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As guerras de Bento XVI

Por qual razão, em Fevereiro de 2013, o Papa Bento XVI renunciou repentina e inexplicavelmente ao cargo de Papa?

Um salto atrás, até o dia 14 de Maio de 2005: “A eleição do novo papa” é o título do documento de sete páginas que a Embaixada dos EUA na Santa Sé envia à Secretária de Estado americana, a simpática Condoleezza Rice. A classificação é «Sensível» porque no subcapítulo «perfil» é resumido o identikit da personagem que, segundo os diplomatas americanos, será eleita pelo Conclave. «O primeiro factor é a idade, os cardeais procurarão alguém que não seja demasiado jovem nem velho porque não querem ter outro funeral e outro conclave em breve», mas «também querem evitar um papado comprido como aquele de João Paulo II» e « será uma pessoa razoavelmente saudável “. O outro elemento “é a capacidade linguística” e, portanto, “independentemente de ser italiano ou não”, o novo Papa “deve saber falar italiano” para “ser bem compreendido pelo rebanho”, já que “o italiano continua a ser a língua de trabalho do povo da burocracia do Vaticano”.

Mas, acima de tudo terá uma certa “origem geográfica”, porque “depois de um polaco é previsível que não será um cardeal da Europa Oriental, que não será um dos 11 cidadãos norte-americanos, porque são da a última superpotência remanescente e não será um francês porque muitos lembram como os Papas franceses do século XIV eram suspeitos de serem influenciados pela monarquia francesa”. Assim, como reza o parágrafo 12, quem goza “duma vantagem considerável pode ser um candidato da América Central ou do Sul” também por causa “do número considerável de católicos”.

Os últimos três parágrafos focam outras características consideradas necessárias: “Ele terá que ter experiência pastoral para demonstrar as suas qualidades humanas”, “ele terá experiência internacional para enfrentar as principais questões de nossa era” e “terá que ser um bom comunicador, capaz no uso de novos meios electrónicos para transmitir a mensagem da Igreja de maneira clara e poderosa”.

É o identikit de Bergoglio, não de Ratzinger. Mas na altura foi eleito o Cardeal alemão que, portanto, não preenchia os requisitos indicados por Washington.

Bento XVI o reformador

Em nada simpático, pouco fotogénico, com pouca experiência pastoral, Bento XI foi o Papa duma parte da Igreja, aquela mais tradicionalista, aquela que sabe da necessidade duma mudança mas quer mudar com os ritmos que são próprios do Vaticano. Ratzinger em favor tinha um cérebro que nunca parava, uma matriz conservadora tal como aquela do seu antecessor (do qual tinha sido chegado confidente) e a vontade de mudar: se a vontade “revolucionária” (com muitas aspas) de Woytila pagou a saúde precária do Papa polaco e o seu extremo conservadorismo, com Ratzinger o discurso ia para frente com maior vigor e bases teóricas ainda mais sólidas, entrando em quartos obscuros em que poucos Papas atreviam-se a entrar.

Para entender as reformas de Bento XVI é preciso não esquecer que no Vaticano não há revoluções mas caminhos: tudo tem que acontecer na senda da continuidade, sem aparentes fracturas. Outro ponto que é preciso lembrar: Bento XVI entende a necessidade de mudança mas continua a ser um homem da “velha guarda”, tal como Woytila: então a Igreja tem que inovar-se mas devagar e mantendo-se fiel a determinados princípios. Assuntos como o problema gender, homossexuais ou padres casados ficam fora do radar. A mudança, segundo Bento XVI, é algo lento e não implica vender a Igreja à vaga “progressista” dos vários Obama, Clinton ou Soros.

Estes são dois pontos chaves: Ratzinger é um alvo fácil para os media, pois não é percebido como um autêntico reformador; e entra em conflito com o verdadeiro poder, aquele da elite mundial, aquele da grande finança. Juntamos a resistência interna daquela parte da Igreja desde sempre contrária a qualquer séria reforma e é simples perceber como Bento XVI tinha bem poucos amigos.

O papel dos “progressistas”

Quando, em 2013, Ratzinger demitiu-se, o IOR (o banco do Vaticano) tinha sido excluído do SWIFT; isso significa que todos os pagamentos do Vaticano eram impossíveis, e a Igreja (segundo os padrões dos EUA) encontrava-se nas mesmas condições dum Estado terrorista, tal como o Irão. Em síntese: a ruína económica, bem preparada com uma violenta campanha também mediática contra o IOR, com tanto de investigações criminais do poder judiciário italiano.

