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O castor inteligente

Diz a Sempre Muy Nobre Maria:

Esse assunto é muito complicado para mim

Pois, e para mim também, acredita.

O que diferencia esses macacos daqueles castores que cortam paus e fazem diques e pontes?

(Pssst! Este não é um artigo científico, não o levem demasiado a sério, é Domingo!)

O castor, pois, o castor. Mas verdadeiramente é só instinto? E como nasceu? Um dia um castor pegou num ramo, depois num outro, começou a atira-los para o meio do rio e assim criou uma barragem. E pensou: “E se fosse morar aí? Seria cómodo, água fresca o ano todo”. E foi morar aí. E morreu afogado porque ainda o instinto não lhe tinha ensinado a construir uma barragem decente.

Foi assim? Ou foi a selecção natural que fez desaparecer todos os castores que não sabiam construir uma barragem? E como podiam tê-lo sabido se ainda não havia o tal instinto? Não sei se temos ideia: construir uma barragem no meio dum rio! Eu nem conseguiria com um manual da Ikea. Os castores não poderiam ter vivido numa toca como os outros animais? Por qual razão a evolução tornou o castor único ao fazer algo tão complexo (as barragens), algo que nenhum outro animal faz?

Não é como o macaco que parte as nozes com pedras. O castor tem que escolher a madeira (a selecção fez morrer todos os castores que escolhiam a madeira errada?), avaliar quanta madeira é necessária (fez morrer todos os castores que não sabiam fazer as contas), construir as bases debaixo da água (fez morrer todos os castores que não sabiam construir as bases ou que tentavam respirar debaixo do rio), impermeabilizar o nível acima das águas (fez morrer todos os castores que não impermeabilizavam)… pensando bem é um milagre que alguns castores tenham sobrevivido até hoje. Ou isso ou o planeta era habitado basicamente por castores. Centenas de milhões de castores que tentavam construir uma barragem ao longo das eras.

Evolução: é só uma questão de tempo

Porque os evolucionistas dizem: “É só uma questão de tempo, com alguns milhões de anos tudo acontece”. Não é mesmo assim: depende com quantos castores inicia a história. Se forem só um punhado é provável que morram todos antes de sequer terem percebido o que é uma barragem. Depois qual a justificação que dão os evolucionistas? Começaram a construir barragens para fugir aos predadores. E os outros animais, aqueles que não constroem barragens, como é que fazem? Ficam nas tocas, cavam mais fundo. Bem mais simples que passar a vida a roer árvores e arriscar morrer afogado a cada chuvada. E depois como sobreviviam os castores antes de começar a construir barragens?.

Pois: onde moravam os castores antes dos diques? Nos parques de campismo? Não, nas tocas. Então as tocas funcionavam como refúgio. Claro que funcionavam, funcionam para todas as espécies, até o homem vivia em tocas no princípio (as cavernas eram tocas, só maiores). Mas algo não batia certo, porque Mãe Evolução sugeriu aos castores que numa barragem haveria mais possibilidades de fugir aos predadores. Como entendeu isso Mãe Evolução? Simples: pela lei dos grandes números. Demasiados castores mortos? Significa que as tocas eram insuficientes.

Mas se as tocas eram insuficientes era porque demasiados castores eram vítimas dos predadores. E era um problema mesmo deles, porque nenhum outro animal sentiu a necessidade de construir obras tão bizarras para salvar-se. Então no começo não havia tantos castores, eram poucos e conduziam uma vida infeliz. Mesmo assim teve lugar a chacina descrita antes: os castores sem barragens morriam como moscas (que, de facto, não constroem barragens). Portanto deve ter sido uma evolução rápida. Um dia Mãe Evolução entrou numa toca e disse ao pai castor:

Tu, parente da ratazana, a partir de hoje sabes instintivamente como construir uma barragem. Como “o que é uma barragem?”. Não podes sabe-lo, és estúpido como uma galinha, mas fica descansado pois é tudo instinto. Vai, filho, constrói. O quê? Sim, eu sei que o filho é ele e tu és o pai, era um modo para dizer… fogo, são mesmo estúpidos como galinhas…

Pai castor levantou-se e começou a procurar a madeira para a primeira barragem enquanto ouvia-se Mãe Evolução um pouco mais longe a falar com uma galinha “Mas qual protestos, epá, era só para dizer, não é preciso ofender-se, vocês são animaizinhos bem inteligentes, acreditem…”.

Deus: linhas tortas e tartes

Para os criacionistas até é mais simples “Foi Deus, é toda obra Dele”. E com isso resolvem qualquer problema. Há algo esquisito? “Foi Deus, de certeza”. Mas por qual razão? “Porque Deus escreve direito por linhas tortas”. Que é como dizer: “coitadinho, não sabe o que faz, deve ser da idade”.

