México: ponto de viragem?

O México virou página: após a noite neoliberal durada trinta anos, é a vez do triunfo clamoroso (mas esperado) de Andres Manuel López Obrador. Quem é?

O novo presidente é um político institucional experiente, ex-Governador
da região petrolífera de Tabasco, fiel à tradição nacional-popular: aquela da nacionalização do petróleo, da defesa da soberania nacional, herança da revolução mexicana e da presidência do general Lázaro Cárdenas.

O novo Presidente conseguiu 53% dos votos, um resultado de grande importância para a sociedade mexicana e a região da América Latina: é uma escolha que premiou uma vasta aliança política e social composta de camponeses, trabalhadores, povos indígenas, classes médias e empreendedorismo (não apenas pequenos ou médios).

E o fim da fase da agressividade neoliberal, duma geração de jovens tecnocratas que, escondidos abaixo do manto do modernismo, têm vendido a identidade e a cultura popular de uma nação. Leiloaram o petróleo, os serviços bancários, a eletricidade, as comunicações, a segurança social, a água, a biodiversidade e a soberania. O equivalente das privatizações implementadas na Europa. Só que no México há algo mais: a última fase da decadência, a “Colombização” do México e a narco-exportação transformaram o País num campo de batalha.

O México registrou no primeiro trimestre deste ano 7.667 homicídios, quase 20% mais que no mesmo período de 2017. O plebiscito em favor de Obrador é o resultado da injustiça galopante, do rastro de sangue que contou com 200.000 execuções nos últimos cinco anos), das mãos das máfias da droga e do aparelho repressivo do Estado.

A luta contra a corrupção está em primeiro lugar nas prioridades do novo Presidente, e isso tem implicações sobre o poder judiciário e policial, com repercussões directas na economia criminosa. E isso não vai ser fácil, não apenas por causa do nível da corrupção mas também porque para conseguir ganhar Obrador teve que juntar um partido declaradamente da Esquerda clássica (o PT), um de Centro-Direita (o PES) e um movimento da Esquerda “populista” (o MRN). Pode funcionar? Pode: é uma aliança de grande porte, que ignora os tradicionais esquemas ancorados ao séculos XIX e XX; é algo parecido com o que se está a passar em Italia, e aí as coisas estão a funcionar.

A Obrador dirigiu um breve discurso aos seus partidários reunidos na emblemática praça del Zocalo, que sempre foi palco dos eventos transcendentais da nação azteca: não anunciou cataclismos ou tsunamis no domínio financeiro, garantiu que não haverá expropriação e que vai governar para todos, mas que o foco principal será em favor dos sectores mais pobres e indefesos. Abolirá a reforma educacional porque é uma vulgar privatização, interrupção do conhecimento e redução do conhecimento em nome duma oportunidade de negócio lucrativa.

“Vamos trabalhar para que as pessoas possam trabalhar aí onde está a família, onde estão a cultura e os afectos, e aqueles que querem emigrar será porque querem e não porque forçados pela escassez”, acrescentou Obrador. Prometeu que todos os contratos de privatização apressados e suspeitos no âmbito do petróleo serão revistos ​​e novamente avaliados, e que todos aqueles irregulares ou ilegais serão cancelados.

Os novos rumos da diplomacia na América Latina encontraram lugar nas palavras do Presidente que anuncia o regresso aos princípios do “respeito à soberania, da não interferência e da solução pacífica dos conflitos”. Com isso, o México reabre as portas ao resto do continente americano, do qual tinha sido separado por imposição dos neo-liberais, autorizados a olhar sempre e só para os Estados Unidos e o Canadá.

Obrador enfrenta desafios árduos, a começar pela absoluta dependência do tratado de livre comércio, que representa 70% das exportações mexicanas para os EUA. Situação agravada com o muro de Trump na fronteira, o regresso ao protecionismo, a deportação dos trabalhadores mexicanos e a nova negociação para acordos comerciais bilaterais. Até mesmo a agricultura, agora destruída pela importação ilimitada dos cereais transgénicos norte-americanos, já não garante a histórica auto-suficiência do milho, que é fundamental na alimentação. “Temos que voltar a produzir o que consumimos”, promete Obrador.

A vitória de Obrero é uma brisa de esperança na América Latina? Talvez, mas é cedo para exprimir uma opinião: as promessas eleitorais são uma coisa, as escolhas políticas são outra. O que é certo é que o México precisa de mudar após os anos negros do neoliberalismo e a eleição do novo Presidente vai neste sentido: os eleitores foram claros. O facto de Obrero nunca ter perdido o contacto com a luta dos populares é outro forte sinal de esperança; e se os diários norte-americanos definem os partidos da coligação de Obrero como “populistas”, bom, esta parece mesmo a cereja no topo do bolo…

O outro Presidente

Nota final dedicada ao antigo Presidente do Equador, Rafael Correa, alcançado ontem por uma ordem de prisão emitida por Daniella Camacho, juiz de garantias criminais do Tribunal Nacional de Justiça, e acolhida pelo escritório do Procurador geral, Lenin Moreno. As páginas web da Esquerda gritam perante aquele que definem como “o novo caso Lula” e seria curioso saber quantos deles conhecem os factos em questão.

Por aqui frisamos como a notícia tenha sido praticamente ignorada (apesar de Correa residir na Bélgica actualmente), com artigos que ficam bem longes das primeira páginas. Quando houver artigo: porque no diário português Público, por exemplo, nem uma palavra; no italiano Corriere della Sera não conhecem ninguém de apelido Correa e no “sinistro” La Repubblica nunca ouviram falar dum País chamado Equador.

 

Ipse dixit.

Fontes: Pagina12, Selvas

4 Replies to “México: ponto de viragem?”

  1. Para o México, a melhor opção, sem dúvida, é Obrador. Sei que de outra forma não ganharia esta eleição apertada (53%), mas as eternas associações dos presidentes nacionais-populares na América Latina sempre me deixam de cabelos em pé porque vivo esta história desde que nasci. Obrador juntou-se a grande empresários, aos homens mais ricos do México: Slim, e por aí vai.
    Lembro Getúlio, Juscelino, Lula e Dilma no Brasil, sempre pais dos ricos e mães dos pobres. Getúlio suicidado, Juscelino, assassinado; Lula preso, Dilma, descartada. Quem quer defender a soberania nacional e popular está no poder a serviço dos pobres e antagônico às atividades dos milionários internos e externos. Logo vai enfrentar um tsunami político econômico diplomático. É preciso competência, deterninação e outros tipos de associação.
    Quanto ao Rafael Correa, me admiro que ainda esteja vivo. Os podres poderes não vão admitir jamais que ele volte ao poder no Equador. O mesmo penso com relação ao Lula. Os poderosos são competentes, determinados, sabem com quem se associam, e principalmente quem lhes é antagônico..

    1. Isso mesmo, Maria. Aqui como lá, o modus operandi será o mesmo: “Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei”.

  2. Enquanto os Mexicanos optaram por um caminho, que julgo ser o “menos pior”, o Brasil parece que vem tomando outro. Uma grande parte da população brasileira perdeu sua memória e quer voltar aos também “anos negros do neoliberalismo”. Vários candidatos a presidência para a eleição que está por vir são desta vertente neoliberal, e estão se tornando muito populares aqui: Bolsonaro, Alvaro Dias, entre outros. Temo pelo nosso futuro, se estes caras ganharem.

    Saúdo os mexicanos por escolherem este lado, de uma vertente mais distante daquela velha ideia fracassada que ainda tem o termo “neo” como prefixo.

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