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A greve dos “caminhõneiros” no Brasil e em Portugal

Quanto custa um litro de gasolina no Brasil? Segundo Global Petrol Prices a despesa é de 4.28 Reais, isso é, 1 Euro (1.00447 para sermos mais precisos). Mas este não é o preço real: nos últimos dias os valores tiveram amplas oscilações ao ponto que nalgumas bombas chegou-se ao 9 Reais: mais de 2 Euro por litro, um preço superior àquele pago pelos automobilistas europeus. Com uma particularidade: Países como Portugal, Espanha, França, etc. importam 100% do petróleo consumido. Vice-versa, o Brasil importa apenas 25% do crude, sendo também um forte produtor.

Mas isso significa que já o preço de partida (os tais 4.28 Reais) é difícil de justificar: é normal que os Países produtores vendam aos seus cidadão com preços extremamente baixos. O exemplo mais evidente é a Venezuela, onde um litro de gasolina custa 0.04 Reias (praticamente é gratuita), mas a lista pode continuar: Arábia Saudita  0.77 R$ o litro, Turcomenistão 0.93 R$ o litro, Argélia 1.02 R$ o litro, Egipto e Kuwait 1.12 R$ o litro. Única exepção nesta classifica é a Noruega, País que apesar de ser um produtor apresenta um dos preços mais elevados do planeta: 5.97 R$ ao litro (1.723 €). Mas aquela da Noruega é uma escolha em nome do meio-ambiente e apoiada pelo elevado teor de vida dos seus habitantes.

O que não é o caso do Brasil. Neste País a gasolina custa quanto na Ucrânia, a África do Sul, a Bósnia, a Bulgária, as Bahamas: e mais de que a Moldávia, o Peru, a Austrália, o México, o Paraguay, todos Países não produtores.

Por qual razão a gasolina no Brasil é tão cara? Há não uma mais algumas razões.

Falta de concorrência na distribuição

Como explicava já no ano passado o site FlatOut: “Atualmente apenas três empresas controlam cerca de 80% da distribuição de combustíveis, e todas elas também atuam indiretamente no varejo. São os postos de “bandeiras grandes”. Como a legislação brasileira impede a verticalização — ou seja, a operação de uma distribuidora e uma rede de revendas — os postos de combustíveis são sempre operados por empresas independentes por meios de contratos semelhantes a franquias. Estes contratos incluem uma cláusula de exclusividade na compra de combustíveis — que é uma forma de garantir que os postos da rede X vendam combustíveis distribuídos pela distribuidora X.

Mas o outro lado desta moeda é que a exclusividade tira dos postos o poder de barganha de preços, afinal, eles são legalmente impedidos de negociar com outras distribuidoras que eventualmente ofereçam combustíveis mais baratos, o que limita sua margem de variação de preços”.

E também os postos de distribuição independente, que oferecem combustíveis a preços menores, têm poucas opções de escolha, o que limita o poder de negociação.

Falta de concorrência da refinarias

No Brasil existe apenas uma refinaria privada no Brasil, aquela de Manguinhos, no Rio de Janeiro. Mas a sua capacidade de produção é menor que a da Petrobras, “de forma que os seus preços não chegam a influenciar o mercado nacional. Por esse motivo a política de preços da Petrobras influencia todo o mercado e permite que a empresa seja usada como instrumento de política econômica”.

Uso político da Petrobrás

O monopólio estatal da exploração e do refino do petróleo brasileiro acabou mas, nos factos, a principal empresa do setor é a Petrobras, que continua a ser controlada pelo Estado. “Por isso, embora tenha a captação de recursos provenientes de acionistas, o seu conselho administrativo ainda é definido por gestores políticos, o que abre espaço para que a empresa seja utilizada como instrumento de política econômica nacional”.

Isso significa que, em determinadas alturas, a definição dos preços dos combustíveis não reflecte factores quais o custo de produção, o transporte ou a cotação do petróleo no mercado mundial: é influenciada principalmente pela política econômica do governo no poder.

Os Presidentes Lula e Dilma Rousseff tinham adoptado uma política de preços independentemente da cotação do petróleo no mercado internacional, mas os escândalos ligados à Petrobras fizeram que o novo executivo repensasse a estratégia da empresa: “A nova política de preços, baseada na flutuação da cotação do petróleo no mercado internacional, traz mais um fator de influência direta nos preços da gasolina: a cotação do dólar”.

Cotação do Dólar

Se a cotação do Dólar for reforçada, o preço da gasolina tenderá a subir, porque “atualmente a definição dos preços dos combustíveis considera o custo de produção, a cotação média do barril petróleo no mercado internacional e a cotação do dólar no mesmo período da produção”. O Dólar afecta não apenas o preço de compra do petróleo importado (25% do consumo nacional) mas também os custos do transporte marítimo.

Legislação obsoleta

Na Europa um posto de combustível “servido” é uma raridade, mas no Brasil não é assim: “Nos anos 1990 a Shell e a Esso tentaram introduzir no Brasil o modelo de postos self-service, nos quais o próprio cliente abastece seu carro. […] Sem frentistas [o homem da bomba, ndt], o custo operacional do posto é significativamente reduzido, uma vez que os encargos trabalhistas são a segunda maior despesa de um posto de combustível.”

