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Como enfrentar a decadência

No julgamento contra Antonio Gramsci em 1928, o promotor declarou: “Precisamos impedir que esse cérebro trabalhe por 20 anos”. Assim Gramsci, ex-líder do Partido Comunista Italiano, foi condenado a duas décadas de prisão pelo governo fascista de Benito Mussolini.

No entanto, foi mesmo o aprisionamento causou o florescimento das ideias de Gramsci em vez do seu declínio. Os seus Cadernos das Prisões incluíam 33 volumes e 3.000 páginas de história, filosofia, economia e estratégia revolucionária.

Em 1937, Gramsci, que ao longo de toda a vida teve que enfrentar graves problemas de saúde (como o morbo de Pott, contraído na infância), morreu aos 46 anos de idade. A irmã Tatiana conseguiu fazer publicar os Cadernos após o final da guerra, a obra foi traduzida e Gramsci tornou-se a principal influência comunista anti-stalinista.

Os álibis do passado

Num discurso em 2013, o Secretário de Estado britânico para a Educação, Michael Gove, citou Gramsci para defender os métodos tradicionais de educação (“A ideologia que [Gramsci] muito temia na Itália entre as guerras era o que nós chamamos, de uma forma tragicamente inadequada, “educação progressiva”). Até mesmo o grupo francês de extrema Direita Nouvelle Droite o os seus colegas belgas Vlaams Blok reivindicaram Gramsci.

Tudo isso é preocupante. Sempre houve a tendência para encontrar no passado justificações e até explicações que conseguissem fazer luz no presente. Pensamos no caso de Aristóteles, cujo pensamento foi lei durante séculos e até chegou a influenciar as ideias de filósofos do Novecentos.

Esta tendência continua: ainda hoje não conseguimos livrar-nos do Marxismo, visto pelos seguidores como o supremo instrumento para interpretar a realidade (curiosamente, o mesmo ponto de vista de quem apoiava o aristotelismo); isso enquanto a nossa economia é dirigida por algo que já não pode ser definido como Capitalismo mas que aí encontra as suas origens. Em ambos os casos, teorias com bastante anos de serviço (Adam Smith viveu no ‘700, Marx no ‘800) e que já demonstraram ser amplamente imperfeitas.

Apesar disso, é tudo o que temos, parece não haver alternativas viáveis. O que é bastante deprimente, porque significa que nos últimos 170 anos (contando desde 1848, ano da publicação do Manifesto Comunista) não foi possível propor algo melhor.

Os melhores cérebros

Podemos objectar que assim não é, que as alternativas existem mas não são difundidas nem implementadas porque o actual sistema quer preservar-se. Em parte é verdade, pois todos os sistemas tendem a proteger-se evitando a mudança: a liberdade que temos é tal só se utilizada no âmbito do que já existe, caso contrário torna-se heresia e como tal é rejeitada.

Então tentamos observar a coisa dum outro ponto de vista: tente o Leitor citar o nome dum grande pensador contemporâneo, alguém com uma teoria out of the box, como dizem os anglo-saxónicos, mas realista, que possa ser implementada e cujos efeitos sejam significativos para a evolução (ou até involução) da nossa sociedade. Não falamos aqui duma pessoa que tenha uma ideia que possa resolver todos os problemas dos quais sofre o planeta, pois tal pessoa não existe e nem poderia existir. Falamos de alguém que proponha uma visão diferente, algo que pode abrir novos horizontes.

Em 2013, a revista inglesa Prospect criou uma lista dos 10 maiores pensadores da actualidade, eleitos após uma sondagem que conseguiu 10 mil votos de 100 Países. São eles:

  1. Richard Dawkins, biólogo evolucionista anti-creacionista
  2. Ashraf Ghani, Presidente do Afeganistão, ex-funcionário do Banco Mundial.
  3. Steven Pinker, psicólogo, linguista evolucionista
  4. Ali Allawi, ex-Ministro do Comércio e da Defesa do Iraque.
  5. Paul Krugman, economista liberal neoKeynesiano.
  6. Slavoj Žižek, filósofo
  7. Amartya Sen, economista
  8. Peter Higgs, físico
  9. Mohamed El Baradei, diplomata, ex-Presidente de Egipto.
  10. Daniel Kahneman, psicólogo e economista