Lembramos: o SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication) em teoria é uma “câmara de compensação” global, que reúne 10.000 bancos no mundo e 215 Países. Na verdade, é o centro mais oculto e absoluto do poder financeiro americano-globalista, máquina para chantagear que defende a hegemonia do Dólar, o mais poderoso centro de espionagem económica e política (especialmente em detrimento dos europeus): o SWIFT, de facto, é uma arma nas mãos do poder globalizador, apontada contra os Países que não obedecem.

O Banco Central do Irão, por exemplo, por vontade judaica foi excluído da rede SWIFT em retaliação contra o suposto programa nuclear. Isso significa que o Irão não pode vender o seu petróleo bruto em Dólares, que os seus cartões de crédito não valem no estrangeiro e que nenhuma transação financeira internacional pode ser conduzida por Teherão se não em dinheiro líquido e de forma oculta. De acordo com a ordem internacional, em 2014 o banco francês BNP Paribas foi condenado a pagar (aos EUA!) 8.8 bilhões de Dólares por ter ajudado Teherão a contornar o bloco SWIFT.

Foram as ventiladas ameaças de excluir Moscovo do SWIFT, em retaliação à anexação da Crimeia, a acelerar a implementação dum circuito de compensação alternativo em Yuan (China) e Rublos (Rússia), e não em dólares. E o sito belga Media-Presse, ao dar notícia do SWIFT alternativo lançado por Pequim e Moscovo, afirmava:

Quando um banco ou um território é excluído do sistema [SWIFT, ndt], como foi no caso do Vaticano nos dias que antecederam a renúncia de Bento XVI em Fevereiro de 2013, todas as transações ficam bloqueadas. Sem esperar a eleição do Papa Bergoglio, o sistema Swift foi desbloqueado ao anúncio da renúncia de Bento XVI.

Houve uma chantagem vinda de onde não sabemos, através de Swift, contra Bento XVI. As profundas razões desta história não foram esclarecidas, mas é claro que o SWIFT interveio directamente na direção dos assuntos da Igreja.

Nota curiosa: a dúzia de bancos caídos nas mãos do Estado Islâmico no Iraque e na Síria não foram excluídos da rede SWIFT e continua ainda hoje a fazer transações internacionais. Na Cidade do Vaticano, pelo contrário, até as caixas electrónicas foram bloqueadas. Isso até Fevereiro de 2013.

Naquele dia, Bento XVI publica a sua carta de demissão, Ingravescente aetate. Uma carta escrita em latim, curta mas com alguns erros estranhos para quem, como Ratzinger, fala fluentemente a língua dos antigos Romanos. Seja como for, imediatamente depois da sua partida, a rede SWIFT desbloqueia o Vaticano, reabre as caixas electrónicas, permite a normal actividade do IOR. Nem esperaram que Bergoglio fosse eleito: a queda de Bento XVI foi o suficiente. Doutro lado, como vimos, o identikit do novo Papa circulava há anos, Ratzinger tinha sido um erro de casting: os poderes fortes desejavam um Papa progressista, alguém aparentemente “perto do povo”; e boa parte do Vaticano queria um Papa que inovasse mas sem realmente mexer nos interesses privados dos prelados mais poderosos. Portanto: faltava só tornar público o apelido do novo “salvador”.

Será tudo isso só pura conspiração? Nem tanto. Luigi Negri, Bispo de Ferrara (Italia) e amigo pessoal de Ratzinger:

Bento XVI sofreu uma enorme pressão. Não é coincidência que na América, também com base no que foi publicado pelo Wikileaks, alguns grupos de católicos pediram ao Presidente Trump para abrir uma comissão de inquérito para investigar se o governo de Barack Obama exerceu pressão sobre Bento XVI.

Neste sentido é interessante reler quanto escrito pelos assinantes do carta com a qual os católicos americanos pedem ao Presidente Trump uma investigação acerca das demissões de Bento XVI e a Administração dos Estados Unidos. Durante o terceiro ano do primeiro mandato da administração Obama, pode ler-se na carta, o Secretário de Estado Hilllary Clinton e outros funcionários do governo propuseram uma “revolução Católica”, cujo objetivo era a morte definitiva do que sobrava da Igreja Católica nos EUA”. As suspeitas derivam dum e-mail que John Podesta, assessor de Clinton, enviou a Sandy Newman, director duma revista progressista. No e-mail, Podesta explica ao seu interlocutor que está a tentar implementar uma “Primavera católica” semelhante àquelas que derrubaram os regimes da África do Norte. De acordo com os signatários da carta, a eleição do Papa Francisco serviu para “dar apoio espiritual à agenda ideológica radical dos progressistas internacionais” e também para propor o Papa qual “líder espiritual da esquerda mundial”.