Todavia, no ano 2000, o Presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou a lei 9.956, de autoria do então deputado federal Aldo Rebelo, que proibiu o funcionamento das bombas de auto-serviço no Brasil, com a justificação de que o manuseio das bombas de combustíveis requer qualificação para garantir a saúde e a segurança (!!!), além de garantir empregos.justificativa-frentistas

Como explica FlatOut, “ainda há um ultimo custo adicional: diferentemente de praticamente todos os setores do mercado, os postos têm por obrigação legal a lavagem dos uniformes dos frentistas ao menos duas vezes por semana. No total, o custo financeiro com cada um destes funcionários de pista chega aos R$ 3.000 […]. O custo, logicamente, é repassado ao consumidor.

Custos ocultos

Segundo a Petrobras o preço da gasolina nas bombas é composto da seguinte forma:

Dito assim a margem das bombas nem parece tão má: 16%. Mas este não é o lucro, é simplesmente a “fatia” da qual terão de ser subtraídos os custos operacionais (salários, eletricidade, telefone, impostos, etc). Portanto, a maior “fatia” é aquela que fica nos bolsos do Estado: uma história muito bem conhecida aqui na Europa também.

Brasil, Portugal e os problemas dos “caminhoneiros”

E com isso entramos no coração do problema que nestes dias alastra pelo Brasil: a greve dos “caminhoneiros”. Têm razão? Têm razão como têm razão os colegas portugueses que hoje começam uma greve sem fim à vista. Com o aumento do preço da gasolina (e do gasóleo neste caso), a margem de lucro dos transportadores fica cada vez mais reduzida. E como ninguém gosta de passar a vida na estrada, entre fumos, fadiga, calor, frio e stress para depois ganhar uns tostões, eis explicada a greve.

Tanto no caso do Brasil quanto naquele de Portugal a situação é grave porque ambos os Países dependem em demasia dos transportes rodoviários. A rede ferroviária portuguesa é bastante limitada: 30.8 km de carris por cada 1.000 km quadrados de território; no Brasil é de apenas 4.4 km por 1.000 km quadrados. tanto para fazer alguns exemplo:

Portugal tem uma extensão ferroviária que em percentagem até é maior daquela dos Estados Unidos (24.2 km/1000 km2), mas aqui há outro problema que é distribuição das linhas de comboio. Enquanto nos EUA há uma maior concentração de linhas junto da costa Leste mas o resto do País também é bem servido, em Portugal e ainda mais no Brasil no interior a situação é amplamente deficitária.

Portanto: a deslocação da mercadoria depende em larga maioria do transporte rodoviário, com custos acrescidos de ordem económicos, humanos (mais acidentes) e ambientais. E uma greve dos “caminhoneiros” tem o poder de estrangular a economia dum País, tal como já aconteceu em Portugal em 2008. Seria preciso avançar com a electrificação das redes ferroviárias e a sua expansão para reduzir a dependência do auto-transporte, apostando num meio mais limpo (o comboio elétrico), mais seguro, mais barato. Problema: construir linha ferroviárias custa e não pouco. É verdade que mais do que “custo” seria oportuno falar de “investimento” (pois compensa no longo prazo), mas a realidade não muda: projectar e construir implica o desembolso de quantias de dinheiro não indiferentes (sobretudo no caso do Brasil).

Eis porque a greve dum único sector tem o poder de mandar em crise um inteiro País e transformar as justas reivindicações duma classe de trabalhadores num drama colectivo onde é ameaçada até a intervenção das forças militares.

Desfecho

Como irá acabar? Na verdade a solução é sempre e só uma: satisfazer os pedidos dos auto-transportadores, pelo menos de forma parcial. O Estado abdica de algumas entradas fiscais que serão recuperadas dum outro lado (leia-se: subida dos impostos para os automobilistas).

No caso do Brasil a coisa é diferente porque ao longo destes dias a greve dos “caminhoneiros” tem assumidos contornos que iam muito além das justas reivindicações salariais, chegando a pôr em causa a figura do governo federal; sob a lupa está também o funcionamento da Petrobras e os relacionamentos entre a classe política e o cartel das empresas petrolíferas. Óbvio que a já tensa situação política interna não beneficiou das objectivas dificuldades dos cidadãos.

Por volta das 22h de ontem, foram anunciadas cinco medidas adotadas pelo Planalto para tentar debelar a paralisação: entre elas, o aumento no desconto por litro de gasóleo (de 41 centavos para 46 centavos), o congelamento deste valor por 60 dias e a suspensão da cobrança de eixo suspenso em todo o Brasil quando o camião passa sem carga (o que equivale a uma baixa nas portagens).

Os representantes dos “caminhoneiros” falam em vitória. Mas é possível falar de “vitória” da sociedade brasileira? Após a subida do preço do petróleo (que atingiu quase 73 Dólares ao barril), os valores parecem agora recuar e estabilizar-se na casa dos 65/66 Dólares. É cedo para afirmar que este patamar será mantido: no entanto, a baixa de 5/6 Dólares não justifica uma descida dos preços praticados nas bombas, não no curto prazo pelo menos. Portanto, os recentes aumentos do preço dos combustíveis continuarão a ter um impacto significativo na economia das famílias. E isso sem considerar o valor da moeda americana que, como vimos, tem uma influência directa no preços da gasolina brasileira.

Os “caminhoneiros” obtiveram uma vitória “de classe”: mas os problemas do petróleo brasileiro permanecem inalterados e isso tem custos para os bolsos do consumidor.

 

Ipse dixit.

Fontes: FlatOut, El aís (Brasil)