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Trump: o estilo-vaqueiro

Pergunta Andressa:

Como se explica algumas mudanças de discurso do Trump depois que ganhou as eleições? Principalmente na Política Externa.

Eu acho que Trump não mudou muito na política externa. Mesmo nestas horas, no encontro do G7, está a tentar mudar rapidamente os equilíbrios de poder, e até consegue. Claro, é preciso descodificar as atitudes do Presidente americano: como é que Trump muda os equilíbrios de poder? Insultando o Primeiro Ministro do Canada, chamando-o de “fraco e mentiroso”. Isso porque Trump vê-se como uma espécie de cowboy que entra num saloon e começa aos berros para restabelecer a justa ordem. Que depois é a sua ordem.

Mas mesmo com este estilo-vaqueiro, Trump consegue algo (e isso é bastante deprimente: bem mostra o baixo nível dos políticos em circulação).

O Japão já está a caminhar por conta própria, tendo também que concentrar-se novamente na sua área natural, que é a Ásia. A Itália, na nova configuração de governo, está a ter o papel de “quinta coluna” para mudar as relações internas na Europa (história engraçada esta e, obviamente, não contada pelos media: 5 Stelle e Lega na Embaixada EUA de Roma). A Grã-Bretanha está atualmente em silêncio, paralisada porque ainda não está totalmente livre dado o atual processo de divórcio com a UE. O Canadá está sob o bombardeio por causa do acordo NAFTA, mas este não é um grande problema porque o Canada não conta.

Isso é: Trump está a implementar o seu desenho que é America First, uma espécie de rolo compressor que passa por cima de tudo e todos, estilhaçando quanto construído pelas anteriores Administrações democratas.

E no Médio Oriente? Aqui há duas leituras possíveis. A primeira vê a intervenção dos EUA como uma ajuda à israel. A segunda é bem mais complexa e para entende-la é preciso ter em conta os objectivos geopolíticos e a energia.

O objectivo geopolítico americano nunca mudou ao longo das décadas: impedir que haja um bloco eurasiático (Europa+Rússia+China). Irão e Afeganistão são as duas “cunhas” com as quais Washington quer marcar presença na área asiática. Mas como isso não impede que Moscovo e Pequim fechem cada vez mais acordos, eis que o Isis ataca agora as antigas repúblicas soviéticas: Turcomenistão, Uzbequistão e Tajiquistão. Mais um passo em frente do “cunho.

O segundo objectivo está ligado à energia, que é o elemento-chave da nossa sociedade. Este é o quadro da produção do gás (lembramos que o petróleo irá ser “demonizado” no futuro enquanto poluidor):

Rússia, Irão e China juntos ultrapassam já agora a produção dos Estados Unidos, que desta forma perdem a posição de privilegio que actualmente têm também por causa das alianças com alguns Países produtores de petróleo. Mas este é o presente: o futuro é ainda pior.

Eis as reservas de gás:

O quadro é claro: a “energia do futuro” está nas mãos do bloco eurasiático. Partir este bloco uma prioridade do ponto de vista americano e nem Trump pode esconder-se atrás do America First para ignorar isso: tem que intervir. Já nesta altura Síria, Irão e Afeganistão são importante porque cruzamentos dos maiores gasodutos mundiais (existentes ou em construção).

Além disso: Irão e Afeganistão (como também as ex-repúblicas soviéticas) fazem parte da Silk Belt Road, o enorme plano comercial chinês em construção. Pelo que: há razões extremamente sólidas pelas quais os EUA não podem abandonar o Médio Oriente, porque do ponto de vista de Washington é uma questão de sobrevivência.

Médio Oriente e parte da Ásia são a chave do futuro, tudo acontece aí. Isso explica também por qual razão não há e não haverá nos próximos tempos uma intervenção directa na Venezuela. Em outras circunstâncias, Washington já teria lançado uma cruzada internacional contra Maduro e companhia. Mas o que pode oferecer a Venezuela agora? Petróleo? O petróleo é o passado, o futuro é constituído pelo gás e pelas energias alternativas. As forças têm que se concentradas no Médio Oriente, a Venezuela pode ser tratada com sanções e mercenários (políticos também) locais.

Claro: Trump não disse nada disso ao longo da sua campanha eleitoral. Afirmar que os Estados Unidos teriam empenhado enorme recursos militares e financeiros no Médio Oriente não teria caído bem no meio do eleitorado de Direita, preocupado exclusivamente com os assuntos interno (economia, desemprego, imigração, violência). Falamos de pessoas que mal conseguem identificar Cuba num mapa, falar-lhes do problema da Silk Belt Road seria demais…

São todas coisas que conhecemos e não desde hoje: era suficiente ler as entrevistas de Trump durante a corrida presidencial, os delírios de Steve Bannon e olhar para os números com um mapa na frente. Neste aspecto, os planos democratas eram muito mais soft, focados mais num férreo controle económico-financeiro global com algumas intervenções militares pontuais (mas bem violentas). Com Trump temos um poderoso regresso ao realismo depois do enjoativo idealismo democrata: Trump fica no extremo oposto, também porque incapaz de entender qualquer forma de idealismo. Se fosse só por ele, o muro com o México já teria sido construído, disso não tenham dúvidas. Se ainda não foi erguida uma barreira com cimento, arame farpado e atiradores furtivos é só porque alguém deve ter-lhe explicado que isso custaria um dinheirão.

Resumindo: antes estávamos em plena fase de transição, todos alegremente encaminhados na globalização “politicamente correcta”. Depois chegou Trump e ficámos no meio duma outra fase de transição, pela qual ninguém estava preparado e cujos contornos ainda não estão tão bem definidos (a Europa, por exemplo, entrou em fibrilação). Como Rei do Mundo temos um básico brutalhado, filho da gorda barriga americana, com poucas ideias, todas terrivelmente simples e confusas: mexe-se com a graça dum elefante numa loja de cristais e continua fiel a si mesmo ao dizer tudo e o contrário de tudo. Sinceramente: o que podemos desejar mais?

 

Ipse dixit.