A carta pede também que seja esclarecida a influência de George Soros na operação: o editor da revista Nuova Bussola Quotidiana, Riccardo Cascioli, escreveu um interessante editorial em que denunciava a interferência do rico financeiro americano nos acontecimentos do Vaticano: Soros fez substanciais contribuições para as organizações católicas para promover no seio da Igreja Católica americana assuntos quais a vida, a família e a justiça social.

O grupo de St. Gallen

Não muito sabem que o Papa Bento XVI já tinha decidido deixar o Pontificado em Março 2012, depois de uma viagem no México e em Cuba, onde tinha descoberto a primeira parte de um relatório preparado pelo Cardeais Julian Herranz, Jozef Tomko e Salvatore De Giorgi.

Nesse documento encontrava-se resumido o abismo em que a igreja tinha caído: corrupção, finanças ocultas, guerras fratricidas pelo poder, roubo (massivo) de documentos secretos, lutas de facções e lavagem de dinheiro. O documento insistia na resistência à mudança da Cúria e nos numerosos obstáculos às ações solicitadas pelo Papa para promover a transparência.

Portanto: um Vaticano como ninho de víboras, um labirinto de corrupção, bem longe do céu e muito próximo dos pecados terrenos. Após ter lido a carta, Ratzinger decidiu apresentar as demissões: homem de pensamento mas não de acção, Bento XVI tinha consciência das suas limitações e viu-se incapaz de enfrentar a missão. Foram muitas as pressões no Vaticano para que Ratzinger continuasse no cargo e o Papa concordou em adiar a decisão, que todavia estava tomada. Josef Ratzinger nomeou o suíço René Brülhart (Agosto de 2012), especialista em lavagem de dinheiro, com a missão de colocar o Banco do Vaticano em sintonia com os padrões europeus. Um mês antes tinha sido contratado o jornalista americano Greg Burke, membro do Opus Dei e ex-membro da agência de notícias Reuters, para melhorar a imagem deteriorada da Igreja.

Os ataques internos vindos do interior da Igreja eram liderados pelo “grupo de St. Gallen”, formado pelos cardeais contrários à “limpeza” interna do Vaticano e em favor duma mudança “progressista”. Falamos aqui das seguintes figuras:

Estes indivíduos formavam um grupo que já em 2005 identificava Bergoglio qual Papa perfeito também para reformar a Igreja e sintoniza-la nas frequências ditadas pelo movimento progressista internacional (Administração Obama, os Clinton, Soros, etc.). Portanto: uma limpeza no interior do Vaticano conduzida segundo determinadas regras, mais de forma que de substância para não perturbar os delicados equilíbrios (interesses) existentes; e uma mudança política que apoiasse o movimento globalizador.

Sabemos como acabou a história: Bento XVI apresentou as demissões, Papa Francisco foi eleito e idolatrado pelos media, com tanto de recepção triunfal nos Estados Unidos. Bento XVI fica para os arquivos como o Papa conservador, Francisco como “o novo que avança”. Um final feliz? Em boa verdade este nem é um final.

A carta do “Papa verdadeiro”

Em Março deste ano, o Prefeito da Secretaria de Comunicação, Dario Edoardo Viganò (que não deve ser confundido com Mons. Carlo Maria Viganó), publicou “uma carta pessoal de Bento XVI sobre a continuidade com o pontificado do Papa Francisco”. No mesmo mês,é revelada a existência duma corrente dentro do mundo católico que opõe Bento XVI, “verdadeiro papa”, a Francisco, “falso papa”.

Então percebe-se o que é a carta de Bento XVI: um pedido da Santa Sé para que Bento XVI reafirmasse a continuidade não só legal, mas também “interior”, entre ele e o seu sucessor. Mas a coisa não correu bem. Já na altura da apresentação, Viganó, homem de Bergoglio, ocultou algumas passagens escritas por Bento XVI, o que implicou as demissões do mesmo Viganó.

Mas a mesma carta integral de Bento XVI, que aparentemente defende Francisco, na verdade parece conter uma subtil ironia que bem casa com a inteligência de Ratzinger. Um simples exemplo: na carta Bento XVI louva as capacidades teológicas que Francisco demonstra na publicação “A Teologia de Papa Francisco” para depois admitir candidamente de nunca a leu. O que não admira: na verdade não existem importantes obras filosóficas e teológicas do actual Pontífice, que nunca completou a sua tese de doutorado em teologia.

