Site icon

A Rússia olha para o leste

Durante o último vértice G7, Donald Trump sugeriu que a Rússia seja readmitida no grupo. Não é bem claro por qual razão o Presidente dos Estados Unidos fez isso: talvez pense que uma Rússia no G8 seja mais facilmente “maleável”; pode ser uma maneira de inserir os EUA no discurso que, com avanços e recuos, alguns Países da Europa tentam estabelecer com a Moscovo; pode também ser que alguém na Casa Branca tenha explicado ao simpático Donald os riscos dum excessivo isolamento no plano político e comercial. Finalmente: pode ser pura propaganda.

Seja como for, há um pequeno detalhe: a Rússia nunca pediu a reintegração como membro do G8. O Ministro das Relações Exteriores de Moscovo, Sergei Lavrov, respondeu à proposta de Trump afirmando que a Rússia não está interessada em ser readmitida num grupo de Países que hoje parece ser uma minoria à luz dos novos equilíbrios mundiais.

Lavrov, em particular, disse que o seu País nunca “pediu permissão para regressar” no grupo do G8 porque acredita que a Rússia está a funcionar perfeitamente em outras plataformas, incluindo no G20, mais promissoras no longo prazo:

Quando os nossos parceiros ocidentais decidiram voltar ao formato G7, aceitámos a decisão e desde então trabalhámos em outras plataformas.

Acrescentou também que os membros da Organização de Cooperação de Xangai (SCO, que reúne os principais Países asiáticos), BRICS e G20 “compartilham as nossas abordagens”. Portanto, Lavrov confirmou quanto dito por Putin: o mundo mudou e a realidade da nova estrutura global emerge muito mais em plataformas que, como o G20, incluem alguns Países que são ou poderão tornar-se novas potências económicas.

A Rússia rejeita a proposta americana. E nem se percebe por qual razão deveria aceita-la. Até hoje Moscovo foi alvo de sanções cada vez mais duras, sem considerar a política de provocações militares e de cerco perpetuado pela Nato nas fronteiras da Federação Russa. É possível esquecer a campanha anti-russa orquestrada por EUA e Grã-Bretanha no caso Skripal, com as expulsões de dezenas de diplomatas?

Se a intenção for restabelecer um relacionamento sério com Moscovo, o primeiro e lógico passo deve ser o levantamento das sanções.

A realidade é que a tentativa anglo-americana para isolar a Rússia fracassou graças à nova composição política e económica mundial, em que gigantes como China e Índia estão a aumentar a cooperação com Moscovo, assim como acontece no caso de outros Países (Egpito, Irão, África do Sul, etc.).

Também na Europa as coisas estão (lentamente) a mudar: Angela Merkel continua com as tímidas tentativas de aproximação e o novo governo italiano já fez saber que a cooperação com Moscovo é mais do que uma simples hipótese.

Apesar das palavras, Washington continua na política que foi um dos cavalos de batalha de Trump durante as eleições: uma América mais virada para o interior das suas fronteiras e menos interventiva no exterior, pelo menos do ponto de vista económico (no plano militar a coisa muda). A recente introdução das novas taxas aduaneiras é uma boa demonstração disso. O resto do mundo está simplesmente a adequar-se.

Parece confirmar-se quanto observado ao longo dos últimos anos: o futuro fica no Oriente e o Ocidente está condenado a uma lenta mas irremediável perda de supremacia. Tudo fruto dum acaso ou dum desenho? Aqui o discurso fica mais complexo. Considerado o que está em jogo, falar de mero acaso não faz sentido: certas coisas não acontecem apenas porque “o vento muda”. Mas quem ganharia com a deslocação do “umbigo do mundo” para Oriente? A resposta está nas dimensões do mercado.

Neste aspecto, a Ásia pode pôr no prato 4.462.676.731 habitantes. Ou melhor: potenciais compradores. Europa e as duas Américas juntas podem responder com um mercado composto por 1.706.189.712. Mas há uma ulterior diferença também.

O mercado asiático tem fome de tudo: de riqueza, de bem-estar, de luxo, de comodidade, de “liberdade” (uma faca de dois gumes), duma vida que até hoje sempre foi-lhe negada. Direitos dos trabalhadores? Uma miséria. Greves? Desconhecidas. Mão de obras? Barata. Síntese: um Paraíso.

Doutro lado, Europa e Américas têm muito menos fome porque em boa parte são mercados saturados. A mão de obra não é barata e os trabalhadores querem ver os seus direitos respeitados. O que deveria ser normal numa sociedade normal.

Mas adivinhe o Leitor qual dos mercados é mais atrativo do ponto de vista das empresas…

 

Ipse dixit.

Fontes: Financial Times, Tass