Mas voltemos ao caso do castor: Deus criou os animais, todos que viviam nas tocas, depois pensou “Epá, sempre nas tocas, aqui é preciso algo diferente, alguém que faça algo espectacular. Um smartphone? Não, não há rede ainda. Ok, o smartphone fica para o homem enquanto para os castores… uma barragem. Isso: uma bonita barragem, é disso que precisamos.” Olhou para o castor (que até aí tinha vivido descontraidamente numa toca) e disse:

Ohi, tu, baixinho! Sim, mesmo tu, meio ratazana e meio xipirapú [um animal entretanto eliminado por Deus porque tinha-Lhe saído mal], vens aqui. Estás a ver uma barragem? Como “o que é uma barragem?” Fogo, mas tenho que explicar tudo aqui? Uma barragem é… é uma barragem! Nunca viste uma? Ah, não, ninguém construiu barragens até hoje, tu vais ser o primeiro, é verdade. Olha, uma barragem para ti será uma casa no meio dum rio. Não, fica descansado, não é perigoso. Não quero saber se na toca ficas bem, vais construir as barragens e ponto final, ora essa, lembra que eu escrevo torto com pontinhos…não, não era assim… com pontinhos e uma régua? Não, nem isso…

E foi assim que o castor deixou as tocas para construir barragens no meio dos rios. Vontade de Deus, muito simples. O Criador poderia ter decidido que o castor construisse as portas blindadas contra os predadores, muito mais prático, mas decidiu obriga-lo a trabalhar como um desgraçado para construir os diques.

Inteligência?

Para uma pessoa como eu, que não é religiosa e tem fortes dúvidas acerca do evolucionismo, não há uma resposta simples. E penso que talvez a solução seja a inteligência. Um dia um macaco reparou que ao bater com uma pedra numa noz conseguia partir esta última. Os outros macacos que o tinham observado pensaram “Raios os partam, com esta ideia da pedra consegue comer mais nozes”. E começaram a imita-lo. Com o castor aconteceu algo parecido: foi a inteligência que sugeriu a construção de algo onde os predadores não podiam chegar.

E aqui aparece a grande dúvida: mas se os macacos tiveram a inteligência de utilizar instrumentos, se os castores tiveram a inteligência de construir as barragens, porque não evoluíram? Porque pararam aí?

A minha resposta é: porque não precisavam de mais nada. De certeza tinham uma inteligência reduzida, algo não comparável àquela do homem. Resolvido o problema mais urgente (sobrevivência no caso dos castores, comida para os macacos), deixaram de utilizar as já escassas capacidades intelectuais. Talvez com o passar do tempo ficaram mais estúpidos, quem sabe? Envolvidos só nos problemas do dia-a-dia, deixaram de utiliza-la como se deixa de utilizar qualquer instrumento. E perde-se o jeito. Porque a inteligência deles era limitada, não podia ter-se tornado uma ferramenta mais útil no seu ambiente. De facto, os macacos estão perfeitamente integrados no habitat deles, assim como os castores. O que poderia ter sugerido mais uma inteligência com limites? Abrir uma loja de pedras para partir nozes? Fundar uma empresa de “diqueiros”? Para quê? Macacos e castores vivem bem, comem, reproduzem-se, é isso que conta.

O que não significa que o instinto filho da evolução não exista. Existe sim, tal como existe para outras características. O pavão não escolhe as cores da sua roda, foi a Natureza que favoreceu os machos com as cores mais garridas. Mas há uma imensa distância entre um trato somático casual e involuntário como a cor das plumas e uma obra de engenharia como uma barragem, não é possível uma comparação.

A minha hipótese (e não passa disso, evidentemente) é que uma inteligência minimamente superior (superior à das galinhas, que efectivamente não são bichos particularmente profundos do ponto de vista intelectual) não seja um exclusivo do homem. Nunca houve um castor que pegasse numa folha para projectar uma barragem, isso está claro. Mas pode ter existido em alguma época um castor com algo mais, uma faísca. Um castor que observou um ramo preso entre as margens dum riacho e desviava a água pode ter existido. Talvez um castor que se salvou do predador por ter saltado por cima daquele ramo percebeu que o predador tinha medo da água, isso pode ter existido. “Eu água > ele pára > ele medo da água > ele mau > água boa > água vida > fuck the burrow!” (nota: antigamente os castores eram bilingue, depois, como já lembrado, ficaram mais estúpidos).

Demais para o cérebro dum castor? E porquê? Leonardo sabe muito bem porque não tem que roer os meus chinelos. Tem a capacidade de construir uma ligação entre a sua atitude, um acontecimento passado e o futuro. “Eu roer chinelos > o estúpido zanga-se > o estúpido grita > chegam novos chinelos > se eu roer estes, o estúpido zanga-se outra vez > melhor não roer novos chinelos > eu roer sapatos de ténis > fuck the slippers!” (nota: Leo aprendeu inglês com um amigo seu, um Yorkshire). Leo é um cão, para nós humanos é basicamente estúpido, mas o cerebrinho dele consegue estas ligações.

Somos demasiado presunçosos para reconhecer o dom da inteligência (mesmo que limitada) em outras espécies. E provavelmente somos demasiado presunçosos para entender que a inteligência é uma faca com dois gumes: tal como qualquer instrumento, tem que ser utilizada para ultrapassar as dificuldades mantendo-se em harmonia com o ambiente. Inventar um smartphone com quatro câmaras não resolve problemas, cria problemas. Apostar tudo na inteligência tem o resultado de nos afastar do mais importante, que é o nosso habitat.

Ámen. Tenho dito. Assim falei. E mais nada.

 

Ipse dixit.