E sempre acerca de Francisco: onde estão as reformas? Depois de cinco anos, o Vaticano continua a ser um “hospital de campo”: atravessado por tensões e incertezas que confundem, onde continua a divisão entre reformadores e conservadores, entre o novo Papa e a Cúria. As reformas permanecem no limbo, tanto que a revista Civiltá Cattolica vê as mudanças introduzidas por Francisco como a tentativa de “limpar a Esfinge do Egipto com uma escova de dentes”. Já não está claro quem é aliado de quem.

Contra-ataque

E com a eleição de Donald Trump, a ala conservadora do Vaticano ganhou novo fôlego. Em Agosto deste ano, Mons. Carlo Maria Viganò (que não é o mesmo Viganó de antes) publica um duro ataque contra Papa Francisco:

Neste momento extremamente dramática, a Igreja universal reconheça os seus erros e, em consonância com o princípio de tolerância zero, Papa Francisco seja o primeiro a dar o bom exemplo aos cardeais e bispos que encobriram os abusos de McCarrick e abdique juntamente com todos eles.

O diplomata do Vaticano revelou que tinha comunicado pessoalmente a Francisco, apenas três meses depois da sua eleição ao papado (Junho de 2013), os abusos sexuais contra menores cometidos pelo arcebispo emérito de Washington Theodore McCarrick. De acordo com Viganò, Francisco:

No caso de McCarrick não apenas não se opus ao mal, mas associou-se para fazer o mal com aqueles que sabia serem profundamente corruptos, ele seguiu o conselho de alguém que sabia ser um perverso, multiplicando assim exponencialmente com a sua suprema autoridade o mal feito por McCarrick. E quantos outros maus pastores Francisco ainda continua a apoiar na sua acção de destruição da Igreja! Francisco está a abdicar do mandato que Cristo deu a Pedro.

Palavras duras e inequívocas que acabam com um apelo:

Eu imploro a todos, especialmente os bispos, para quebrar o silêncio, para superar essa cultura do silêncio tão difundida; informem os meios de comunicação e as autoridades civis sobre os casos de abuso que conhecem. Quero lembrar a verdade infalível da santidade da Igreja para os muitos que foram tão profundamente chocados pelo comportamento abominável e sacrilégio do ex-arcebispo de Washington, Theodore McCarrick, pela conduta chocante e pecaminosa do Papa Francisco e pelo silêncio cúmplice de muitos pastores.

Nada mal, considerado que Viganó não é um padre qualquer mas um arcebispo, ex-núncio apostólico nos Estados Unidos da América. Paralelamente, cresce o movimento que reconhece Bento XVI como verdadeiro e único Papa, apontado para ilegalidades na eleição de Francisco. Uma tese que trova fundamentos no Direito Canónico, algo que está a ganhar adeptos no Vaticano.

Conclusões

Bento XVI foi um Papa fora tempo máximo. Fino teólogo, sem dúvida o mais bem preparado teórico dos Papas deste último século, foi eleito numa altura em que a Igreja precisava dum homem menos pensador mas mais forte e prático para responder aos ataques vindos do interior como do exterior do Vaticano.

Era necessária uma imensa obra de limpeza para recuperar a supremacia moral; era necessária uma força descomunal para dobrar a resistência ditada pelos interesses dos “homens fortes” da Igreja; era necessária uma igual força para enfrentar o ataque da elite financeira global. A vontade reformadora ficou refém dos limites práticos de Bento XVI: o Papa não resistiu e preferiu demitir-se.

Com Papa Francisco a Igreja foi definitivamente entregue aos interesses dos “homens fortes” católicos enquanto aceitou vender os seus princípios para ser parte da propaganda progressista. De reformas nem a sombra: o Vaticano era um ninho de víboras antes e continua na mesma ainda hoje. Doutro lado nunca foi este o objectivo de Francisco, sendo ele uma pura operação de marketing nas mãos da elite global.

Se Francisco é idolatrado pelos media, no interior do Vaticano há um crescente descontentamento: os limites do novo Papa são grandes e evidentes. Então procura-se nos meandros do Direito para invalidar uma eleição que desde logo fez pouco sentido (e foi acitvamente espiada pela NSA): pode um Papa demitir-se? Na óptica da fé, o Papa é escolhido directamente por Deus e é o representante Dele na Terra. Pode um homem contrariar uma decisão de Deus? Não, não pode. E a Finança pode? Bom, o discurso aqui já é um pouco diferente…

 

Ipse dixit.

Fontes: Corrispondenza Romana (1 e 2), L’Espresso, Chiesa Espresso Online, Stanze Vaticane, Il Fatto Quotidiano,(1 e 2), Aleteia, Zenit