Portanto, estes são os melhores cérebros da actualidade. Todos merecem o máximo respeito (talvez…), mas qual deles é portador duma visão realmente revolucionária? Quais, pelo contrário, mexem-se na senda do já traçado, limitando-se a aprofundar algo que já existia? O que sobrará da obra deste senhores no prazo de 100 ou 200 anos? Nesta óptica, o único cujo nome será lembrado pode ser aquele de Peter Higgs, por via do homónimo bosão, mas cujo verdadeiro impacto na nossa visão da física deve ser ainda estabelecido (apesar dos tons delirantes do media: “a partícula de Deus”).

A obra dum Galileo não ficou limitada à astronomia: estabeleceu as bases do pensamento científico moderno; o mesmo pode ser dito de Isaac Newton. Mudando de área, Adam Smith e Karl Marx deram vida a algo cujos efeitos são preponderantes ainda hoje.

É claro que um Galileo, um Newton, um Smith ou um Marx não nascem todos os dias. Mas é apenas isso que trava a nossa sociedade? Que a obriga a ficar agarrada à concepções velhas de 170 anos, no mínimo? É possível que numa época na qual é máxima a circulação das ideias o que está em falta são mesmo novas ideias?

As ideias de Galileo

Podemos explicar isso com uma forma de censura mais ou menos latente actuada primariamente pelos órgão de informação. Tal censura existe e não é possível nega-lo: é o tal sistema que quer preservar-se. Mas voltemos a um dos casos mais emblemáticos: Galileo. Na altura a circulação das ideias era extremamente lenta, desarticulada, e existiam um controle e uma censura explícitas particularmente atentas: tudo passava pela avaliação da Igreja. Galileo estava sozinho, toda a Igreja contra ele; e a Igreja na altura ainda era um dos máximos poderes mundiais.

Ganhou Galileo? Na verdade não: ganharam as ideias dele que, incrivelmente, conseguiram espalhar-se até serem adoptadas pela maioria. Por qual razão as ideais de Galileo vingaram? Porque eram válidas. Não foi a simpatia de Galileo (que simpático nem era), não foram os conhecimentos pessoais de Galileo (detestado por muitos colegas), não foi o julgamento (acontecimento não raro na altura), não foi um efeito indesejado da censura (que atingia um sem número de escritos e teorias): as ideias eram boas, foi só isso.

Moral da história: se uma ideia for boa, mesmo que censurada e perseguida, consegue encontrar o seu caminho e recolher adeptos. Se for muito boa, conseguirá não apenas vingar como até tornar-se referência (e com o tempo será substituída por uma nova e válida ideia).

A falta de ideias e a decadência

Nós hoje somos continuamente atropelados por uma avalanche de notícias mas com bem poucas ideias. E parece que a quase totalidade destas últimas não passam dum “já visto”, são apenas círculos inscritos à volta de ideias antigas. Retomar em 2013 as palavras dum Gramsci para defender um sistema de ensino é trágico: em quase 100 anos não houve nada mais? Sem contar que Gramsci era marxista, isso é, campeão duma ideologia que a História já enterrou.

Portanto, não é apenas uma questão de censura. Esta existe, é evidente, mas é por sua natureza limitada no tempo e nos modos. O verdadeiro problema fica em nós pois perdemos o hábito do pensamento construtivo: sabemos criticar mas não criar. E quando a situação fica complicada, a única solução é olhar para trás à procura de antigas justificações. Inútil espreitar nos vários sectores da sociedade: as classes políticas são o espelho das massas, cientistas e empreendedores não fogem à regra, os filósofos são uma raça em via de extinção.

O que significa isso? Decadência. O nosso sistema está velho porque os alicerces envelheceram e no horizonte não há nada e ninguém capaz duma profunda renovação. Estamos ligados aos vetustos conceitos de Esquerda e Direita simplesmente porque assim fomos habituados e não temos a capacidade para imaginar algo mais. A Ciência defende até a morte o “método científico” porque incapaz de enfrentar novos desafios. O pensamento percorre trilhos já gastos sem conseguir libertar-se da gaiola que ele mesmo criou. Na lista de Prospect o melhor cérebro pertence a alguém que ainda publica livros para demonstrar que Deus não existe: este é o máximo que a nossa espécie consegue em 2018 d.C.? Diágoras de Melos escrevia o mesmo no século V a.C.

