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Hugh Smith e a crise de 2021-2025

O futuro? Não muito bom segundo a análise do escritor e economista Charles Hugh Smith: teremos uma dinâmica global sincronizada, mas não será de “crescimento” e “estabilidade”, será de decrescimento e instabilidade.

Para entender o colapso global sincronizado que está à vista para o período 2021-2025 (segundo Hugh Smith), devemos primeiro estabelecer a relação entre o dinheiro e a energia. O dinheiro, afirma o economista, nada mais é do que uma reivindicação sobre a energia futura: se não houver energia disponível para abastecer a economia global, o dinheiro terá pouco valor.

O dinheiro e a energia futura

Esta ideia do dinheiro como “reivindicação sobre a energia futura” pode parecer algo estranha, mas não é: é apenas outra maneira de descrever as coisas. Como sabemos, o dinheiro não é riqueza em si mas só a representação da riqueza: para que o dinheiro possa ser trocado com bens tangíveis (uma ovelha, uma maça…), é preciso que alguém trabalhe e crie uma ovelha, uma maça, etc. E isso implica o consumo de energia, porque cada trabalho requer energia. Mas se a energia faltar? Se no futuro a energia não for suficiente para criar a ovelha ou cultivar a maça? O dinheiro não poderá se trocado por bens e deixará de ter valor.

E Hugh Smith vê problemas mesmo neste ponto: os economistas convencionais asseguram que a energia é agora uma pequena parte da economia global, portanto as flutuações do seu preço terão um efeito limitado na prosperidade global. Mas o que acontece quando a energia não pode ser oferecida ao preço que os consumidores podem permitir-se?

A actual situação é fruto dum período único, no qual os combustíveis fósseis eram baratos e abundantes. Em economia, é quase um acto de fé acreditar que a energia será cada vez mais abundante e a um preço cada vez mais económicos. Quando os combustíveis fósseis começarão a ser escassos (o que pode acontecer não desde já mas no prazo de algumas décadas), todos nós teremos geradores de fusão a frio, micro-usinas nucleares ou painéis solares?

A substituição dos combustíveis fósseis exige décadas e dezenas de milhares de bilhões de Dólares de investimento. Em outras palavras, o desenvolvimento da energia é uma dinâmica financeira: a tecnologia é apenas a primeira pequena peça de um quebra-cabeça muito maior. Um exemplo? O caso do “milagroso” fracking: apresentado como a solução para os Estados Unidos conseguirem atingir a independência energética, causou perdas de 250 bilhões de Dólares. Isso segundo os cálculos de Hugh Smith: na verdade as perdas foram bem maiores porque é preciso pôr na conta os incalculáveis prejuízos ambientais.

Portanto, os lucros não são garantidos em nenhum sector onde são precisos triliões de novos investimentos para obter um retorno positivo: o cemitério financeiro é cheio de carcaças de tecnologias de energia caras que deveriam “salvar a civilização industrial” com uma nova fonte limpa, essencialmente ilimitada.

Pobreza obrigatória e governação

Depois há outro problema que costuma ser ignorado. Os economistas convencionais também tendem a ignorar o impacto do aumento do consumo interno das nações exportadoras de petróleo. Isso é: uma Arábia Saudita exporta a (quase) totalidade da sua produção petrolífera porque a sua população é muito limitada e porque o seu sector industrial é muito limitado também. Mas o que aconteceria se a demanda doméstica aumentasse? Um significativo crescimento da população ou a implementação dum tecido industrial sólido? O País exportador poderia bombear a mesma quantidade de petróleo, mas deveria exportar muito menos. E no mercado internacional o petróleo inevitavelmente ficaria mais caro.

Portanto: para manter o preço do petróleo mais ou menos estável ao longo do tempo, é preciso que os Países exportadores continuem a extrair e a exportar segundo os ritmos actuais. Mas isso significa que o mercado não pode permitir que estes Países desenvolvam e diversifiquem as suas economias, porque isso obrigaria a reduzir as exportações de petróleo (Leitores brasileiros, pensem no assunto…). O que é permitido é que os lucros da exportação sejam reinvestidos na Finança internacional: mas isso está ao alcance só de poucos e gera lucros só para poucos.

Outro ponto da crise é a governance: em todo o mundo, independentemente da ideologia, a qualidade e a legitimidade dos governos está a desmoronar. Vivemos em tempos de decadência e decomposição: as elites dominantes estão a fazer todo o possível para manter o status quo intacto, mas as suas políticas esvaziam as economias e enfraquecem os alicerces que sustentam as sociedades civis, cada vez mais frágeis.

A crise de 2021-2025

Segundo Hugh Smith, os amortecedores financeiros, energéticos e de governance começarão a entrar em colapso, um colapso global sincronizado, no período 2021-2025.

Porque sincronizado? Porque os mercados financeiro e de energia são um sistema único: quando os freios do sistema entrarem em colapso, qualquer pessoa dependente do comércio, das finanças globais e da energia entrará em colapso, num efeito dominó que começará com as nações periféricas mais fracas. Nenhum País ou império estará imune, afirma Hugh Smith, já que todas as grandes potências são baseadas em dinheiro com um valor fantasma e uma energia que não pode ser simplesmente impressa pelos bancos centrais.

Conclui Hugh Smith:

Não há nada de intrinsecamente permanente ou de precioso no dinheiro impresso pelos bancos centrais; não passa duma reivindicação sobre o fornecimento de energia futura. Teremos uma dinâmica global sincronizada, mas não será de crescimento e estabilidade, mas de decrescimento e instabilidade. As duras realidades de energia, do dinheiro e da má governação voltarão a ocorrer, e a tecnologia e os bancos centrais não nos salvarão.

Optimismo e futuro

Como vimos, Hugh Smith prevê a queda do nosso sistema no período entre 2021 e 2025. Demasiado pessimista? Do meu ponto não: demasiado optimista.

Hugh Smith não toma em consideração um factor deveras importante: a fragilidade do sistema financeiro. A crise de 2008, natural ou provocada, demonstrou o papel absolutamente prioritário que a Grande Finança tem hoje na nossa sociedade: as economias mundiais entraram em colapso não por causa do preço do petróleo mas por causa dos males intrínsecos do sistema financeiro. E este males ainda estão todos aí, neste aspecto nada mudou.

Mesmo nestes dias é possível observar um aumento do preço do crude: há dificuldades, sem dúvida (as greves dos auto-transportadores em vários Países), mas nada que crie uma crise sistémica. Para resolver o actual problema da subida dos preços do petróleo é suficiente que os governos deem um passo atrás, reduzindo os impostos em poucos cêntimos: as greves acabam, o petróleo continua a fluir.

Vice-versa, na crise de 2008 foi suficiente que apenas um comparto financeiro (aquele dos empréstimos subprimes) entrasse em crise para provocar um autêntico colapso global. Por esta razão acho Hugh Smith ser demasiado optimista: na óptica dele, o actual sistema continuará basicamente intacto até surgirem os problemas derivados do desenvolvimento dos Países produtores de petróleo e das crises dos poderes de governação.

Mas estes são fenómenos bastante lentos, que requerem várias décadas: muito antes disso haverá a próxima crise financeira. Só não sabemos quando.

 

Ipse dixit.

Fonte: Charles Hugh Smith