerda no geral que, infelizmente, trabalha para manter activo e em boa saúde o actual sistema em todo o mundo (obviamente não falo da Direita porque nem vale a pena e porque a situação aí, do ponto de vista ideológico, é ainda pior).

Mas acerca disso vamos falar na segunda parte do artigo. E vamos falar mais uma vez dum assunto que acho ser fundamental, a questão do trabalho: porque é aí que a armadilha prende definitivamente o indivíduo à este sistema, impedindo-lhe de ir mais além. Se o dinheiro é a chave para entender quais as leis principais que governam o nosso sistema, o trabalho (do qual faz parte o Industrialismo) é o Cavalo de Troia que permite a exploração da enorme massa de escravos, mantendo-los presos ao longo da vida toda. Ámen.

O exemplo

Para acabar, eis explicada a dedicatória presente no início do artigo. Nesta precisa altura em que estamos sentados ao computador, nas nossas casinhas, há alguém que com 60 anos de idade partiu de Italia para ir até Londres, na frente da Embaixada do Equador, para protestar contra as condições nas quais é mantido [wiki]Julian Assange[/wiki]. Trata-se de [wiki base=”EN”]Paolo Barnard[/wiki], o jornalista que luta em prol do jornalismo. Eu tenho as minhas ideias acerca de Assange, e são ideias diferentes daquelas da Barnard. Mas é impossível não reparar na diferença: Barnard acredita em algo, ele luta enquanto eu estou aqui, exactamente como todos os Leitores, sem mexer um dedo. É um facto que não pode ser posto em discussão.

Podemos pensar que no fundo a iniciativa de Barnard seja inútil: mas não é, porque se é verdade que não contribuirá para melhorar as condições de Assange, também é verdade que aponta o dedo ao nosso comodismo, a falta de acção, ao “é tudo inútil”, ao “ehhh, mas tanto não há alternativa”. Imaginem que ao pé da embaixada houvesse não um mas cem, mil, dez mil Barnard: então algo aconteceria. E a propósito: o vosso partido de Esquerda falou nisso? Realçou a iniciativa, convidando a participar ou pelos menos a apoia-la moralmente? Ou fez como nós, ficando sentadinho no quente e doce lar?

 

Ipse dixit.