Tudo isso parece deprimente? Pois parece. Mas não é. O que Informação Incorrecta sugere desde sempre é que esta é uma época de transição: o velho mundo ainda está aqui, entre nós, enquanto o novo mundo teima em não aparecer. Então, qual o problema? Não vale a pena recriminar: não está escrito em lado nenhum que o futuro seja melhor, talvez (mas só “talvez”!) o melhor seja…agora, por incrível que pareça. E mesmo que o futuro seja de facto melhor? É uma injustiça viver aqui, agora, nesta época indefinida e de transição? Não, não é. Esta é uma época empolgante: novas ideias podem nascer em qualquer altura, aqui ou do outro lado do planeta. Porque haverá novas ideias mais cedo ou mais tarde, disso não tenham dúvidas: é a História que ensina isso.

E mesmo que não haja novas ideias para já, é incrivelmente interessante observar as tentativas ao redor do mundo para mudar o que temos, mesmo que esta mudança não parta de nobres princípios. O debate acerca das energias renováveis, por exemplo, é deveras interessante. Sabemos que, infelizmente, as elites encaram o assunto por uma mera questão de cálculo; mas além dos interesses empresariais há uma realidade na qual teremos que abandonar (finalmente) o petróleo para algo um pouco mais amigo do ambiente. Mesmo que as ditas elites estejam a borrifar-se do meio-ambiente (e estão, totalmente), utilizar algo menos poluente terá consequências positivas. E este é apenas um exemplo.

Então temos que ser felizes porque coisas boas acontecem mesmo numa altura de decadência? Isso é verdade: coisas positivas acontecem, mesmo neste período, mas não é uma razão para ser felizes. Deitem para o lixo tanto o optimismo quanto o pessimismo, fiquem com o realismo: temos o que temos e ponto final. Não dá para festejar? Não, mas nem justifica o ficar num canto a chorar acerca das nossas desgraças.

Além da decadência

A solução é abrir os nossos horizontes: mente aberta, informar-se, aprender, descobrir, pôr em jogo o que sabemos ou achamos saber. Claro está, é preciso “armar-se” para não ficar presos nas armadilhas: desconfiar do sistema, porque este tem como único objectivo limitar a nossa percepção; desconfiar dos profetas de desgraça porque querem lucrar com isso; desconfiar de quem afirma que está tudo bem, porque é um idiota; desconfiar dos partidos políticos e das igrejas porque são partes integrantes do sistema, reaccionários e nunca inovadores.

Mas mesmo assim é possível “voar” um pouco mais alto, por cima da realidade decadente. O Leitor tem internet? Então use-a: frequente páginas que pensam e dizem o contrário do que você pensa, a vida não é só passar o dia a repetir quantos somos bons ou ler coisas com as quais sabemos concordar ainda antes de lê-las. Entre em blogues, fóruns, discuta não para demonstrar que entendeu, porque não entendeu tal como não entendo eu e como não entendem os outros: entre para comparar pontos de vistas, para aprender. Não fiquem limitados a Informação Incorrecta e ao pequeno mundo da informação alternativa, porque tudo isso nasce como reação à propaganda do regime e, portanto, é previsível e naturalmente limitado.

Querem saber que tipo de leituras são as minhas na internet? Já foi-me pedido para deixar uns links aqui no blog. Mas pessoal, além das sugestões dos Leitores eu frequento páginas da igreja, de grupos neo-fascistas, neonazistas, comunistas, anárquicos, ambientalistas, think tank globalistas, internacionalistas, revolucionários (não é de estranhar que depois Google censure…); costumo visitar a deep internet; na minha livraria há O Capital, Mein Kampf, Torah, Bíblia e Corão e, espantem-se, fiz questão de lê-los (uma seca…). Esta é a única forma que encontrei para não ficar ligado para sempre às minhas ideias. Não sei se está correcto, talvez esteja a errar e aceitam-se sugestões. Mas para já sinto-me bem com isso, tenciono continuar e atrevo-me a sugerir o mesmo: recusem a prisão das ideias.

 

Ipse dixit.